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O Valor dos Recursos Humanísticos
 na Educação Médica -
 literatura e cinema na formação acadêmica

 

Pablo González Blasco
Diretor da SOBRAMFA- Sociedade Brasileira de Medicina de Família.
Professor de Medicina Psicossomática da UNISA.

Marcelo Rozenfeld Levites / Roberto Rosa Albini
Acadêmicos de Medicina. Universidade de Santo Amaro (UNISA)

"Os estudos humanísticos são os hormônios que catalisam o
pensamento e humanizam a prática médica"
(William Osler)

 

Resumo: A necessidade de humanizar o ensino médico torna-se evidente. Cursos nos quais os alunos possam desenvolver estas habilidades são artifícios para se conseguir esse objetivo. Para tal, desenvolvemos um grupo de 22 alunos de medicina do 1o ao 5o ano de diversas faculdades, divididos em quatro grupos, em quatro diferentes temas indicando livros e filmes a serem lidos e assistidos. Foi também aplicado um questionário para os alunos se basearem antes e após estas atividades. Após dois meses, foram feitas duas reuniões com 7 alunos presentes, coordenadas por um professor, nas quais foram discutidos os temas abordados: a) A figura do médico, b) As doenças, limitações e loucuras c) O paciente e o sofrimento humano d) Ética e relacionamento humano. Durante os debates surgiram outros temas interessantes como: a motivação criada pelo projeto, a necessidade de compartilhar as experiências e vivenciar novas realidades, utilizados para a análise do projeto. A experiência aqui relatada aponta para a necessidade de projetos complementares, de cunho humanístico, como recurso para os alunos colorarem questões importantes na sua formação. Aponta também, para a utilização de modelos de aprendizado baseados em experiências vividas pelos alunos e professores.

 

1. Introdução

 

Existe uma preocupação crescente com a dimensão humana do médico que está perdendo terreno diante dos avanços tecnológicos. A insatisfação freqüentemente referida pelos pacientes, aponta para deficiências humanas do profissional de saúde, mais do que para falhas técnicas. Recuperar a dimensão humana do médico é portanto, um desafio da própria formação médica, uma questão inserida no processo educacional [16](1).

 

Existe uma ampla tradição que liga a medicina aos estudos humanísticos, principalmente no que se refere a literatura. Sir William Osler, idealizou junto aos estudantes a construção de uma biblioteca e sugeriu uma lista de livros que deveriam estar sempre ao lado do médico, entre eles: a Bíblia, Shakespeare, Montaigne e Don Quixote. A partir disso, facilitado pelos questionamentos éticos, várias escolas médicas tem demonstrado a preocupação em ensinar as humanidades extraindo muitas propostas da literatura. Publicações recentes vem enfatizando a importância das humanidades da literatura na educação médica [3].

São muitos os médicos escritores e que apreciam os temas humanísticos. Nada mais lógico, se pensamos que a Medicina, ciência e arte, é uma profissão voltada para o ser humano, e que qualquer recurso que leve a conhecê-lo melhor, será de valor para uma prática eficaz da arte médica. Afinal, trata-se de conhecer o objeto de estudo da ciência médica, que é a pessoa em todas suas dimensões.

 

As escolas médicas têm o compromisso de preparar os estudantes para as questões morais e éticas que a vida profissional lhes deparará. Não vai nisto nenhum descaso para uma qualificação moderna que envolva os avanços científicos; apenas aponta para a obrigação de proporcionar uma formação completa, harmônica, em equilibrado conjunto de forças. O estudo da literatura fornece recursos intelectuais para os médicos do futuro, ajudando-lhes nos desafios e adaptações necessárias para atender às solicitações de que serão objeto [4, 6].

 

Encontram-se na bibliografia médica várias referências que apontam para a importância da literatura nas suas diversas modalidades (relatos, história de vida, romances, biografias, poemas...) na formação do médico. Cursos especiais tem sido implementados em alguns centros universitários com esta finalidade [3, 4, 6, 12]. A experiência que relatamos a seguir é um ensaio educacional extra-curricular, que tem por objetivo avaliar através de metodologia qualitativa a contribuição que a literatura e o cinema podem trazer para a formação do estudante de medicina.

 

 

2. Metodologia

 

Foram convidados alunos de várias faculdades de medicina, do 1o ao 5o ano, para participar neste projeto. Resultou um grupo de alunos interessados. Seguindo experiências da literatura [6] dividimos os alunos em quatro áreas de pesquisa assim intituladas: a) A figura do médico; b) As doenças, limitações e loucuras; c) O paciente e o sofrimento humano; d) Ética e relacionamento humano. Foram selecionados uma série de obras literárias e filmes agrupados nesses mesmos assuntos (tabela 1). Realizaram-se duas reuniões gerais com a participação de 8 alunos.

 

A análise dos resultados foi realizada seguindo a metodologia qualitativa. Adota-se esta metodologia por parecer a mais adequada na interpretação dos experiências vividas. Os estudos qualitativos são usados habitualmente para compreender e interpretar experiências pessoais, da vivência humana. Têm como objetivo revelar novos conceitos mediante a análise interpretativa de valores, crenças e significados encontrados no objeto do estudo. A análise dos dados e seu contexto personalizado têm, pois, uma dimensão claramente fenomenológica.

 

Neste tipo de trabalho, tanto a população estudada quanto as referências bibliográficas iniciais são ordinariamente de tamanho reduzido, o suficiente para motivar uma linha de pesquisa. Posteriormente, conforme o trabalho avança e os dados são coletados, procede-se a uma revisão bibliográfica sugerida pelos mesmos resultados que, por sua vez origina nova interpretação dos dados de campo. Deste conjunto despontam as conclusões que nunca pretendem provar quantitativamente hipóteses prévias - já que não existem - mas apenas compreender o que naturalmente acontece. A metodologia qualitativa é pois um recurso de pesquisa que nos aproxima da compreensão dos fatos, e das motivações que os originam

 

Tabela 1

Grupo A

A Figura do Médico

Livros

  • Maimônides: "Os oito capítulos"

  • A.J.Cronin: "A cidadela"

  • M.Shelly: "Frankenstein"

  • R.L Stevenson: "O Médico e o monstro"

  • Jurgen Thorwald: "O século dos cirurgiões"

  • Maxence v. d. Meersch: "Corpos e Almas".

  • Axel Munthe: "O livro de S. Michele"

 

 

Filmes

  • Um golpe do destino

  • O príncipe das mares

  • Melhor é impossível

 

 

Grupo B

Doenças, Limitações e Loucuras

Livros

  • Machado de Assis: "O Alienista"

  • Thomas Mann: "A Montanha Mágica"

  • Oliver Sacks: "O homem que confundiu sua mulher com um chapéu"

  • Oliver Sacks: "Tempo de despertar"

  • Vigina Woolf: "Mrs. Dalloway"

  • Moliére: "O Doente Imaginário"/ "O médico à força"

 

Filmes

  • O homem sem face

  • Tudo pela vida

  • O oitavo dia

  • Ratos e homens

  • Tempo de despertar

  • Mr. Jones

  • Rain Man

 

Grupo C

O paciente e sofrimento humano

 

Livros

  • Gustavo Corção: "Lições de abismo"

  • Leon Tolstoy: "A morte de Ivan Ilitch"

  • Dominique Lapierre: "Muito além do amor"

  • Marie de Hennezel: "Diálogo com a morte"

  • Lewis: "O problema do sofrimento"

  • Jean- Dominique Bauby: "O escafandro e a borboleta".

 

 

Filmes

  • Minha vida

  • Terra da sombras

  • Meu pé esquerdo

  • O óleo de Lorenzo

  • The Spitfire Grill

 

Grupo D

Ética e relacionamento humano

 

Livros

  • Shakespeare: "Macbeth"

  • Steinbeck: "Ao Leste do Eden"

  • Lewis: "Os quatro amores"

  • Ibsen: "Casa de bonecas"

  • Edith Wharton : "A idade da inocência"

  • Thomas Hardy: "Tess"

  • Jane Austen: "Razão e sensibilidade"

  • Thorton Wilder: "Mr. North"/"Nossa cidade"

  • Susanna Tamaro: "Vá aonde seu coração mandar"/ "Alma do Mundo"

 

Filmes

  • Tempos modernos

  • O homem que não vendeu a sua alma

  • Um sonho de liberdade

  • Adorável professor

  • Sua majestade, Mrs. Brown .

  • Os últimos passos de um homem

  • Sociedade dos poetas mortos

  • O espelho tem duas faces

  • Gênio indomável

  • Segredos e mentiras

 

 

3. Analise dos resultados

 

O próprio processo de reuniões e debates teve um resultado mais significativo e interessante do que a idéia inicial do projeto. Assim, questões importantes que aparentemente não estavam relacionadas com o objetivo inicial emergiram na discussão. Pode-se apontar algumas linhas principais de análise sistematizando as experiências vividas pelos estudantes através de frases próprias e pensamentos.

 

a) O projeto serviu como elemento motivador para pesquisa, pois os alunos coordenadores do projeto envolveram-se nele de maneira entusiasta e progressiva, na procura de fontes bibliográficas e tentando descobrir experiências semelhantes relatadas na literatura. Poder-se-ia apontar aqui um desejo de comprovar que tais iniciativas não são isoladas, mas que há no mundo da educação médica uma preocupação objetiva com o tema como revelam as inúmeras referências obtidas pelos participantes.

b) As discussões ultrapassam o objetivo inicial do projeto e encaminham-se para uma visão mais ampla do mundo e das relações humanas que - necessárias para todos - são de particular importância para o médico. A partir de literatura e cinema, o debate estendeu-se a temas mais amplos:

 

"Entrei no trabalho apenas porque gostei. Projetos como este parecem necessários para você não se distanciar do mundo real. Com estes temas, questiona-se não só a Medicina, mas o. ser humano. Não é exclusivo do médico ou do universitário, mas de todos os homens. É claro que a formação superior deveria levar a preocupar-se mais com estas coisas. Por outro lado, embora sirva para qualquer profissão, o médico tem uma necessidade clara: ele cuida de algo especial, tem que dar atenção ao ser humano. Se eu não sei lidar com ele, se eu não consigo convencer não poderei fazer nada. São relações humanas, importantes para qualquer profissional"

 

Surge a interessante discussão de que este tipo de projetos são importantes para a formação de qualquer pessoa, não apenas para o médico. Mas a maioria dos acadêmicos particulariza sua importância para o médico. O debate levanta a preocupação de ater-se ao projeto, embora é consenso que o envolvimento se encaminha a descobrir horizontes mais amplos:

 

"O médico precisa de uma delicadeza maior, uma sensibilidade maior"

 

"Estamos tentando pegar o humano dessas áreas para trazer para nós".

 

"Eu não sei se estou lendo procurando um objetivo específico, ou algo menos direcionado, algo mais geral, que serve para a vida".

 

c) Constatou-se a necessidade de discutir as questões emergentes dos filmes e dos livros, como tentativa de ampliar a visão oferecida neles. É preciso discutir as questões humanas, para as quais não se dá a necessária atenção no ensino superior. Ver os pontos de vista dos outros -das personagens- pode ser um modo de aprender a ouvir o que os outros têm a dizer, "ouvir o interior das pessoas".

 

"É um modo de ampliar a visão daquelas realidades. Você gosta tanto daquilo, mas não percebe todos os aspectos pelos quais você gosta. Os comentários dos outros são como um "zoom", um detalhamento, daquilo que você gosta, para entender melhor porque você gosta."

 

"Gostei dessa reflexão: os livros existem para sabermos que não estamos sós"

"Eu falo sozinha. Falo muito. Mas há necessidade de comentar com alguém. Talvez para descobrir um grupo de pessoas de tendências afins. Ou porque a pessoa vê alguma coisas que você tal vez não viu."

"Partilhar o que é bom. Querer partilhar estas descoberta. Muitas vezes a recomendação de ler aquele livro ou ver um filme, é o modo de partilhar, já que é mais eficaz do que apenas comentar. A Medicina também é partilhar o que é bom"

 

d) Os filmes e livros são recursos que ampliam a visão do ser humano, e por tanto do médico em relação ao paciente.

 

"Esta frase do livro chamou minha atenção. O doente para o médico quer ser um filho único, quer ser um namorado, quer ser concreto"

 

"A gente pega exemplos do livro para reforçar os modos de comportamento, nas dificuldades que vamos encontrar"

 

"O menino va fazendo amizade com o professor disforme. Chega um momento em que lhe diz eu consigo te ver sem as cicatrizes"

 

"O livro completa nossas experiências. Quando ela pega o filho que morreu e avança com ele eu senti como se um filho meu tivesse morrido."

 

"Esse autor [J. Guimarães Rosa] diz que seria bom viver duas vezes: uma para aprender a viver e outra para viver de verdade. De algum modo o livro substitui isso; é como vivenciar a vida que você não vai ter chance de viver duas vezes"

 

e) As experiências apontam para a eficácia de uma educação que leve em consideração "aspectos pontuais" como recurso didático. Transparece na discussão uma facilidade para gravar o concreto. As pessoas mostram-se atraídas por frases, por cenas de filmes, sem ater-se necessariamente ao contexto ou ao fundo filosófico. São citadas frases durante o debate, como resumo de uma argumentação que não chega a ser exposta.

 

"Nem sei direito o nome da personagem. Ainda não acabei o livro. Mas ele fala coisas interessantes. Diz que aquela mulher acabou com a vida dele, mas depois diz que era o ar que respirava, o chão que ele pisava. Fala da mãe, do comportamento feminino"

 

"Trouxe algumas frases soltas do filme que vi, Shadowsland. Por exemplo: ‘porque Deus nos ama ele nos dá o sofrimento... A dor é o megafone de Deus para acordar um mundo surdo..... Por que amar se a vida é tão dolorosa. Eu não tenho mais respostas.... Por duas vezes na vida foi me dado uma escolha: como garoto e como homem. O garoto escolheu a segurança, o homem escolheu o sofrimento.... A dor é parte da felicidade de então: esse é o trato."

 

"Nesse outro livro, mostra bem como custam as coisas na vida; custo de questionamentos, de perguntar-se porque as coisas acontecem. As personagens são sensíveis, trazem uma carga humana muito grande"

"O personagem do meu livro é um cientista, um médico que começa a fazer coisas estranhas com pessoas normais, em nome da ciência, e é louvado pelos políticos porque está fazendo ciência. O sujeito era insensível, uma pedra. A gente se pergunta como alguém pode fazer isto e ninguém percebe. Ele faz coisas incríveis, que demostram sua falta de sensibilidade: a mulher chora, fica triste e ele a manda viajar, e fica estudando. Depois entra num tema importante: qual é o limite da loucura, e qual a sanidade".

 

f) Emergem questões de fundo vocacional, de sentido da vida, da missão do médico que teoriacamente não estariam contempladas como objetivos iniciais do projeto. É a ocasião em que estes temas surgem, e parece útil deixar a discussão livre, seguindo o rumo natural dos dilemas e questionamentos. São experiências que não tem nada que ver com a literatura, mas que são suscitadas pela discussão:

 

"Porque você fez Medicina?"

 

"Quando o médico perde esse jeito humano... Será que ele perde de repente ou vai perdendo aos poucos, e nem repara"

 

"Pode ser uma questão politicamente pouco correta com o ambiente demonstrar excesso de humanidade com o paciente: vi um médico, ótimo profissional, que trata com carinho o paciente -no caso a criança- coloca a chupeta, pega no colo; depois fala desrespeitando um moribundo....Como se uma quota excessiva de humanidade fosse comprometedor. E muitas vezes olhando para esse médico, nota-se que esse jeito grosseiro não é dele, mas é como se precisasse disso para não ser marginalizado. É como se fosse politicamente correto ser assim. E ele é o chefe do serviço. Poderia impor o estilo humano sem necessidade de fazer média com ninguém Pode ser também que ele se sinta sozinho, e que não conheça ninguém que faz assim, e por isso mantém essa atuação, postiça, indefinida"

 

"A influência do lado negativo é muito mais forte. Para acabar com a fama de alguém ou de um estabelecimento, basta uma pessoa falando mal. Para construir a boa fama são necessárias pelos menos vinte pessoas falando bem habitualmente. Juntar-se para destruir alguém é mais fácil"

"Você quer ajudar as pessoas. O conhecimento humano é meio para ajudar as pessoas.Quanto mais qualificados estejamos também mais poderemos ajudar"

 

"Será que o médico não consegue conviver com a dor? É difícil conviver com ela. Talvez o modo inconsciente de fugir dela é transformá-la em algo tosco"

 

"Se discute muito pouco sobre morte e sobre paciente terminal. Não se discutem estes temas na faculdade e você não sabe como lidar com eles. Não é fácil, você precisa conversar com as pessoas, entender, chegar a conclusões"

4. Discussão

 

Educação é muito mais do que simples treino, treino especializado, ou mesmo qualificação entendida nos moldes atuais [3]. Educar é saber extrair as possibilidades humanas. Uma atividade formativa abrangente, que contempla a pessoa na sua totalidade, que mostra caminhos e promove atitudes duradouras[15]. Algo enraizado no ser da pessoa enquanto o treino refere-se ao fazer, à aquisição de habilidades peculiares. Um projeto educacional como o que foi descrito envolve aspectos mais amplos, e dentre os resultados obtidos um deles tem particular importância: a motivação criada no aluno para pesquisar temas "diferentes" relacionados com a sua formação médica. O processo no qual se envolve é mais formativo, educativo, do que a matéria em si. Motivar é um elemento fundamental na educação, já que é criar recursos de resposta, para pesquisa, para o estudo, para o auto-didatismo.

 

Os debates que acompanharam o projeto criaram ocasião para que surgissem questões fundamentais, localizadas na base de qualquer processo educacional médico [7, 9, 13]. Repensar os motivos de escolha da profissão, apurar os ideais do médico, traçar o perfil que o paciente procura -e que, afinal, é o que confere um certificado de qualidade e eficácia ao médico- são temas que preocupam aos acadêmicos na sua formação profissional e que habitualmente não têm ocasião de colocar no espaço curricular convencional. Sendo o assunto discutido de caráter humanístico é natural que se abra espaço para que surjam questões relacionadas.

 

Os estudantes manifestam as perplexidades naturais de quem ingressou na faculdade de Medicina para "ajudar as pessoas, com um desejo de fazer o bem", e nota que isto não é norma nos colegas de anos superiores ou nos médicos formados [1,2]. Surge a grande dúvida: será justamente o aprendizado técnico, a aquisição de habilidades e conhecimentos médicos o que nos faz perder o norte humano do médico? [14]. Certamente não é o conhecimento técnico que se adquire na faculdade o que faz minguar o humanismo, mas sim uma falta de atenção a esta dimensão nos objetivos e conteúdos educacionais. Parece urgente promover e educar no humanismo, fazê-lo crescer em desenvolvimento paralelo ao aprendizado técnico, necessário e absolutamente imprescindível para praticar uma medicina moderna e eficaz. Mas, em qualquer caso, torna-se necessária uma explicação, abrir espaço para um debate que possa apontar soluções ou pelo menos dados para uma compreensão do tema.

 

A análise das experiências por parte do educador traz subsídios para criar recursos eficazes [5, 8, 11]. Deve-se aproveitar a inclinação do aluno para o caso concreto -"aspectos pontuais"- para facilitar o aprendizado. Isto traz à reflexão uma metodologia que saiba decolar do caso concreto (a história de vida, a frase de efeito, a emoção que uma situação desperta) para depois adentra-se na explicação teórica do fato. Naturalmente ficar no anedótico seria insuficiente, mas desprezá-lo é omitir um recurso de valor que chama a atenção e desperta o interesse do aluno: são as histórias e os casos clínicos, de pessoas concretas, com biografia humana e não apenas história clínica.

 

O aluno tem dificuldades em argumentar, mas não em exemplificar. Utiliza o exemplo para explicar, no quotidiano, poupando raciocínios de maior envergadura. Cabe ao educador explicar por que as histórias têm tanta força, e avançar para o embasamento teórico. Não apenas nos aspectos humanísticos da medicina, mas mesmo no ensino técnico o aprendizado poderia ser mais eficaz se o professor relaciona-se a base teórica com histórias de vida de pacientes. Um modelo médico educacional baseado na pessoa, que personaliza a patologia [11]. Na verdade, o processo educacional médico teria uma sugestiva analogia com a educação familiar, habitualmente feita com exemplos do dia a dia, com histórias concretas -muitas vezes repetidas- mas que contêm, no modo de relatá-las, a força didática.

 

O professor deve estar atento a todas as questões que surjam nos debates, pois podem servir como orientações para o processo educacional [9, 13]. É comum que os alunos vejam nos livros e filmes aspectos que ele mesmo não detectou. Caberia pensar se projetos desta índole permitem despontar valores na pessoa, que não teriam saido à tona de outro modo. Educar também é extrair valores do interior, da condição e das possibilidades humanas, não apenas incutir [10]. Aproveitar o que se tem, dando à luz -método socrático- e não plantando somente. Se o objetivo é promover atitudes, necessariamente haverá que educar . A sociedade exige qualificação profissional e a universidade tem de responder à pergunta: O que é qualificar? Apenas treinar ou sobretudo educar, e a partir dessa educação facilitar o treino de habilidades?

5. Conclusão

 

A experiência aqui relatada aponta para a necessidade de projetos complementares, de cunho humanístico, como recurso para que os alunos coloquem questões fundamentais que preocupam aos acadêmicos na sua formação profissional e que habitualmente não tem ocasião de colocar no espaço curricular convencional. O caráter humanístico permite abrir espaço para que surjam com naturalidade em debate franco e aberto. Os resultados apontam também para modelos de aprendizado que o professor deve incorporar, como a questão do ensino baseado no caso vivenciado dada a facilidade que os alunos apresentam para guardar as histórias concretas. Igualmente trabalhar as experiências vividas pelos alunos, explicando-as e partilhando-as parece ser um recurso educativo eficaz tanto para docente quanto para o discente.

 

Bibliografia

 

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1. Os números entre colchetes remetem à Bibliografia, indicada ao final.