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Liberdade, Secularização e Banalidade -
Entrevista de Robert Spaemann a Maria Inês Migliaccio.

 

(Por sua extrema atualidade, publicamos - a título de documentação - trechos dessa entrevista, realizada no Vaticano em 31-10-91, por ocasião de Congresso com intelectuais do Leste Europeu)

 

Perguntas:

1. O senhor encontrou o que procurava neste seminário? Ele correspon-deu às suas expectativas?

2. Os participantes do seminário mostraram algum ponto em comum em relação aos desejos de possíveis mudanças estruturais de seus respectivos países?

3. No processo de conversão pessoal, que valores cristãos considera co-mo os mais importantes?

4. Que sentido o senhor encontra nesta liberdade da que tanto se fala e se falou neste seminário? Liberdade para quê?

5. Notei que o termo "secularização" foi utilizado neste seminário com diferentes significados. O que de fato significa secularização?

6. Tratando especificamente da realidade alemã, o senhor pensa que, além do bem estar econômico, as pessoas estão buscando algo a mais do pura-mente material?

7. O conceito de trabalho nos países do Leste Europeu é o mesmo que o do Ocidente?

 

Respostas:


          A presença de intelectuais do Leste Europeu no Vaticano é um marco importante no processo de abertura sócio-política dos países dessa região. A princípio, achei que os temas tratados foram pouco práticos, e que, em uma oportunidade como essa, deveríamos analisar novos méto-dos para a evangelização. Depois, refleti que a recristianização da Europa depende de que os homens se "embebam" do Evangelho, da doutrina católica, da Tradição e não de grandes estruturas. Nem sequer a tendência de amoldar-se ao resto do mundo - muito marcante na Alemanha - teve um papel importante nestes dias.

          Testemunhos muito emocionantes confirmaram que a evangelização se concretiza na conversão de cada pessoa e, consequentemente, da sociedade, não o contrário. E, neste processo de conversão pessoal, como diz Doïna Cornea da Romênia, duas coisas são fundamentais: o amor e a humildade. Com estes "valores", a alma não pode morrer, sob qualquer regime. E as demais virtudes desenvolvem-se a partir desta base.

          Tatiana Goricheva fala que sua conversão percorreu um caminho prévio à adesão ao cristianismo. Por certo, muitas pessoas que se converteram dizem ter passado pelo mesmo. Goricheva conta que a etapa inicial de sua conversão deu-se através da leitura de Jean-Paul Sartre. Lendo suas obras, entendeu pela primeira vez que o homem é livre. Depois se perguntou sobre o porquê da liberdade, pois a liberdade não tem sentido em si mesma. Assim foi como encontrou o Evangelho e a Igreja: buscando o conteúdo da liberdade.

          O homem só pode chegar a Deus quando percorre o caminho até Ele em liberdade. Mas, desgraçadamente, a liberdade pode conduzir para outro lugar: a banalidade, onde se encontra a maioria dos homens. A atual situação do Ocidente caracteriza-se não mais pelo niilismo "heróico", que pelo menos se disfarçava na resistência aos padrões sociais da época, mas no niilismo banal.

          Hoje, se alguém perguntasse que motivos teria o homem para se aproximar do cristianismo, poderia responder que, entre outros, está a repulsa, a fuga da banalidade. E concluo que a Igreja deve deixar muito claro que é a alternativa verdadeira para fugir da banalidade e não simplesmente uma variante a mais.

          A secularização de uma sociedade, em seu sentido radical, pode ser entendida como um processo pelo qual a religião deixa de ser a forma de integração da cultura, particularizando-se, por exemplo, em uma das muitas atividades do homem. Ela faz com que tal sociedade já não esteja mais determinada pela religião, mas restrita a um âmbito particularíssimo do ser humano.

          No entanto, a secularização também pode ser vista como o sistema pelo qual a sociedade confere a devida autonomia religiosa a diferentes atividades sem que deixem de estar informadas pelos princípios religiosos. Neste sentido, podemos dizer que a secularização é possível até certo grau, pois existem realidades que mantém íntima e essencial relação com a religião. A alma humana, por exemplo, pode estar determinada ou não pelo amor de Deus. Uma secularização da alma humana significa infidelidade.

          O econômico é sempre um meio. Naturalmente, os homens não param no econômico, mas querem algo mais. Hoje, muitas pessoas pensam muito se querem ganhar mais dinheiro ou mais liberdade, quando estes bens se excluem mutuamente. Diferentemente dos anos 50, muitos optam pela qualidade de vida que implica mais tempo livre e não necessariamente mais dinheiro. Diante disto as indústrias estão revisando seu conceito de recursos humanos, pois já não encontram pessoal com interesse de fazer carreira às custas de sacrificar seu lazer.

          As pessoas sob o regime comunista trabalharam pouco, entre outras coisas porque lhes pareciam que não valia a pena. Muitos que vieram do lado oriental da Alemanha para trabalhar no lado ocidental cansam-se com muita rapidez porque não estão acostumados com o nosso ritmo de trabalho. Muitos são obrigados a trabalhar para ganhar a vida, sem outro sentido que o de alimentar sua família.

          Eu não acredito que o trabalho possa ser entendido em sua plenitude, sob uma ótica puramente natural, sem uma visão cristã. Não dá para dizer a todos, indistintamente, seu trabalho é maravilhoso, porque há muitas tarefas que não satisfazem ao indivíduo. A minha área, filosofia, é muito bonita, a sua -jornalismo- também, mas conheço muitas pessoas de cujo trabalho não se pode dizer o mesmo. Penso que uma verdadeira análise cristã do trabalho não pode renunciar ao ponto de vista da condição humana.