Home | Novidades Revistas Nossos Livros  Links Amigos

A Era Pós-Industrial, a Sociedade do Conhecimento e a Educação para o Pensar

(notas de conferência para alunos e professores
 de ensino médio em diversos estados do Brasil)

 

Elian Alabi Lucci
Editora Saraiva

 

            Vivemos na era Pós-industrial, um novo mundo, onde o trabalho físico é feito pelas máquinas e o mental, pelos computadores.Nela cabe ao homem uma tarefa para a qual é insubstituível: ser criativo, ter idéias.

            Durante dois séculos, tempo que durou a sociedade industrial (1750-1950), o maior desafio foi a eficiência, isto é, fazer o maior número de coisas no menor tempo. Assim, o ritmo de vida deixou de ser controlado pelas estações do ano e tornou-se mais dinâmico. Enquanto a agricultura precisou de dez mil anos para produzir a indústria, esta precisou de apenas 200 anos para gerar a sociedade ou era Pós-industrial.

A origem da era Pós-industrial

            A título de delimitação, embora carecendo de maior precisão, pode-se dizer que a sociedade pós-industrial nasceu com a Segunda Guerra Mundial, a partir do aumento da comunicação entre os povos, com a difusão de novas tecnologias e com a mudança da base econômica. Um tipo de sociedade já não baseada na produção agrícola, nem na indústria, mas na produção de informação, serviços, símbolos (semiótica) e estética.

            A sociedade pós-industrial provém de um conjunto de situações provocadas pelo advento da indústria, tais como o aumento da vida média da população, o desenvolvimento tecnológico, a difusão da escolarização e difusão da mídia.

            A sociedade pós-industrial se diferencia muito da anterior e isso se percebe claramente no setor de serviços, que absorve hoje cerca de 60% da mão-de-obra, total, mais que a indústria e a agricultura juntas, pois o trabalho intelectual é muito mais freqüente que o manual e a criatividade, mais importante que a simples execução de tarefas. Antes era a padronização das mercadorias, a especialização do trabalho, agora o que conta é a qualidade da vida, a intelectualização e a desestruturalização do tempo e do espaço, ou seja, fazer uma mesma coisa em tempos e lugares diferentes (simultaneidade).

            A era Pós-industrial é conhecida também como a era da Informação e do Conhecimento. Mas é preciso que saibamos distinguir informação de conhecimento, o que pode ser muito bem elucidado pelo trecho abaixo, extraído do livro Na Era do Capital Humano, de Richard Crawford:

Um conjunto de coordenadas da posição de um navio ou o mapa do oceano são informações, a habilidade para utilizar essas coordenadas e o mapa na definição de uma rota para o navio é conhecimento. As coordenadas e o mapa são as "matérias-primas" para se planejar a rota do navio. Quando você diferencia informação de conhecimento é muito importante ressaltar que informação pode ser encontrada numa variedade de objetos inanimados, desde um livro até um disquete de computador, enquanto o conhecimento só é encontrado nos seres humanos. (...) Somente os seres humanos são capazes de aplicar desta forma a informação através de seu cérebro ou de suas habilidosas mãos. A informação torna-se inútil sem o conhecimento do ser humano para aplicá-la produtivamente. Um livro que não é lido não tem valor para ninguém. (...)

            Necessário também se faz lembrar os graves perigos no excesso de informação, apontados pelo editor da Gazeta do Povo, de Curitiba, Wilson Gazino, no artigo O "Esquecedor" e a Sociedade da Informação.

O homem, definido pelo poeta clássico grego Píndaro como "aquele que esquece", "o esquecedor", pensou que a máquina poderia ajudá-lo a lembrar. Mas a máquina multiplicou o número de informações com que o homem lida a cada dia, chegando a níveis absurdos. Hoje uma pessoa pode ter acesso num só dia a um número equivalente de informações que um sujeito teria a vida inteira na Idade Média. De acordo com uma pesquisa recente feita pela Price Waterhouse, o volume de conhecimento necessário para se manter atualizado no mundo dos negócios dobra a cada ano. (...) Os cérebros se tornam verdadeiras esponjas, onde a informação entra num momento e, já descartável, é atirada ao lixo da memória, logo em seguida. As pessoas se expõem ao estresse informativo, recebendo esse bombardeio desordenado, sem ter controle sobre isso e sem saber como se proteger, ou pelo menos, como selecionar de maneira correta.

 

Os países na era Pós-industrial

            Com o advento dessa nova era, mudam também os países. Alguns países menos desenvolvidos não produzem produtos pós-industriais, mas produtos agrícolas e industriais. Consomem, no entanto, produtos agrícolas, industriais e pós-industriais. Consomem telenovelas, jornais, moda, cinema, serviços os mais diversos. Alguns deles já são pós-industriais também na produção. Outros, só no consumo.

 

A cultura e os hábitos e costumes num mundo globalizado

A globalização abre a vida das pessoas à cultura e a toda sua criatividade — e ao fluxo de idéias e conhecimento. Mas a nova cultura trazida pela expansão dos mercados mundiais é inquietante. Tal como Mahatma Gandhi exprimiu tão eloqüentemente no começo deste século, "Não quero que a minha casa fique cercada de muros e que as minhas janelas fiquem fechadas. Quero que as culturas de todas as terras soprem sobre a minha casa tão livremente quanto possível. Mas recuso-me a ser derrubado por qualquer uma delas". Hoje, o fluxo cultural é desequilibrado, pesando fortemente numa direção, a dos países ricos para os pobres. Os produtos leves — com elevado conteúdo de conhecimento mais do que conteúdo material — transformaram-se em alguns dos setores mais dinâmicos das economias mais avançadas da atualidade. A maior indústria exportadora dos Estados Unidos da América não é a dos aviões ou dos automóveis, é a do entretenimento — os filmes de Hollywood faturaram mais de 30 bilhões de dólares em todo o mundo, em 1997. A expansão das redes globalizadas de mídia e das tecnologias de comunicação por satélite dão origem a um novo e poderoso meio de alcance mundial. Estas redes levam Hollywood a cidades remotas — o número de televisores por 1.000 pessoas quase duplicou entre 1980 e 1995, de 121 para 235. E a difusão das marcas mundiais — Nike, Sony — estabelece novos padrões sociais de Nova Delhi a Varsóvia e ao Rio de Janeiro. Este assalto da cultura estrangeira pode colocar em risco a diversidade cultural e levar às pessoas o receio da perda da sua identidade cultural. É necessário apoiar as culturas nativas e nacionais — para que floresçam lado a lado com as culturas estrangeiras.

Fonte: Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), Relatório do desenvolvimento humano, 1999, p. 6 e 7.

            Com isso, muda também a Divisão Internacional do Trabalho e hegemônicos, portanto, são só os países pós-industriais na produção e no consumo. Os países hegemônicos formam um pequeno grupo (G7/ G8/ G12 etc.). Daí ser possível dizer que o mundo é governado por uma minoria de países. Talvez até apenas por uma tríade (Japão, Alemanha e EUA).

            Significativo neste sentido é o artigo "Um novo mapa do Mundo - Um planeta dividido não por ideologia, mas por tecnologia, demanda outras diretrizes" de Jeffrey Sachs no The Economist.

Com o fim da Guerra Fria, desfizeram-se as antigas divisões ideológicas. Virtualmente todos os países proclamam adesão aos mercados globais. Mas se instaura uma divisão mais inabordável, desta vez de natureza tecnológica. Uma pequena parte do planeta, responsável por cerca de 15% de sua população, fornece quase todas as inovações tecnológicas existentes. Uma segunda parte, que engloba talvez metade da população mundial, está apta a adotar essas tecnologias nas esferas da produção e do consumo. A parcela restante, que cobre por volta de um terço da população mundial, vive tecnologicamente marginalizada — não inova no âmbito doméstico, nem adota tecnologias externas.

O capital humano

            Para acompanhar este novo processo de desenvolvimento do mundo onde os serviços e a criatividade dão o tom, o capital físico, que era a variável-chave do crescimento econômico, perde lugar hoje para o capital humano, representado pelo conjunto de capacitações que as pessoas adquirem através da educação, de programas de treinamento e da própria experiência para desenvolver seu trabalho com competência, bem como pelo desenvolvimento de várias competências do ponto de vista profissional. A teoria do Capital Humano foi desenvolvida na década de 60 por dois economistas que mais tarde receberiam o prêmio Nobel (Theodore Schultz e Gary Becker). Segundo essa teoria poderíamos dizer de forma resumida que o progresso de um país é alavancado pelo investimento em pessoas.

A educação e a escola — o pensar

            Essa nova sociedade que está se formando, e que tem por base o capital humano ou intelectual, é chamada de Sociedade do Conhecimento. Nessa sociedade onde as idéias, portanto, passam a ter grande importância, estão surgindo em várias partes do mundo os Think Thanks, que nada mais são do que grupos ou centros de pensamento para a discussão de idéias. Esses centros têm por objetivo a construção de um mundo, de uma sociedade mais saudável do ponto de vista econômico e social, que possa desfrutar de uma melhor qualidade de vida.

            A Terceira Via, uma tentativa européia recente de amenizar os aspectos negativos da globalização, sobretudo do ponto de vista social, é criação de um Think Thank inglês, dirigido pelo sociólogo Anthony Giddens. O pensar é portanto o grande diferencial entre as pessoas e as sociedades. Por isso, o principal papel da educação nesse processo é o de fazer os alunos pensarem. Mas o que é o pensar?

Pensar é aprender a ser livre, responsável e honrado. Pensar é esforço e inconformismo, para com o mundo e também para consigo mesmo. Pensar é duvidar e criticar, não de forma altaneira ou presunçosa, senão por desejo do bem comum. Pensar é ter o tempo de poder fazê-lo. Pensar não é repetir ou reproduzir. Pensar é ativar o que de nobre há no ser humano, porque pensar e também sentir e intuir. A frase de Descartes não é de todo certa: não se trata de "penso, logo existo", mas penso, logo vivo. Viver é encontrar seu próprio caminho e evitar permanentemente a tentação do fácil. O fácil é não pensar.

Extraído de El café de los filosofos muertos, Nora K. e Vittorio Hösle. Anaya. Madrid, 1998, p. 9.

            A escola precisa se transformar, portanto, num Think Thank. O mais importante deles. Uma grande central de idéias.

As profissões

            Diante desse quadro, é óbvio que as profissões também passem por um processo de mutação bastante espetacular. Dado o maior valor atribuído ao conhecimento, à cultura, à arte e à estética, encontramos como profissões em alta, o design, a moda, a fotografia, a culinária, a hotelaria, a engenharia clínica, a informática médica e o direito internacional.

            No perfil do profissional do futuro, as características mais valorizadas são:

Formação - global e sólida

Conhecimentos extra - computação, domínio de várias línguas

Polivalência - condições de atuar em várias áreas

Cultura ampla - domínio de informações culturais e tecnológicas

Capacidade de inovação - predisposição para mudanças

Atualização - reciclagem contínua dentro da atividade

Capacidade analítica - postura crítica, interpretação antecipada das necessidades futuras da sociedade

Interação - emoção e razão integradas facilitarão o desempenho

            E as carreiras que terão maior procura:

Engenharia clínica - Cada hospital vai precisar de um profissional para cuidar da manutenção de instalações e equipamentos, garantir o uso de todo o potencial e reduzir custos: hoje, 70% da rede nacional tem necessidade de um engenheiro clínico

Direito do consumidor - A conscientização dos direitos do consumidor e a conquista da cidadania aumentam as oportunidades de atuação do profissional dessa área

Direito internacional - Tendência mundial à globalização e internacionalização de recursos demanda especialistas nas relações entre os países

Informática médica (medicina não-invasiva) - Sofisticação de aparelhos e equipamentos de alta tecnologia destinados a auxiliar profissionais da saúde na área exigirá técnicos no setor

Oceanografia - A necessidade da exploração de recursos naturais coloca em alta o mercado para esse profissional especializado no estudo do comportamento do mar e suas particularidades; no trabalho de preservação da flora e da fauna; e no desenvolvimento de técnicas industriais

Engenharia de alimentos - A produção em grande escala de alimentos industralizados com baixo custo é uma das exigências mais importantes em todo o mundo. Preparar uma alimentação mais saudável e isenta de produtos químicos é a tarefa desse profissional

            Cabe aqui a pergunta: "Você costuma verificar a data de validade de seu conhecimento?". Para isto é muito importante refletir sobre as características da educação apontadas por Tom Peters:

1. A educação não termina com o último certificado que você consegue obter;

2. Estudar a vida toda é uma necessidade numa sociedade baseada no conhecimento;

3. A educação é o "grande jogo" que se deve jogar (e vencer) na economia global.

Devagar com o andor que o santo é de barro

            Mas, apesar da velocidade que essas mudanças profissionais vêm impondo ao mundo, é preciso estar atentos a duas importantes atitudes para poder conduzir nossas vidas dentro de um certo padrão de equilíbrio. Uma dessas atitudes está muito bem demonstrada neste trecho do livro – O Espírito do Trabalho, de Stephan Wyszynski.

     O trabalho contemporâneo é caracterizado por uma exagerada ambição; somos vítimas da impaciência revolucionária que tudo deseja, e imediatamente. Assim se explicam as revoluções, que têm em mira resultados gigantescos e imediatos, à custa, muitas vezes, da violação das leis naturais. E, contudo, a História ensina-nos que não é a revolução, mas sim o trabalho humano constante e tranqüilo que nos impele no caminho do progresso. Desgraçadamente, o homem confia demasiado nas forças da revolução e destrói prematuramente as suas próprias forças, escravizando-as à febre de criar. Deseja alcançar no mais curto espaço de tempo possível tudo aquilo que só pode dar fruto completo dentro dos limites estabelecidos pelas leis naturais.

Cria-se muito, mas sem valor, com a ilusão mentirosa de que a quantidade pode fazer as vezes da qualidade. A estatística mata-nos, subjuga-nos e desmoraliza-nos com a fascinação dos números. Estamos sempre a perguntar: "Quantos?" e esquecemo-nos do "Como?". Esta situação é a origem da superprodução desnecessária que não satisfaz, nem de longe, as necessidades de tantos famintos e nus, e constitui a exploração irracional de uns bens que deveriam ser conservados para as gerações futuras. A cura desse mal sobrevirá justamente quando a pergunta "quanto" se veja substituída por "como" ou seja, quando nos pusermos acima do êxito momentâneo.

            A outra atitude diz respeito à ética, ou seja, à atitude que deve pautar nossas vidas, nossas disputas nessa sociedade globalizada, altamente competitiva e que induz as pessoas ao individualismo exacerbado, esquecendo-se do que o filósofo lituano Levinás tomou como base de sua escola filosófica, a preocupação com o "Outro".