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Diogo Trapo *

 

prosa pateta e prosaicos poemas

 

 

 

De Olhos Abertos

Homem alto e magro, calçando botas pretas e vestindo jeans preto e camiseta branca, acompanhado de jovem loura, de salto alto, coberta por vestido preto e curto. A música pára, entram na loja, um grande e antigo galpão mal iluminado, com pé direito duplo e mezanino escondido ao fundo. Nas prateleiras, que vão até o teto, estão, aparentemente, todos os tipos de quinquilharias e bugigangas; estatuetas, copos coloridos, imagens de mulheres, castiçais, colheres e... zoom, de repente, como num close de cinema, vê-se a taça de vinho em forma de caveira. Volta a câmera para o plano maior.

Homem alto e magro vem olhando e andando devagar e está em frente ao balcão. Quem o atende é um velho, sereno, severo e careca. Homem magro fala que procura uns livros, mostra-lhe um papel. O velho lê os dois títulos, dirige-se a uma prateleira que só ampara livros. Puxa uma escada. Lá em cima, vai buscar dois volumes supostamente pesados e volta ao balcão com os livros, postando-os em frente ao homem magro. A mulher espirra por causa da poeira que sai dos livros. Na verdade parecem listas telefônicas. O homem magro examina e confere manualmente os livros. É isto. Achou o que procurava. Tira do bolso a carteira e da carteira puxa a nota de dez escudos, enquanto diz ao sereno e severo balconista:

__ Eu vou levar os dois.

O velho não se altera, simplesmente informa:

__ A de 1965 custa noventa e sete escudos, filho; e a de 66 está pra cento e vinte.

Homem magro responde calma e pausadamente:

__ Eu só preciso de uma única informação... ( e atira ), pai...

Atira na cara do balconista. O tiro não faz barulho algum. O silenciador...

A mulher não fica nada chocada e espirra de novo. O homem lhe dirige a palavra:

__ Saúde.

O casal sai da loja levando duas antigas listas telefônicas e não havia mais ninguém lá dentro, só o velho balconista, agora morto, de olhos abertos.

Diogo Trapo SP 28.11.1997

A Foice

Passou a foice e foi-se.

Diogo Trapo SP


( sem título )

Claragema querida,
Neste módico período que é uma vida
Há tempo bastante para tantos amores
quantos passos desertores queiras dar.
Ardores voluntários recrutados sem paixão.
Panelas, cobertores, solidão.

 


Diogo Trapo SP março 1995

 

Clara,

Pensei naquelas coisas que te disse e vi o quanto fui anormal.

Não te peço perdão, pois bem sei que não mereço. Não te peço que me entendas, pois não passo de um louco. Devo isto ao número sete e a todos os seus múltiplos, especialmente ao vinte e um. Devo ao seis, ao sessenta e seis, ao seiscentos e sessenta e seis e a todo o seu maligno significado. Infinitamente devo ao oito, de pé ou deitado, ao nove, ponta cabeça do seis, aos valetes, damas e reis do meu embaralhado e débil cérebro. Devo ao célebre número treze e às diferentes conotações que lhe cabem. Devo à Química dos cento e onze elementos e à memória dos cento e onze detentos assassinados na rendição. Devo a São Francisco de Assis e a Robin Hood e aos fantasmas que me desatinam.

Não te peço que perdoes este deselegante e inadequado demente que sou. Só te peço que me julgues e me condenes. Clamo por tua galhofa. Achincalha-me pelos cantos; sem mais...

 

Diogo Trapo SP março 1995


( sem título )

Sofrer a vagar atrás dos teus passos.
Sorver devagar teu vil caminhar.

Diogo Trapo SP

 

Clara,

Quando "Navegar é preciso, viver não é preciso", não há senso que condene aquele que, em meio ao temporal, não desiste de remar. Júpiter, Plutão e Netuno, com seus raios, vagas e trovões não afundariam a fé que tem na vida este osbtinado remador.

Se o mundo é um jogo que nos manipula como peças, se é um drama, uma farsa e somos atores; se somos poetas ou loucos, guerreiros ou náufragos é porque não somos donos do que é fadado e imprevisível.

Hoje vejo com clareza porque meus atos foram tão desequilibrados e inadvertidos quanto a ti e àquele tempo; vejo o momento limite pelo qual passava. Tua beleza insana me desconcentrava, quase me desconsertava, quando eu não precisava de muito para perder o prumo de vez e a retomada da minha rota era o mais importante.

 

Diogo Trapo SP 1995

 

 

Condessa,

Girassóis sob o céu claro e limpo
fabricam sementes que não germinarão.
Não.
Abra a janela e perceba que o sol não entrará por ela.
Árido solo, cactos, tufos, fato consumado, seca, semente,
boi-da-cara-preta, mula-sem-cabeça,
crendice, piada, sandice, nada.


Diogo Trapo S.P. Julho 1996


 

 

Ela e eu

Desta vez, fomos almoçar no restaurante por quilo da Marquês de São Vicente, a barulhenta avenida que leva ao Bom Retiro. Conversávamos na fila, quase com os pratos e talheres nas mãos. A prosa criava um jogo no limite da provocação, da intimidade. Meu peito quase tocava suas costas e ela mantinha-se olhando para a frente, sorrindo brejeira como sempre. Naquele momento deixei vazar a galhofa que me veio à cabeça e pude perceber o prazer que ela sentiu quando fincou o salto do sapato no meu pé.

Dias antes, chorara sobre a comida. Socorro, mulher pequena e forte, naquele momento despedaçada pelas lembranças da dor que ainda sentia por ter sido trocada assim de forma tão vil, sim, porque de nada adiantara o tempo ( óh!... ), a ferida ainda sangrava, seu primeiro, único e eterno noivo. O gosto das lágrimas confundira-se na comida.

Gostaria eu de sentir o gosto do suor desta mulher e, depois, o gosto das lágrimas em seu rosto tão bonito, mas nada posso fazer já que o destino decidiu que somente o causador de seu pranto poderá dele se embebedar.

 

Diogo Trapo SP agosto de 1993 / abril de 1995

 

 

 

O Cansaço

 

Sinto um físico cansaço a mim cansando cansativamente.
Cansa-me deveras pois que é o âmago destilado da canseira.
O cansaço do feirante após a feira, o cansaço do pedestre que caminha,
o cansaço do cavalo que galopa, o cansaço moribundo que definha.
Cansativos versos do poeta e há que se ficar cansado
pois que cansar o leitor
é toda a intenção do pateta.

 

Diogo Trapo SP janeiro 1996


 

O Basebórseco

 

Tio Roberto não é certo, nunca foi. É o irmão mais velho de meu pai e dizem que o principal motivo dele ter ficado meio pancada foi o ciúme de meu avô com minha avó e ele.

Quando criança, engatinhando, se se machucava por acidente, olhava para a estátua do Cristo Redentor e xingava:

__ Feio, papai-do-céu feio!

É possível que, já naquela época, se sentisse perseguido pelo Pai.

Quando jovem, leu todos os cinqüenta volumes da obra "O Capital", de Karl Marx, sendo que mesmo os estudantes mais interessados liam apenas o resumo.

Eu, de criança, lembro do Tio Roberto solteirão da família, simpático e pintor, obscuro pintor. Nunca expôs o seu trabalho por medo, quadros muito bonitos. Lembro, em especial, dele concluindo um Por do Sol no Arpoador, a coisa mais alaranjada e bela que eu já vira até então. ( Isso foi antes do meu amplificador valvulado Tremendão.)

Meu primo, Nato, e eu comentamos:

__ Tio, que demais esse quadro! Que bonito!

Ele disse que tinha exagerado no fixador e estragara. Nunca mais mostrou o quadro, por mais que pedíssemos.

Tenho, aqui em casa, um outro dele, que pedi a meu pai e ele me deu um pouco a contragosto. É um quadro escuro, verde musgo. A rua em perspectiva, as casas, os portões baixos e desalinhados , a noite chuvosa e o reflexo de uma árvore na poça d’água, definido por uns poucos traços brancos. Tudo meio inexato, as cores perfeitas.

Tio Roberto também é um pensador, com várias teorias que está sempre divulgando pela família e é inventor inveterado; inventou o " Basebórseco "__ Base de Borracha para Segurar Coco.

Tinha um crônico problema ao voltar da praia, no fim da tarde de Sábado, com o coco comprado: abri-lo com o facão, na cozinha. O coco não ficava parado, fugia da machadada, digo, da facãozada, ou da facada, que seja! Ficava o Tio Roberto correndo atrás do coco com a faca na mão e aquilo, ainda por cima, fazia um barulho do cão. Podia incomodar os vizinhos, já que ele deixava para abrir o coco à noite.

No final, acabava conseguindo, mas havia de haver um meio mais prático de fazê-lo. Pois, pois: o " Basebórseco "__ Base de Borracha para Segurar Coco.

Comprou umas folhas de látex, cortou vários quadrados iguais e foi tirando do centro deles, com compasso e tesoura, buracos de tamanhos diferentes e ordenados . No fim colou as folhas umas nas outras; e isto levou dias, porque era de uma em uma e a cola tinha que secar bem; obtendo, assim, uma concavidade perfeita ao propósito de segurar um coco. O problema não mais havia. Podia ele, agora, abrir o coco com toda a eficiência; serviço limpo e silencioso.

 

Diogo Trapo SP 12.01.1996

 

Ella

Ella e sua irmã moravam em Osasco. Eram crianças, negras e pobres mas tinham mãe e que esta trabalhava. Seu pai fora embora quando Ella tinha quatro anos e sua irmã, cinco. Fora embora levando tudo, cobertores, panelas, móveis, até a televisão ele levou. Sua mãe, como não tinha com quem deixar as meninas, trancava as duas em casa o dia todo, com um prato de arroz com ovo para cada uma que elas comiam frio na hora do almoço. Ella e sua irmã cresciam sozinhas, sem brinquedos, sem TV, sem frutas, sem doces.

Um dia, acharam o açúcar que a mãe guardava escondido atrás da prateleira mais alta, na parede do fogão. Lambuzaram-se felizes com o açúcar tão doce. À noite a mãe chegou e surrou as duas por causa do açúcar, aliás esta mãe batia nas filhas quase todo dia (ou toda noite) com motivo ou sem motivo. Era uma mulher amargada pela vida e era mãe e pai ao mesmo tempo, quem pode julgá-la?

Quando Ella tinha nove anos e sua irmã, dez, sua mãe não mais as deixava trancadas. Ficavam as duas, como moleques, a brincar com a molecada na rua. À noite sua mãe chegava e dava-lhes a janta. Um dia, Ella, que já sabia ler, pois gostava de ir à escola, achou umas páginas de jornal na rua e lhe chamou a atenção o tamanhão daquele convite funerário, no meio dos outros tão pequenininhos. Era um enterro de bacana lá em São Paulo e ali dizia que todos os convidados podiam se reunir na rua tal, número tal, para pegar um ônibus especial que os levaria ao sepultamento da distinta figura. Ella convenceu sua irmã, as duas pegaram um ônibus pra São Paulo e foram para a rua tal, número tal.

Chegaram, acharam o ônibus especial e foram entrando. É claro que as madames, senhores e senhoritas acharam um pouco estranha a presença daquelas meninas pretinhas e sujinhas no ônibus mas nada fizeram, afinal, elas não estavam encostando em ninguém.

O ônibus era tipo leito e o enterro foi lindo. As duas assistiram a tudo como a um filme e voltaram para casa maravilhadas. Quando chegaram, é claro que a mãe lhes deu uma surra. Sua irmã foi dormir chorando mas Ella foi dormir feliz. Ela nunca tinha visto tanta gente rica, chique e bonita junta.

Diogo Trapo SP Abril.1995


( sem título )

Pedaço de chumbo no mundo
Pedaço imundo de sabão
Pedaço limpo de pão

 

Diogo Trapo SP

Milenar

A beleza da liberdade mais completa
que se possa conceber.
A destreza do porte eqüestre da jovem dama tão alva.
A brancura que voa, belo alvo
e eu, pássaro cego de asas quebradas.

Cada pensamento meu é uma roda
e todos rolam como cubos pela escarpa.
Há verdades que buscamos na procura de uma vida boa
sem barrancos, nem tristeza, mas que loa!..

Masca-se a sorte
e que o nosso amargo estômago suporte
a secreção do nada mascavo mascar
este que é o âmago do sentir
o oco seco, sem eco do vazio.

 

Diogo Trapo MG Dezembro 1995

Avante

Réu sem provas, poeta sem trovas.
Avante!
Sigamos pela trilha da derrota.

Diogo Trapo SP 1998

 


Arquivo do Desejo


Tente-se pensar na felicidade não como idéia mas como uma coisa que se possa pegar com as mãos, um objeto inquebrável e durável como o tempo.

Ser feliz é o mais vulgar e abrangente dos sonhos. Todos passam por ele. Percebe-se depois, que ser alguém já é um ideal mais do que sublime num mundo onde tantos são e serão ninguém.

Ser feliz passa a ter outro significado. A felicidade, agora é concebida como conquista de autonomia, espaço e liberdade, premiações merecidas de um profissional bem sucedido, que terá o que repartir com alguém, já que como diz a canção, é impossível ser feliz sozinho.

Muitas vezes aquilo que mais se quer fazer, enquanto atividade criativa e produtiva, não é aquilo que se acaba fazendo por circunstância da realidade do mercado de trabalho. Aquele projeto de vida passa a ser um sonho. Percebe-se que a impossibilidade de ser feliz à maneira com que idealizávamos, não é uma tragédia de fato. Trágica talvez fosse a impossibilidade de sonhar em ser feliz.

O projeto de vida que passou a ser um sonho pode esperar numa gaveta, ou num arquivo do desejo, por tanto tempo quanto se queira. Sempre haverá uma possibilidade esperançosa a ser impressa um dia.

Diogo Trapo SP 1995

Rosas de Chumbo

Plúmbea pétala
Cai como o mundo
Gruda no solo
Fica plantada

Cala-te boca
Não digas mais nada
Cala-te boca
Silêncio profundo

Contempla esta queda
Repara este tempo
Sem tempo ou programa
Sem templos profanos

Decente seria
Sair desta cela
Cala-te boca
Acende uma vela

Vela por todos
Os homens cansados
A vida já era
É o Destino, é o enfado

Fadados pra morte
Os homens se acalmam
Mulheres safadas
Adiam o fado

Diogo Trapo SP novembro 2000

 

 

Anjos de Amoníaco
(Dedicado à memória do poeta paraibano Augusto dos Anjos, 1884-1914)

Augusto carbodinâmico
Poeta do susto e do espanto
Maravilhosíssimo surto atônito
A mim não causou vômito

Postas em postas as tripas
Cozidas, servidas à mesa
Pensa no valor proteico,
na fome do mundo e mastiga

Diogo Trapo SP dezembro 2001

 

Parto

Ao nascer
quase matei minha mãe
por eclâmpsia

Os fórceps que a salvaram
apertados no meu crânio
sem clemência

Todavia
vida toda fui feliz
até a infância

Só, na adolescência, me veio
o veio fecundo da ânsia
Agora, na maturidade
Fobias, fracasso e demência

Diogo Trapo SP dezembro 2001

 


 

Asa de Corvo
(À memória de Augusto dos Anjos. Versos inspirados por poema seu, de mesmo nome.)

Arregaça as mangas e chupa esta manga
Manga, agora, da funesta costureira
que cose, para ti, a camisa derradeira
Apraz-te do sabor, pela última vez
e veste o paletó de madeira.

Diogo Trapo SP   dezembro   2001

                                                       


 

(sem título)


Protagoniza na tela
nem filme ou novela
formosa gazela
é ela, Penélope

Aquela do desenho animado?
Do epíteto tão antiquado?
Um velho e cansado adjetivo
tão gasto e já pouco expressivo

Aquela corredora maluca?
Cujo carro é todo cor-de-rosa?
Não, não, esta Penélope é nova!
Tão bela! Com certeza, uma musa

Não usa artifícios vulgares
surgindo no mesmo horário
ocupa todos os lugares
do meu coração solitário

Na tela ou na capa daquela
revista toda colorida
ali na banca da avenida
as cores da capa são dela

Sua pele, Penélope,
tão bela e branquinha
é o próprio suporte
da mi’a fantasia

Com seus braços coloridos
guarda potes de beleza
Uma musa com certeza
neste mundo desbotado

Bem sei que Penélope
não ouve mi’a prece
É pena que a bela
tenha namorado
É um felizardo
que não a merece

A bel feiticeira Calipso
suprema deusa do silêncio
se apaixonou por Ulisses
que nada tinha a ver com Hades

Queria com ele casar-se
tornando-o assim imortal
mas este já tinha outra dona
que só lhe causava saudades

Pois eis que Penélope, a Nova
no início, musa do Metal
tornou-se esta musa, em geral
e em especial, de matéria
pertence da deusa Afrodite

Afrodite, cruel e belíssima
cujo significado do nome
é “nascida da espuma do mar”
cativava deuses e mortais

A bela Penélope, a Nova
na etérea espuma da banheira
responde às questões dos artistas
a respeito da tal matéria

No abandono do Olimpo
nasceu manco Hefaistos
Sua mãe, por causa disto
o jogou no Oceano
que, na vera, era um rio

Mas as ninfas o salvaram
e tornou-se um artesão
Foi tão grande o seu talento
que os deuses o levaram
de volta para o Olimpo

Em seguida o transformaram
em ferreiro e deus do fogo
que criava armaduras
que tornavam invisíveis
os guerreiros que as vestissem

Para os homens
roubou o fogo Prometeu
de Hefaistos – o deus ferreiro de Zeus
Soçobrava a vingança

Zeus pediu a Hefaistos
que fizesse com o barro
Pandora, a primeira woman
lhe impondo que, por nada
sua tampa ela abrisse

Zeus a enviou à Terra
co’a tal caixa ovalada,
a boceta de Pandora

Foi a curiosidade
que levou Pandora a abrir
em má hora, esta tampa

E assim todos os males
dos humanos escaparam
da prisão, sagrada caixa
Só sobrava a Esperança

Se tu fosses, Penélope, aquela
que esperava o marido da guerra
Sim, aquela da mito, Penélope
e, se eu fosse o Ulisses da mesma
um épico e longo poema
traria você como tema

Pois aquela tapeçaria
que fazia durante o dia
e toda noite desfazia
outro mito me lembraria

A ficar acorrentado
aos píncaros do penhasco
a ira de Zeus condenou
eternamente, Prometeu

O abutre chegava de dia
e comia seu fígado exposto
Seu órgão se refazia
durante a madrugada fria

Este círculo vicioso
que me deixa assaz nervoso
pois me lembra minha vida
rodeada de ruína
dar que ia uma estória
de procura obcecada
nessa tortuosa estrada
às escuras, pela glória

 

Diogo Trapo   SP   abril   2004


                                                  

                                                          

 

Semifusa

Cada musa não vale uma semifusa
Implacável, usa tudo o que seduza
Atordoa minha mente já confusa

Pela vida
pelo mundo
pela blusa que ela usa

Uma rima
um segundo
uma sorte obtusa

Diogo Trapo SP   2004

 



(sem título)

De pára-quedas, de cachaça, de susto
De tanto rir, de velho, de pena
Por acidente, dormindo, de bruços
Ao me parir, de overdose ou enfisema

De fome, de frio, de ira
De mentira, de stress, de tensão
De tédio, do mesmo remédio
que usava contra a depressão

Por saber que
aurora da minha vida nunca mais
Por falência múltipla
dos órgãos vitais

Diogo Trapo SP   fevereiro   2002

 

                                                 

A Garçonete

Pelo jeito de chegar no recinto
já percebemos o estado do distinto
Estava bem tocado, mais do que trincado
Tropeçou numa formiga e aterrissou no pé da mesa

Que beleza de estrago confirmou-se em sua cara!
Cada dente foi prum lado
Não sobrou nenhum na boca
Muito louca, a garçonete estrebuchou de tanto rir

Derrubou a omelete no freguês que ia servir
A julgar pela gordura, não foi grande a sujeira
A farinha era tão pura
que acabou esta besteira.

Diogo Trapo SP   198?

 

                                                       


 

Ruína Solar

A sabedoria dos lábios
a lamber a língua dos sábios
A língua sibilante não dobra
Sibila perigosa a cobra
Se Billy no Oeste era Kid
no fim, só a coragem decide

A sabedoria de novo
alterou o método todo
A velha prudência dos lobos
contra a covardia dos bobos

Toda a consciência nos cobra
cada arremedo que sobra
Todo antigo medo dos mares
jaz na correnteza dos ares

Em vôo cego em busca da luz
solar foi a ruína de Ícaro
que achou-se a voar como Pégaso

O Homem a História conduz
da derradeira glória dos Píncaros
de volta à idade das trevas

Diogo Trapo   SP   fevereiro   2004

                                                     

 


 

Mensageiro

Sem saída
Com destino decretado
Sem destino, redundância!

Ânsia e Bílis
Eufemismo
Que excreção!

Exceção
Não fiz uma canção
apenas um soneto
um quarteto, um power trio

Que frio!
Eu fiz uma canção
cantada em escocês

Outra vez!
Redundância, com certeza

De que importa?

Artista exilado
deletado do mercado
congelado pela porta
fechada

Que frio!
A obra engavetada
e o coração vazio

Sou todo um cerebelo
não durmo há cinco dias
Cortei o meu cabelo
no espelho do banheiro

As mãos tremiam tanto
Ficou um pouco torto

Um porto? Que porto?!
Agora não importa
A porta?
Aberta...

A nau da glória tardia
aporta a âncora torta
no cais da esperança morta

Alguma verdade sombria
balança o prumo do artista
que perde os cinco sentidos

Chega tarde o mensageiro
Não há bálsamo, nem cheiro

de vinagre

Caravelas!
Sagres e dentes de sabre
O amor pelas palavras
floresceu há muitos versos

Chega tarde o mensageiro
Boa nova já não causa
nem vontade, nem coragem

O artista quando jovem
velho não deixa de ser
Todavia, mas, porém
não consegue se mover

A âncora da esperança
se tornou o seu naufrágio
O desmaio é figurado
O vinagre é literal

Azedou
Chega tarde o mensageiro

Diogo Trapo   SP   2004

 

 

* pseudônimo adotado por Rodrigo Fragelli