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É Difícil Ensinar
(mas mais difícil é aprender nos dias que correm: por que será?)
(resumo de palestra que o autor - renomado escritor de livros didáticos da Ed. Saraiva - tem proferido para professores de 1o e 2o graus de todo o país)

 

Elian Alabi Lucci

 

"Quando se procede de uma classe social abastada tem-se duas possibilidades: ou não olhar para nada ou participar de uma possível transformação da realidade"

Walter Salles, diretor de Central do Brasil

 

Este talvez seja o mais importante papel da educação: transformar a nossa realidade para acompanhar o processo de mudança que marca o mundo atual, sobretudo em um país subdesenvolvido (embora industrializado) e considerado o campeão da desigualdade social.

 

Mas para que a educação alcance esta finalidade em nosso país, é necessário refletirmos sobre ela.

 

Uma das perguntas que podemos fazer ao refletirmos sobre a educação neste final de século é: a educação hoje serve para o adestramento ou para dar ao jovem uma correta visão do homem e do mundo?

 

Atualmente a educação do ser humano é a atividade mais complicada que nossa sociedade enfrenta. Trata-se de um daqueles problemas que nos encaminham para uma situação quase paradoxal, semelhante àquela representada pelo princípio da incerteza de Heisenberg, princípio básico da física microscópica ou das partículas, que significa que não é possível se conhecer absolutamente, de forma simultânea, todos os aspectos de um sistema, posto que os procedimentos ao nosso alcance para obter informações sobre características físicas do sistema (sua posição no espaço) alteram outras (sua energia cinética ou velocidade). Desta forma, a educação do ser humano faz necessário seu profundo conhecimento, o que implica simultânea e infalivelmente uma influência em sua personalidade.

 

O ensino é um processo interativo que jamais deve ser confundido com a simples instrução, mais próxima do "adestramento". A educação é, por outro lado, uma função e um serviço no qual intervém uma multidão de fatores e atores, que de forma não sempre consciente se põe a serviço do educando.

 

Uma outra consideração importante é que o caráter interativo desta elevada função torna inevitável que o papel do educador ou do sistema educativo deve adaptar-se e corrigir-se ao longo da evolução do jovem educando e de toda a humanidade. A sociedade paleolítica educaria com metodologias muito mais próximas ao adestramento, porém sem dúvida nenhuma haveria um núcleo básico que intentava ordenar e dar sentido, com um mínimo de harmonia, à função de educar. Provavelmente, este núcleo se encontrava em um código elementar ou relação social de subsistência, inspirada em uma mística interpretação de seu universo limitado a sua caverna e arredores.

 

Diante disso, qual seria o papel que os métodos de ensino atuais desempenham no processo educativo?

 

Antes mesmo de se falar sobre este ou aquele método, é necessário destacar que, como dizia Platão (V A.C.) os vícios no método de ensino podem levar a uma falsa certeza ou a um saber falso, que é pior que a própria ignorância. Na obra "As Leis", um dos discípulos diz ao mestre: "Parece-me que receias entrar nessas questões por causa da nossa ignorância". Ao que o mestre responde: "Muito mais recearia tratar com pessoas que tivessem estudado tais coisas, porém mal. No caso, não é a ignorância das multidões a mais perigosa, nem a mais temível, nem o maior dos males, mas estudar com métodos viciosos é mal muito maior" (Leis 818s).

 

Em outras palavras, aprender mal é pior do que não aprender. As falsas "verdades" causam mal maior do que a ignorância.

 

Um dos aspectos mais importantes para o sucesso de uma metodologia de ensino – sobretudo nos dias atuais, diante da tão grande complexidade que é o viver principalmente nas grandes cidades – é a simplicidade.

 

Essa simplicidade pode ser expressa pelo educador Pedro Poveda, que fez de sua vida uma obra de fé no humanismo e na educação popular: "Dê-me uma vocação e eu lhe darei uma escola, um método, uma pedagogia". Essa é a provocadora reflexão que Poveda lançou aos professores de sua época e lança, ainda hoje, a todos aqueles que se envolvem numa epopéia educativa.

 

Para esse grande educador, mesmo carecendo de métodos adequados, de salas de aula confortáveis ou recursos didáticos necessários, o processo pedagógico não chega a estar comprometido se existir o fundamental: a vontade de ensinar e o gosto pela atividade docente. Afinal, dizia ele, os grandes pedagogos nunca precisaram mais do que discípulos.

 

Mas e quanto ao professor e ao processo ensino-aprendizagem, o que se pode dizer?

 

Cláudio de Moura e Castro, em julho de 1999, num artigo da Revista Veja, dizia que "a essência do aprendizado tem que ver com o professor, aquele que administra, que testemunha, enriquece e dá vida a uma série de processos que levam o aluno a aprender". Já para Bernardo Toro, pensador colombiano, ao falar de modernidade, ao professor deve-se pedir hoje a "mágica de orientar o aluno em duas óticas ou direções: disciplina e curiosidade".

 

Na nossa maneira de ver a educação para atender a essas duas exigências, o professor deve, entre outras coisas, saber mostrar ao aluno a beleza e o poder de pensar. Essa é também a maneira de ver a educação hoje, neste contexto de um mundo globalizado e portanto materialista e hedonista, do grande pensador espanhol Julián Marías quando diz que o homem de hoje é um indivíduo coisificado porque não sabe mais pensar.

 

Mas e o que seria o pensar neste final de século?

 

A melhor resposta para isso pode ser encontrada num livro muito mais encantador do que O Mundo de Sofia. El Café de Los Filósofos Muertos, de autoria de Nora K. e Vittorio Hösle (orig. alemão: há tradução para o castelhano): "Pensar é aprender a ser livre, responsável e honrado. Pensar é esforço e inconformismo, para com o mundo e também para consigo mesmo. Pensar é duvidar e criticar, não de forma altiva ou presunçosamente, mas pelo desejo do bem comum. Pensar é ter o tempo de poder fazê-lo. Pensar não é repetir ou reproduzir. Pensar é ativar o que de nobre há no ser humano, porque pensar também é sentir e intuir. A frase de Descartes não é de todo certa: não se trata de penso, logo existo, senão penso, logo vivo. Viver é encontrar seu próprio caminho e evitar permanentemente a tentação do fácil. O fácil é não pensar".

 

Outro aspecto não menos importante está no dizer do educador francês Georges Snyders em ensinar com alegria e que se deve levar alegria à sala de aula, sobretudo para a parcela da população de menores recursos ("A alegria deve ser prioridade para aqueles que sofrem mais fora da escola").

 

Em relação à necessidade de se levar alegria à escola, o pensamento de Paulo Freire complementa o de Georges Snyders: "o tempo que levamos dizendo que para haver alegria na escola é preciso primeiro mudar radicalmente o mundo é o tempo que perdemos para começar a inventar e a viver a alegria. Além do mais, lutar pela alegria na escola é uma forma de lutar pela mudança do mundo".