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Constituição Europeia - Balanço Teórico e Perspectivas Práticas [1]

 

Paulo Ferreira da Cunha
Prof. Catedrático da Universidade do Porto
Director do Instituto Jurídico Interdisciplinar, FDUP

I. Introdução

O prudente conselho de Horácio, que convida os autores a deixarem os seus originais a ganhar pó e lastro, repousando nas suas arcas (ou gavetas) pelo menos durante nove anos, terá tido plausivelmente altas intenções de estilo e depuração, mas encerra também úteis ensinamentos contra a precipitação na tomada de posições, e mais ainda: totalmente inviabiliza que se dê à estampa o que é fugaz produto da hora e para a hora.

As questões políticas e jurídico-políticas dos nossos dias são tão apressadas que quaisquer textos que ficassem retidos, por cautela e a levedar, por todos esses nove anos, perderiam totalmente sentido e actualidade… que dizemos? Por nove meses, ou semanas… E frequentemente por nove dias apenas… ou nove horas… E por aqui paramos.

Sobre a Constituição Europeia fomos reagindo, ao sabor da maré do momento, sempre fiel aos mesmos princípios (de europeísta de sempre [2] , e de democrata de sempre) mas realmente evoluindo nas análises, à medida que as novidades se sucediam, e ao passo que nos íamos aproximando dos objectos, contornando-lhes as faces e facetas, quanto mais nos apercebíamos do que realmente representavam, e quem estava por detrás ou dentro das coisas, etc., etc.

Acresce que a comoção provocada pelo “não” dos referendos francês e holandês obriga, como tem sido unanimemente reconhecido (embora em claves muito diversas), a uma reponderação do problema em apreço. Repensar não superficial, mas radical: balanço e perspectivas, pois.

É assim tempo de os europeístas não meterem a cabeça nas movediças areias dos escombros das ilusões unanimistas: de abrirem a Constituição Europeia e de a relerem: ou seja, é o momento de abrir essa Caixa de Pandora intocável, nas palavras do antigo Presidente da República francês e Presidente da Convenção Valéry Giscard D’Estaing. Não para espalhar males pelo continente, mas para separar os males dos bens, e ficar apenas com estes.

A “Constituição Europeia” é a mais profunda e complexa questão institucional – jurídica e política – deste nosso momento, na Europa – e com naturais repercussões mundiais. Ela precede e sobrepuja naturalmente qualquer outra, até porque tal Constituição é o sinal visível de grandes transformações – certas já operadas, e outras a vir. Algumas ainda inimagináveis. E o que temos vindo a assistir corresponde a uma enorme mudança de modelo ou paradigma dentro da normalidade constitucional do constitucionalismo moderno, comum aos diferentes estados europeus.

Alguns argumentam que o “tratado constitucional” (e assim gostam de lhe chamar, não tanto por purismo linguístico, como por minimalismo com que de alguma forma visam “desdramatizar” a polémica presente) poucas inovações traz relativamente a Nice e até a Maastricht. Mas esquecem que, mesmo não se sendo marxista, há casos em que se tem de reconhecer que o acumular de uma gota de quantidade transmuta a qualidade: é o “salto qualitativo”. E estamos perante novidades que, mesmo que fossem pequenas, trariam a mudança. Porém, não são de pequena monta, essas alterações – sobretudo porque plenas de carga simbólica: como o tornar explícito o implícito e formal o informal, ou dar visibilidade simbólica e personalidade à União Europeia. O texto normativo passa a invocar os pergaminhos constitucionais, explicitamente. O primado do Direito da União é explicitamente consagrado. A Carta de Direitos expressamente é elevada expressamente a texto com vinculatividade jurídica, integrando-se no corpo da Constituição. A União ganha personalidade jurídica autónoma. São criados um Presidente e um Ministro dos Negócios Estrangeiros… etc. Tudo pequenos (ou não tão pequenos) passos para um grande salto.

O debate não é só técnico, nem, por outro lado, se restringe ao plano ideológico; mas tem também uma componente jurídica fundamental: e não só técnico-jurídica e jurídico-positiva, mas ainda jurídico-natural e, se quisermos, jurídico-cultural. Contudo, com as suas ramificações históricas, filosóficas, politológicas, etc., a questão de fundo é sobretudo política, e jamais se entenderá a questão de fundo se permanecermos apegados a grelhas interpretativas e de acção meramente legais, ou – pior ainda – legalistas.

Além de um problema, trata-se aliás de um verdadeiro enigma, pois sobre ele muitos privilegiados intervenientes têm opinado, no domínio da mesma matéria e até por vezes dos mesmos textos, de maneira diametralmente oposta, e alguns têm clarificado ulteriormente as suas iniciais posições por forma a que pode dar a impressão de que mudaram de perspectiva. Alguns mudaram mesmo, e confessam-no (o que – nada retirando ao valor da coerência dos que permanecem iguais, contudo é sinal de que alguns não cristalizaram nas suas vistas, e continuaram a pensar), outros nem por isso. Estranha matéria, pois. Mas, na verdade, não tão estranha assim… Muitas atitudes aparentemente inusitadas neste domínio são perfeitamente naturais, e explicáveis, atenta a magnitude e complexidade do que está a mudar. Poucos estariam verdadeiramente preparados para aceitar tantas e tão profundas mudanças. E se uns desde o princípio aceitaram e aplaudiram tudo o que veio de fora ou de cima por motivos menos louváveis (o menor dos quais será a falta de imaginação), já outros têm lutado como Jacob contra o Anjo, num corpo a corpo renhido, para entender o que se passa, e aonde se quer chegar. Procurando compreender males e remédios, ponderar bens, ou simplesmente escolher entre males maiores e males menores…

Em geral, os juristas (mea culpa) não estão bem municiados para enfrentar o problema com objectividade e abertura. A mera exegese do direito positivo, e em especial os inveterados (pré)-conceitos positivistas, não chegam para compreender uma Constituição que, em muitos aspectos, rompe com os cânones consagrados. Nessa armadilha positivista (ainda que na mais subtil das suas versões: a de tomar alguns pontos de uma dogmática tradicional, datada e mutável, por uma essência intocável do Direito Político) devemos desde já confessar que caímos anteriormente, tendo então assentado as nossas críticas em bases que realmente remetiam, de forma tácita ou expressa, designadamente para um paradigma de “representação”, “legalidade” e “devido processo legal” (na verdade “constitucional”) que não têm realmente a ver com o novo fenómeno juspolítico que ocorreu e que se está efectivamente a passar.

II. Constituição Codificada e Revolução

O que temos diante de nós com o processo constitucional europeu é de uma dimensão trans-legal, e até em certo sentido meta-democrática: um fenómeno verdadeiramente revolucionário. E ninguém consegue conter a torrente de uma revolução, mesmo de uma revolução subtil e pacífica como a presente. Aliás, como a própria doutrina (desde logo a portuguesa) já a integrou no seu sistema, a revolução é considerável – até no plano dito institucional – fonte de direito e dela assim promanam efeitos jurídicos. Como se fosse preciso reconhecer o que sempre foi evidente… Até pela chamada “força normativa dos factos”.

As primeiras constituições codificadas e voluntaristas estão incindivelmente ligadas à Revolução. Como o não tínhamos advertido antes, ou melhor, como de tal não tirámos consequências práticas para o caso vertente? Mas comecemos pelo princípio…

Há especialmente que distinguir entre dois tipos de Constituição: a natural, histórica, aberta, evolutiva, não codificada, mas que pode ser compilada, como foram as Ordenações, e como é a Constituição do Reino Unido ainda hoje (a do constitucionalismo natural), e a voluntarista, “utópica”, codificada (a do chamado “constitucionalismo moderno”), como a maioria das Constituições actualmente vigentes. Como sabemos, estas últimas encontram-se sempre sujeitas a revisões aquando de cada mudança política mais ou menos profunda (em Portugal temos tido essa experiência ad libitum), e à pura e simples revogação e substituição ao virar da esquina de cada revolução.

Contudo, estas últimas são (em princípio) mais exactas, mais certas, mais seguras, mais previsíveis (apesar de tudo), e podendo aquelas primeiras mais facilmente ser esquecidas, e subvertidas pelos poderosos, e desde logo pelo poder – como efectivamente sucedeu em vários países em diversas épocas. Ao ponto de ainda hoje as velhas liberdades portuguesas (e ibéricas) serem escassamente reconhecidas como objecto histórico – ao contrário do que sucede com os constitucionalismos escritos inglês (cunhado pela Magna Carta), americano e francês.

Se as constituições voluntaristas são, por vezes, letra morta (como é o caso da dimensão social da Constituição de 1976 sob governos que a não acarinhavam), as constituições históricas arriscam-se a ser pura e simplesmente mortas. Por isso, apenas se pode realmente desejar uma constituição natural, histórica, nos nossos dias, seja a que nível for, se ela for defendida pelo elemento pessoal da comunidade respectiva em causa – normalmente, pelo Povo.

Temos assim de reconhecer que, não existindo (pelo menos ainda: e decerto por bom tempo – a ninguém é dado prever o futuro) um Povo europeu, o processo natural e histórico de formação de uma Constituição europeia que estava a ser seguido poderia ser esquecido, travado, ou desviado por poderes e burocracias, que, pelo contrário, vinculados a um texto único, codificado, terão mais claro o caminho a seguir.

A Constituição europeia em apreço leva a ideia da certeza e segurança e cientificidade próprias dos códigos tout court até ao extremo, por não se quedar, como seria prima facie esperável, por matérias materialmente constitucionais, alargando os seus domínios a uma espécie de “Direito Administrativo” europeu. Tal facto faz da Constituição também um Código, não apenas de direito político, mas de direito em geral – sobretudo de direito público.

É rara a constituição formal que não incorpora, aqui e ali, um ou outro aspecto sem dignidade constitucional, por excesso de zelo, receio de que a questão seja diferentemente resolvida pelo legislador ordinário, ou simplesmente por confusão quanto às prioridades e valor das matérias jurídicas. Mas, no nosso caso, há um reforço dessas matérias. Às razões normais acresce a já referida necessidade de ordenar, organizar, não deixar uma entidade que para muitos cidadãos é ainda vaga e sempre longínqua pairar ao sabor do voluntarismo político ou administrativo sem normas. E, mesmo assim, sempre se irá ver quantas surpresas ainda nos colherão desprevenidos a todos, europeus.

Acresce que se quisermos uma verdadeira Europa social tal só poderá ser obtido – no plano da estrutura e metódica constituintes – quebrando com o fetiche do minimalismo neo-liberal (anarco-capitalista) que gostaria de uma constituição descarnada, reduzida à sua expressão mais simples de distribuição dos poderes e catálogo de liberdades puramente formais. Por isso, o programa social europeu (e o cultural, etc.) obriga a uma constituição certamente menos romântica, menos ágil, mas que possa ser mais garantística nos domínios sociais lato sensu, e assim também incluir algum programatismo não utópico. A crítica de alguns “não” de esquerda à Constituição europeia parece-nos ser exagerada, e manifestamente empolada para obter créditos de coerência e protesto ao nível interno. A mais clara síntese do sentido da Constituição económico-social europeia do projecto sobre a mesa terá sido a do antigo Presidente da República português, Dr. Mário Soares, durante a campanha pelo “sim” em França: a Constituição europeia corresponderia a um equilíbrio, um compromisso, entre socialismo e liberalismo. E, nesse sentido, glosaríamos nós: não se trata de um compromisso entre socialismo totalitário e liberalismo feroz e anárquico, que esses, exageros ambos, se não podem entender. Antes entre socialismo democrático e liberalismo com alguma sensibilidade social.

Dependem pois os efeitos políticos das constituições de um ou outro tipo (natural ou voluntarista) também do género de sociedades em que vivem. Uma sociedade em que estejam profundamente enraizadas as convicções demo-liberais que fundam a nossa moderna polis, precisa bem menos de normas escritas e de normas codificadas, quer em geral, quer no plano especificamente constitucional. Sociedades com menos tradição demo-liberal necessitam de mais normas, de mais explicitação das mesmas, até de uma técnica mais “primitiva”, como é a da enumeração ou enunciação. Por contraposição ao uso de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais, mais adequados a sociedades com maior cultura jurídica e mais sólida política democrática e espírito cívico e mais generalizado reconhecimento da dignidade da pessoa, do homem, do trabalhador, do cidadão.

Sociedades que se complexificaram excessivamente, e em que se foi perdendo, até pela degradação do sistema educativo, o sentido de saberes e sabedoria do mais profundo espírito juspolítico, ou seja, sociedades em que a legitimidade burocrática e democrática simplesmente técnica completamente desbancaram formas mais subtis de legitimidade que consigo transportavam a transmissão quase insensível de saberes profundos, necessitam de um fanerismo objectivador que explique a todos, mesmo aos juristas e aos políticos, o que outrora era calado, porque óbvio. Além de que tais sociedades precisam de cada vez mais instrumentos de ordenação, sistematização, ordem, etc. nos seus comandos e textos legais em geral, porquanto, dominadas pela mentalidade positivista, já não podem esperar que a pluralidade de fontes funcione (como outrora, nos tempos do direito alto medieval) como instrumento de liberdade, e não como instrumento de confusão. Estamos certamente, nas nossas sociedades hodiernas, nos limites de uma evolução de concretização e de fixação formal das ideias e das regras, diametralmente oposta à das sociedades orais, de direito decorado (guardado no coração), plasmado em poesia, vigiado por um classe sacerdotal (como os druidas), etc. A lógica da escrita impregna-nos, e não raro deparamos, mesmo na sociedade civil, com regulamentos contendo normas tão comezinhas e tão óbvias que nos chocariam ainda há poucos anos. Mas, curiosamente, nos nossos dias – dir-se-ia, obviamente cum grano salis – “ninguém nasce ensinado”…

III. Constituição, Estado e outras Formas Políticas

Sendo hoje a equivalência Estado / Constituição a realidade normal, mais corrente, por esse Mundo fora, afigura-se-nos sem embargo que uma concepção abrangente (e a mais realista e mais verdadeira) de Constituição que implique o chamado conceito histórico-universal de constituição (e englobe, por isso, o dualismo constituição natural e constituição codificada) implica uma visão pluralista, em que se reconhece a existência de uma lei fundamental, ou de um conjunto de leis fundamentais, em todas e quaisquer comunidades políticas [3] .

Ora a União Europeia é – pelo menos, e antes de tudo o mais – uma comunidade política e, por isso, ainda que só fosse por isso, tem uma Constituição. Já a tem há muito. O poder judicial europeu já o dissera, além de abundante e influente doutrina. Independentemente do novo texto escrito, já havia Constituição e não será pelo simples facto de haver Constituição, agora codificada, que passará a surgir um novo Estado. Aliás, é interessante verificar-se que, independentemente do problema europeu, a doutrina constitucionalista portuguesa tem vindo, nos últimos cinquenta anos, a progressivamente destacar-se, nas suas definições de Constituição e Direito Constitucional, do paradigma estadualista [4] .

Contudo, a questão do novo Estado não é fácil. Por um lado, pode pensar-se que o gigantismo e os poderes acrescidos do novum juspolítico criado pelo texto codificado configura um mega-estado, o super-estado. É esse um dos grandes riscos, à primeira vista. Mas, por outro lado, o comportamento de diversos países (actuais estados – não deixaram de o ser) tem revelado sempre uma atracção ou deriva nacionalista. Portanto, como que os dois males, os dois desvios, os dois grandes perigos se poderão mutuamente excluir, ou, no fundo, minorar. Estados-membros egoístas tenderão a travar um Leviatã gigante e concentracionário de uma burocracia sem raízes. E um complexo orgânico em crescimento, com lógica cada vez mais própria, e poderes fortes, combaterá os particularismos egoístas de certos estados-membros. A questão está em encontrar formas – mais práticas que teóricas, certamente mais políticas que jurídicas – de impedir que os dois perigos se associem, como seria o caso se algum ou alguns estados nacionalistas, sob capa europeísta, viessem, por absurdo, no futuro, a controlar os mecanismos da estrutura nova, com poderes acrescidos. Em geral, a complexidade e ponderação dos procedimentos decisórios na Constituição Europeia, a diversidade de instituições e a necessidade de que se ponham de acordo, no fundo, a separação de poderes, e a complementaridade de funções na arquitectura institucional europeia vão no sentido de propiciar freios e contrapesos a hegemonias nacionalistas, tanto quanto a macrocefalias burocráticas. Por vezes certamente à custa da celeridade dos procedimentos.

Estado único novo não parece ser boa solução. Seria a mais utópica de todas. Preferível, de longe, a solução federal, que a todos os estados membros coloca em pé de igualdade. E contudo, também se compreende que não podem ser fórmulas estanques, rígidas, a guiar os nossos passos futuros. Porque o federalismo ou o para-estadualismo europeus devem ser meios e não fins. Meios para a construção de uma Europa unida, mas plural, livre. E facilmente se vê que tanto uma como outra das soluções (como aliás as propostas mais discretas e tímidas de integração europeia propostas pelos eurocépticos) podem, mesmo assim, ser manipuladas como travão à União, ou a uma boa União.

Importa encontrar a flexibilidade necessária a uma geometria variável, de uma Europa que não pode cristalizar em nenhum estádio da sua evolução. Recordemos que o próprio paradigma “Estado” está em crise, e seria pelo menos estranho que se procurassem reeditar ao macro-nível europeu os erros que se detectaram já ao micro-nível nacional.

IV. Constituição ou Tratado?

É evidente que uma Constituição não é um tratado, e um tratado proprio sensu não poderia, realmente, aprovar uma Constituição. Um tratado é coisa de diplomatas e governos, uma Constituição é assunto dos cidadãos e dos seus representantes. O texto que saiu da Convenção não é um tratado, é até mais uma proposta constitucional suficientemente sedimentada. Em certo sentido, é uma utopia realizável... Poderá vir a ser aprovada, com mais ou menos alterações, através de um tratado, mas isso não faz do texto um tratado. Nem a forma de aprovação pode ser verdadeiramente a de um tratado.

Cremos que a escolha da fórmula do “tratado” terá sido o lançar mão de um recurso jurídico “menos mau” para a aprovação do texto, porque o novum que veio da Convenção naturalmente requereria, pelo seu peso específico, na perspectiva dos governos dos Estados, mais legitimidade jurídica – e desde logo a sua marca de legitimidade. A tradição da intergovernamentalidade anterior tornou a figura jurídica do tratado como a solução mais óbvia, de aparente continuidade: apesar de em odres relativamente velhos (tratado), como alguém lembrou, se passar a colocar vinho em muito boa medida novo (constituição).

Como a princípio certamente alguns desses governos temeram o referendo (e vê-se hoje que com razão), essa era a fórmula mais segura (e mais natural para os chamados “donos dos tratados”, habituados a resolver as magnas questões institucionais europeias por essa via jurídica) para publicamente dar a situação por resolvida no plano jurídico. Com a escolha da via do referendo (hoje já tão generalizada que mais um “não” parece abalar tudo o já adquirido, temendo-se o efeito dominó) parece que as questões de legitimidade juspolítica se desvanecem, e, implicitamente, a questão jurídica. Com a aprovação da Constituição por referendos nacionais, cada Estado-membro poderia simplesmente comunicar a sua adesão ao texto da Convenção. Pena é que uma via uniforme não tenha sido seguida por todos os Estados. Porque haverá naturalmente tendência a sopesar os “não” referendários com os “sim” parlamentares, e vice-versa… Numa contabilidade que só não se torna infernal e impossível porque, tendo-se enveredado pelas regras do direito dos tratados, parece que a unanimidade continua a pairar como um espectro perseguidor…e a ameaçar um certo impasse para os mais tímidos.

Aquele referido embaraço jurídico dos Estados ante o que se lhes viria a oferecer pela Convenção – se verdadeiramente o houve – provaria que também ao mais alto nível se não terá visto ou se não terá querido reconhecer, em alguns casos, o carácter revolucionário (e portanto fora das normais “regras do jogo”) da Constituição Europeia.

A questão está em saber que revolução está associada a esta ruptura constitucional: ou a da Europa dos Cidadãos, dos Povos e uma Europa Social – e assim o rumo da história faria sentido e a revolução seria de aplaudir; ou a da Europa dos burocratas e dos interesses económicos e financeiros – e nesse caso teria sido uma contra-revolução. Ao contrário do que sucede com as demais revoluções, como desta feita se começa pelo edifício juspolítico, pelo “telhado” da super-estrutura, não temos ainda meios para avaliar concretamente se será uma ou outra. Devemos, pois, no mínimo, dar à revolução institucional, sem claro conteúdo material e de sentido político, o benefício de uma dúvida vigilante e actuante.

Assim, e voltando ao plano mais técnico, afigura-se-nos que a Constituição europeia não será sequer verdadeiramente aprovada por um tratado, mas o tratado apenas constituirá um acto equivalente ao da aclamação dos reis: é uma forma jurídico-política de ratificação, dir-se-ia quase de “entronização”. A criação da Constituição europeia codificada há-de encontrar-se antes. E ela tem algo a ver, analógica, miticamente, com o juramento da casa do jogo da pela.

Essa a imagem simbólica que deverá guiar-nos na interpretação do fenómeno. Não há assim uma distância tão grande entre a elaboração da primeira constituição francesa codificada, e a que estamos a comentar. E lembremo-nos que a constituição francesa de 1791 é um marco histórico e um modelo no constitucionalismo moderno.

À primeira vista, pode parecer que o processo constitucional moderno típico, de que a constituição francesa é um dos paradigmas, teria seguido os ulteriormente estabelecidos requisitos do constitucionalismo moderno. Mas não…

V. Poder Constituinte, Povo e Cidadania

Quer uma Constituição natural quer uma Constituição voluntarista são fruto do Poder Constituinte. No caso de uma Constituição natural, o poder constituinte originário, do Povo, vai historicamente modelando as Leis Fundamentais, os Costumes fundamentais, as praxes fundamentais, sem necessidade de representação. Ou seja: sem necessidade do exercício do poder constituinte derivado. Já no caso de uma Constituição codificada é vital a representação popular expressa para tal – teria, em princípio, de haver deputados eleitos formalmente para esse fim.

Que os tempos modernos se não compadecem com a forma de Constitucionalismo natural, parece ter ficado esclarecido. Já Almeida Garrett explicitara, com muita clareza, como é melhor uma constituição escrita e codificada que uma constituição histórica, a qual, devendo viver na alma dos povos, foi esquecida por estes, ou feita esquecer pelos seus senhores [5] . Também hoje já não há quem morra por constituições…

Restar-nos-ia o modelo do constitucionalismo moderno. Mas aí reside a questão mítico-simbólica da Casa do Jogo da Pela. Nesse recinto de lazer se reuniram depois que o rei mandou encerrar as instalações oficiais respectivas, os deputados dos Estados Gerais franceses, eleitos por estamentos, corpos, ou ordens, que tinham direito a um voto cada um (somando assim três), e que estavam pelo seu mandato incumbidos de matérias verdadeiramente extra-constitucionais: fundamentalmente se esperando que decidissem matérias tributárias.

Ora, como que possuídos pelo Espírito Santo em dia de Pentecostes, os representantes de três classes, e não do Povo em geral, ou da Nação, como então se diria, assumem uma legitimidade constituinte que não deriva, realmente, do poder constituinte originário senão de forma muito indirecta e imperfeita. E juram na Casa da Pela não mais se separar até terem concluído uma Constituição. Simbolicamente, como é aliás retratado no magnífico quadro de David, um dos deputados, movido pelo purismo, se recusa a jurar. Um só, mas alguém que não é molestado, e posa para a posteridade certamente como a lembrança de que o processo não foi unânime, nem foi um parto sem dor. Como agora nos referendos?

Tal como no processo constituinte francês, os membros da Convenção que prepararam o texto fundamental da Constituição europeia não foram realmente eleitos directamente, nem foram designados com o cometimento de fazer uma Constituição. Assumiram, como os membros dos Estados Gerais, essa tarefa, e também no seio dessa assembleia houve vozes discordantes. Mais: como se sabe, há autorizadas opiniões que negam a qualquer instância europeia, designadamente à União, em sede geral (e fazendo a épochê da questão procedimental), a titularidade de qualquer poder constituinte. E muitos o fazem invocando a ligação ontológica do mesmo poder com o Povo.

Mas porquê? Não há povo Europeu, sem dúvida. Mas não há cidadãos europeus? E em nome desses cidadãos não se pode exercer poder constituinte? Parece que sim. O salto não é assim tão vasto… Sobretudo se esse agir em nome dos cidadãos por eles seja ratificado. Tem-se já falado muito em cidadania pós-nacional – e porque não? Como pode haver um multilevel constitutionalism, assim também pode haver cidadania estadual-nacional e cidadania europeia que preencha o requisito do substrato pessoal dos elementos dessa cansada teoria geral do Estado que alguns continuam a ter como alpha e ómega da ciência do político e do poder, mas que é, para nós também, “pouco estimulante” [6] .

Os membros da Convenção interpretaram uma corrente que andava no ar dos tempos, que poderia até no momento nem ser maioritária, por um método que estava longe de ser impecável do ponto de vista democrático formal. Interpretaram  contudo os ventos da História.

E contra os ventos da História nunca prevalecem os processos juridicamente admitidos como válidos na sociedade que morre para dar vida a uma nova.

Nem em Portugal deveríamos estranhar muito este processo de um órgão (ou membro(s) dele), incumbido apenas de uma arrumação legislativa, tomar o freio nos dentes e se meter a fazer uma constituição, ou arremedo dela. Pois foi precisamente o que aconteceu com o chamado Novo Código de Direito Público – projecto felizmente abortado pela mão das críticas de António Ribeiro dos Santos [7] . Simplesmente, na época, precisamente, Mello Freire, autor do projecto, sem Pombal e Pombalismo, agiu contra os ventos da História.

Assim, a Constituição europeia nasce da Convenção. Órgão de delegados dos estados-membros, mas que, tal como a Constituinte francesa, se afasta dos Estados Gerais (órgão do passado), se destacam do Parlamento Europeu e dos próprios Estados. O trabalho da Convenção é em grande medida ilegal à luz da velha racionalidade: mas é revolucionariamente trans-legal à luz da legitimidade que se arvorou.

Numa versão muito divulgada e não pouco criticada do Preâmbulo, os Convencionais chegaram a deixar transparecer esse narcisismo próprio de quase todos os revolucionários que sabem estar a escrever a História, pondo os povos agradecidos…a eles mesmos… Provavelmente um exercício de uma futurologia optimista.

De tudo isto se conclui que o poder constituinte pode ser assumido por quem não tem, à partida, segundo as regras normais, bastante legitimidade. Claro que este argumento poderá legitimar todas as ditaduras, todas as tiranias – que o sejam pelo menos de título. Contudo, seja como for, o “exercício” de algum modo pode sanar as faltas de legitimidade de título. E a verdade é que, mesmo antes dos referendos, já se operara, por toda a parte na Europa, pelo menos uma parcial sanação do eventual vício – quer se queira quer não. Os referendos vieram obnubilar esse facto, mas valeria a pena recordá-lo.

Esta sanação deu-se, antes de mais, nas eleições para o Parlamento Europeu subsequentes à conclusão do texto da Convenção. Se os povos europeus tivessem querido bloquear este processo, rejeitar esta Constituição, teriam tido uma óptima ocasião para, sem quaisquer custos internos nos seus respectivos países, o fazer. Bastaria terem votado nos vários partidos anti-constituição europeia codificada que existiam nos diferentes países, e que se espraiavam pelos mais diferentes sectores do espectro político. Ao não o terem feito, e ao terem votado em larga maioria – em Portugal esmagadora – nos partidos pró-constituição europeia, os povos da Europa não deram um sinal totalmente verde a quaisquer reformas e engenharias europeias fora do seu alcance e sem a sua participação (isso viu-se depois nos referendos “cartão amarelo”), mas pelo menos tacitamente manifestaram a sua não oposição ao processo já encetado. Pelo que os referendos, que são muito positivos e devem ser feitos – como um acréscimo de legitimação, agora sim, plenamente democrática: a mais democrática possível –, depois destas manifestações, nem seriam, em rigor, absolutamente indispensáveis. É que, como sempre defendemos, as eleições para o Parlamento europeu já tiveram, ainda que implicitamente, uma feição constituinte. O voto nos partidos pró-constituição europeia codificada significou, em grande medida, um voto de confiança nessas políticas.

No dia 12 de Janeiro de 2005, o Parlamento Europeu, confirmando a nossa velha opinião (tanto quanto nestas matérias pode haver antiguidade) de que tinha poderes constituintes, “aprovou” o projecto de Constituição, com 500 votos a favor, 137 contra e 40 abstenções: Na verdade, e para sermos mais rigorosos, os eurodeputados aprovariam por esta larga maioria um projecto de resolução apresentado pelo trabalhista Richard Corbett e pelo conservador espanhol Iñigo Mendez de Vigo [8] , numa prova de coincidentia oppositorum ideológica. Em todo o caso, o deficit democrático inicial recuou, assim, já significativamente…

Os “não” do referendo francês e holandês não invalidam o que dissemos, mas obrigam a algumas precisões e matizes. Evidentemente que é sempre fácil minimizar os resultados neste ou naquele sentido, caluniá-los até. E tal fica muito mal aos que perdem. Mas que tal nos não iniba o comentário, porém. Se é verdade que as rejeições nas urnas da Constituição Europeia resultam, e mais claramente ainda em França talvez, de coligações pontuais, negativas e sem consistência nem alternativa, os “não” são também um importante sinal de alerta para os “sim”.

Eles demonstram marginalmente franjas de algum divórcio ou incoerência entre a opção política geral, mesmo europeia, de alguns eleitores de alguns Estados, e a específica opção constitucional europeia. Isto significa que, depois destes “não” se maculou o “estado de graça” da unanimidade (meio passiva) que suportava esta solução.

E assim, se não quiser claramente continuar a ser acusada de um processo elitista e anti-democrático, o processo de construção europeia terá que dar vários sinais positivos e construtivos, e não enveredar pela defensiva, pelo recuo, e pela falta de imaginação burocrática.

Terá de manifestar respeito quer pelos votantes do “sim” como pelos do “não”. Quer pelos Estados que optaram pelo referendo como pelos demais. E terá que avançar e não estagnar, ou adiar.

Depois de dois “não”, o melhor seria, respeitando uns e outros, convocar uma nova Convenção – mas muito mais participada. Na realidade, convocar um Parlamento Europeu constituinte, que com base no projecto actualmente na mesa, e com a presença, certamente, de deputados do “não” que pudessem discutir e votar as suas propostas com toda a liberdade, chegassem por maioria simples, a um texto definitivo, que já não seria referendado.

Os referendos, não haja dúvida – e ninguém será mais defensor, de há anos, do referendo – têm um grave problema: quando tratam de matéria muito técnica, e quando podem ser capitalizados pelo descontentamento geral com os governos, ou ainda quando são susceptíveis do incendiar dos ânimos pela demagogia, acabam por perder muitas das suas virtualidades democráticas puras. É muito triste ter de reconhecê-lo, e tal não decorre dos “sim” ou dos “não” a esta ou aquela questão. São ilações decorrentes da observação histórica.

Ora a CE tem todos os três ingredientes para que os referendos sejam subvertidos. Mesmo assim, devem continuar. Mas que se não pare o processo por aí…e que se retirem deles lições: todas as lições importantes e úteis à Europa e aos seus Estados-Membros. Porque o que não deve haver é contradição entre esta e aqueles.

VI. A Cortina de fumo religiosa: uma falsa questão

Procurou-se em alguns meios cativar os cristãos para o “não”, invocando a ausência de Deus e do Crstianismo no Preâmbulo da Constitição. Sempre estranhamos essas críticas, que também pareciam, em alguns casos, esconder um seguidismo acrítico noutros aspectos, mais especificamente políticos.

Farão mesmo falta Deus e o Cristianismo na CE? Deus não, pois – sobretudo para quem crê – seria “invocação do Seu Santo Nome em vão”, associando-o até abusivamente a criação de Homens, datada, falível, perecível... Não vai a presença nominal de Deus baptizar um texto que é sobretudo laico. E quanto ao Cristianismo, tudo ponderado e revisto, se lermos bem o actual texto da CE, em certo sentido nem seria preciso rever nada, e nada acrescentar: porque, não competindo a uma Constituição de uma organização laica meter-se em teologias ou em paralelogramos de forças religiosas, e apenas sendo justa e jurídico-politicamente de relevante enquadramento uma referência a raízes e fundamentais legados históricos culturais, afinal o texto contempla o que tem de contemplar. Pois logo o início do Preâmbulo da CE dá o seu a seu dono, com concisão que cabe a tal paratexto: “INSPIRANDO-SE no património cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de Direito (…)”.

Poder-se-ia cogitar ser melhor aludir aos legados judaico-cristão e até muçulmano (por exemplo para a Península Ibérica tão relevante), mas não como religiões, e, por isso, nomeá-los seria – em rigor e na teoria das teorias – até preferível. Mas, infelizmente, se o ecumenismo cristão ainda esbarra com tanta falta de caritas cristã no próprio seio da cristandade, e até no próprio seio de uma mesma Igreja ou denominação, que dizer do ecumenismo do Livro e do ecumenismo universal [9] ? O simples nomear de qualquer uma das três culturas, cujos significantes também incluem conotações religiosas, atiçaria mais a fogueira da discórdia, e por isso temos que concordar que é mais sábio calar, com algum risco de má interpretação ou de lacuna, do que afirmar, pondo em perigo ao menos o mínimo acordo semântico sobre o texto.

VII. Federalismo, Soberania e Autonomia

Nunca foi muito claro o que se entendia por federalismo na Europa. A expressão tem sido usada muito como arma de arremesso, exaltada e vilipendiada. Porque federalismos há muitos, e até opostos. E, por vezes, a solução mais consentânea com a autonomia nacional pode perfeitamente compatibilizar-se com soluções federalistas: ao contrário do que os extremistas “soberanistas” consideram.

As definições de federalismo mais felizes são as mais abrangentes: “sistema ou forma de união de agrupamentos, tendo em vista a realização de objectivos comuns, respeitadas, porém, as autonomias das partes integrantes” [10] . Ou, por outras palavras, talvez ainda mais significativas: “(…) o federalismo é uma filosofia política e jurídica que se adapta a todos os contextos políticos, quer ao nível nacional quer ao nível internacional, sempre que dois requisitos basilares se encontrem preenchidos: o desejo de manter a unidade, combinado com o respeito autêntico pela autonomia e os interesses legítimos das entidades participantes.” [11]

Perante esta definição, quem nega que, por exemplo, o euro é uma manifestação de que já existe uma federação?

Um dos primeiros a, sem complexos, chamar às coisas pelos seus nomes foi o antigo Presidente do Parlamento português, Dr. António de Almeida Santos: “Digo eu que a qualificação do modelo maastrichtiano da União Europeia é uma falsa questão. É-o, por um lado, porque esse modelo, na sua configuração actual, já contém elementos irrecusavelmente federadores: a fronteira externa comum, as políticas comuns, a moeda única, a centralização do sistema bancário, as deliberações por maioria, a sobreposição das normas comunitárias aos sistemas jurídicos nacionais. (…) Acaso ficou limitado o nosso direito de retoma dessas prerrogativas, abandonando a União? Só espíritos tacanhos e anti-europeus – embora incapazes de assumir o abandono por Portugal da União Europeia – argumentam contra os riscos federalizantes da União, no desenho do seu ponto de chegada, com as Federações típicas dos Estados Unidos da América, da Alemanha ou do Brasil! Essa comparação é um absurdo! Porque, se o não fosse, seria eu, patriota dos quatros costados, e cioso da identidade do meu País, o primeiro a não aceitar eventuais perversões desses sentimentos e valores!“ [12]

Pois basta haver um ponto de federalismo para haver federação (o que se não pode confundir com um Estado de coloração federal). Mas, dir-se-á até: no dia em que tudo for federado, tudo deixará de o ser... E aí passar-se-á, na melhor das hipóteses, a um Estado com elementos de federalização (entre as suas partes componentes, tendencialmente até nem verdadeiramente estaduais – mas regionais, municipais, autárquicas), e não a uma federação de Estados. São coisas muito diferentes. Uma federação de Estados (dependendo da arte para os unir e separar – e “separar para melhor unir” como dizia o filósofo) é perfeitamente aceitável. E poder-se-á mesmo legitimamente perguntar se não será a melhor fórmula de todas – até porque a que poderá mais facilmente clarificar, em vez de nos quedarmos pelo eterno álibi do tertium genus pleno de ambiguidades.

Em diálogo com o federalismo, execrado pelos soberanistas, está outro mito, o da soberania, que ainda confunde muitos dos que leram por cartilhas antigas, ou novas, das antigas dependentes…

Soberania é uma palavra ambígua, cheia de carga emotiva, e que deveria ser banida do vocabulário político e jurídico, só comportando um uso histórico. Acresce que, mais recente­mente, o vocábulo parece consentir adjectivos, limitações e gra­dações. Fala-se em “soberania limitada”, ou “semi­-soberania”, por exemplo, para iniciar a situação de Estados que não podem, ainda não podem, ou já não podem exercer plenamente as suas prerrogativas o seu poder quer interna, quer externamente. Também se usa o eufemismo de “transferência” ou “partilha” de soberania para não dizer perda, alienação, da soberania.

Ora a ideia de soberania, originariamente, não foi nem um conceito inócuo e aparentemente técnico na lingua­gem das relações jurídicas internacionais, nem, por isso mesmo (por ser instrumento de luta ideológica), consentiria limitações – desde o momento em que se assumiu como instrumento do Estado, no contexto da própria autonomização da Política.

Parece hoje mais actual a ideia de autonomia. Dir-se-ia, em termos modernos, que a autonomia – que é também um conceito-lição para a contemporaneidade de fim das soberanias tradicionalmente concebidas – estabelece formas de convivência entre poderes de geometria variável, numa articulação que, não pondo em causa o cerne do poder de cada uma, todavia o compatibiliza com outros, em relações dialécticas flexíveis.

Parece que a nossa sociedade actual, sociedade de redes, de comunicações, de fluxos, e de permanentes conexões e desconexões, se aparenta, no seu pluralismo e na sua poliarquia, com a medieval, quiçá tendo até traços feudais ou senhoriais. E precisamente no sistema de governo medieval, os poderes inter-dependentes, em rede, numa malha de vassalagem e suserania, na fórmula feudal pura, e mais complexos ainda no atinente a comunas livres e ao modo senhorial, poderá certamente falar-se, de autonomia em lugar de soberania (a soberania é, como se sabe, típica da modernidade nascente, e do Estado, molde político típico de toda a Modernidade). Como observa Paolo Grossi: “La assolutezza, che è peculiare alla sovranità, cede alla relatività di autonomia; se la prima sembra fatta apposta per scavare fossati incavabili fra due o più entità, la seconda separa collegando. Se la sovranità erige delle mònadi, facendo di ciascuna di esse un pianeta pensato e risolto come autosufficiente con l’unica capacità relazionale che consiste nella tendenza imperialistica a inglobare i pianeti limitrofi, l’autonomia – quale indipendenza relativa – immerge l’entità accanto alle altre, in un reticolato che la collega alle altre, giaché un soggetto politico autonomo è indipendente rispeto a taluni altri ma è dipendente rispetto ad altri ancora, e – quel che più conta per l’analisi che ora ci interessa – è pensato e risolto all’interno di un tessuto il più ampio possibile fino ad essere universale, al centro di una raggiera di fili colleganti” [13]

Não podemos também esquecer que esta problemática não poderá ser completamente desgarrada da distinção, que vem já (com significante e significado) dos romanos, entre auctoritas e potestas. A tríade autoridade, poder e soberania tem toda a sua magia e toda a sua sedução, no logos e no mythos.

Por outro lado, em termos práticos, esta “autonomia” em grande medida se poderá ligar à categoria aristotélica da autarkeia, a qual é susceptível de nos propiciar abundantes lições. Brevitatis causa, recuperemos alguns aspectos de uma síntese de Félix Lamas: “No es la soberanía – suprema potestas in suo ordine –, sino la autárkeia, o perfección, en sentido aristotélico, la nota formal que permite definir al Estado, pólis o comunidad política, y ello en función del fin propio de ésta, es decir, el bien común temporal (felicidad objetiva, perfección de la vida social). (…) Del carácter relativo de la autárkeia o perfección política se sigue la necesaria posibilidad de que existan múltiplas comunidades autárquicas o perfectas, temporal y espacialmente coexistentes. (…) Por lo tanto, la soberanía (…) no puede ser nunca absoluta, ni única, ni completamente centralizada. Por el contrario, la pluralidad de órdenes jurisdiccionales y de competencias es una exigencia necesaria de la complejidad de la vida social. (…)” [14]

Não é a soberania tanto um conceito a rever, como um conceito a reestudar [15] .

E no caso da Constituição europeia, é óbvio que já há muito que os Estados foram abdicando de uma soberania absoluta, para entrarem numa fase ou num modelo a que alguns chamam (com alguma contraditio in terminis) “soberania partilhada”. A verdade é que a dita “soberania partilhada” já não é verdadeira soberania. Não há mais estados soberanos na União Europeia. Onde os haverá no Mundo?

Temos as mais sérias dúvidas de que o poder “autopoiético” da Kompetenz-Kompetenz dos Estados da União Europeia (competência sobre a competência, poder nomológico original) não tenha passado, em boa medida, já para a União: que aliás assume, com a Convenção, um poder constituinte. Sendo no futuro a União quem determina a repartição das competências no próprio texto da Constituição, e terá, com a sua personalidade jurídica própria, cabal Allzustaendigkeit. Além do mais, no caso português, as sucessivas revisões constitucionais “a reboque” de factos político-normativos internacionais parecem mais ainda corroborar uma profunda falta de protagonismo autónomo. E estamos a falar do protagonismo real, não da camuflagem jurídica.

Tal não quer dizer que deva haver submissão de uns estados a outros. As ideias do federal e de autonomia é que podem resolver a questão, alterando o paradigma, mudando a mentalidade egoísta, mesquinha, hiper-nacionalista. A qual infelizmente está por detrás de muito verniz internacionalista e europeísta…

Para acabar com as dúvidas e dar um sinal de que a União Europeia é uma federação (ou uma quase-federação, para os mais puristas) de estados iguais, quando se abrir a Caixa de Pandora, e se alterar o texto presente – o que parece inevitável e bem mais prático e realista que tomá-lo todo contra os ventos e marés do “não”, ou pura e simplesmente abandoná-lo, defraudando o “sim” – , não custaria assim tanto continuar a dar a cada Estado-membro um comissário com pelouro. Há governos bem maiores…

VIII. O Princípio dos Princípios da Constituição Europeia: A Subsidiariedade

A Europa de há muito que deixou de ser a mera mesa a que se sentavam os núncios dos respectivos soberanos.

Mesmo reconhecendo que a Europa tem traços já visivelmente federais, importa observar que a situação de subalternidade aparente dos Estados-membros face à União terá que ser articulada com o fundante e omnipresente princípio da subsidiariedade [16] , um dos princípios fundantes da Constituição europeia, pelo qual as estruturas institucionais e poderes mais próximos das realidades são quem deve ter a competência para curar dos respectivos problemas, sendo as estruturas e poderes mais longínquos (como os da União) apenas subsidiários. Não será fácil essa articulação – bem o sabemos. Mas estamos em crer que há uma ordem de valores constitucionais, e, nesse sentido, que é mais importante o princípio da subsidiariedade do que todos os outros. Aliás, ele é fundamental mesmo para a ideia de federalização.

 Nesse sentido, por exemplo, não repugna – pelo contrário, tudo aconselharia – a maior integração ao nível da defesa comum (sem descurar a defesa própria), por uma simples e elementar razão, em tudo concorde com o princípio da subsidiariedade: da defesa comum melhor trata a União do que cada país isolado.

Do mesmo modo, porém, já não faz qualquer sentido uma total uniformização jurídica, porque de muito do Direito de cada Estado sabe cada Estado, porque mais próximo da(s) respectiva(s) realidades sociais, culturais, económicas, etc.  Porque o Direito não é uma matemática universal, transcultural, antes multicultural. E, num tempo de por vezes tão folclórica defesa do multiculturalismo, querer abdicar das diferenças jurídicas seria incoerente. Os EUA têm sistemas jurídicos diversos de Estado para Estado. E não se põe problema de unidade nacional ou de falta de coesão sequer por nuns lugares haver pena de morte e noutros não… Alguma integração jurídica é obviamente muito importante, mas não um direito único. O bom senso deveria, nesta matéria, imperar sobre a febre legiferadora dos poderes, a vaidade dos que desejam posar para a História como novos Licurgos, e a vontade de harmonização à outrance

IX. O Direito no Espaço Europeu, entre os princípios do Primado e da Subsidiariedade

Alguns interpretaram que a Constituição europeia leva a que todo o direito da União (e não só sequer o do texto constitucional europeu), mesmo o mais obscuro, se sobreporia a todo o direito de cada Estado membro (mesmo o mais digno – a começar pela respectiva Constituição). E essa hierarquia das normas subverteria completamente a ideia de pluralidade constitucional articulada, perfeitamente admissível.

A questão é circular: ou os estados têm alguma autonomia, e lhes resta algum poder próprio real, ou então são regiões, autarquias, e por isso faria sentido que os ditames do poder central (Bruxelas) se impusessem a qualquer localismo... ainda que “constitucional”. Mas não parece que essa interpretação (que começámos por admitir como sendo a interpretação necessária do texto, embora criticando-a como solução) possa ter valimento de causa. Ela seria, bem vistas as coisas, contrária à própria subsistência dos Estados-membros enquanto tais que, todavia, continuam obviamente reconhecidos pela Constituição europeia – inclusive na sua singularidade político-jurídico-constitucional, e de forma expressa no articulado. A única interpretação útil que pode ter-se nesta matéria não poderá ser de molde a destruir os Estados, privando-os do meio jurídico de identidade e afirmação, nem a criar um mega-poder  jurídico centralista, que seria anti-jurídico, pela injustiça evidente de não atentar nas particularidades.

Mas a questão não se resolverá pelo circunscrever do primado do Direito europeu a um princípio da especialidade e de âmbito: limitando-o ao direito europeu. Teremos de pensar numa supremacia da Constituição europeia mais até que estritamente em matérias europeias. Porque tal delimitação acaba por não ter grande efeito prático, ante o conjunto tão vasto de matérias europeias na economia da Constituição europeia. O nó do problema parece-nos residir na aplicação primacial do princípio da subsidiariedade.

De alguma forma, poderia pensar-se numa espécie de “reserva de constituição” nacional, para matérias verdadeiramente determinantes. Se, na verdade, tal ainda tiver justificação, depois de as constituições nacionais expressamente declararem a conformidade com o direito da EU, e depois de a CE, nomeadamente em sede de direitos fundamentais (mas cremos que extensiva ou analogicamente em bem mais matérias) explicitamente “ceder o passo” às Constituições nacionais em caso de estas consagrarem tratamento mais favorável aos cidadãos…

Acresce que o facto de existir uma cláusula de saída expressamente admitida pela CE significa um reconhecimento implícito não fundamentalmente de que os Estados ainda são soberanos (o que soa a algo romântico), mas (em termos mais modernos) de que há uma reserva de constituição – embora muito ténue e em último recurso – , a qual decorre da autonomia e identidade nacionais…

Outra hipótese para resolver o problema seria a de pôr de parte o paradigma ainda dominante da hierarquia das normas, e – seguindo as novas vias, mais ou menos “pós-modernas”, do pluralismo jurídico – estabelecer uma espécie de concorrência prática entre as instâncias nacionais e as europeias…que de algum modo já existe ao nível das competências. Contudo, esta solução não parece muito compatível com os ventos de certeza e segurança do Direito determinantes de uma Constituição que, pela sua extensão e pormenor, faz jus à sua componente codificadora. Em todo caso, seria uma questão a ponderar com tempo e essa imaginação jurídica que tanto tem faltado.

Uma solução mais simples, e certamente a mais prática e mais imediatamente aplicável, será entender-se que a hierarquia das normas é integrada, e funciona de forma consonante, racional e sistémica para o conjunto do acervo jurídico geral do espaço jurídico da União (englobando direitos nacionais e direito da União). Portanto, nenhum acto normativo de grau inferior e provindo de fonte da União pode prevalecer sobre acto normativo superior de sede estadual nacional. Sendo o contrário também verdadeiro, como é óbvio, pela singela aplicação do princípio do primado: todos os actos de igual ou superior hierarquia dimanados de fonte da União se sobrepõem aos actos jurídicos iguais ou inferiores provenientes dos Estados-Membros. Em todo o caso, poderia ser necessário estabelecer doutrinal e jurisprudencialmente o que poderá vir a ser uma “reserva de constituição” nacional frente à Constituição europeia. E eventualmente vice-versa. Aliás, o volume de matérias que já são da competência normal da União, e o que passará a entrar nelas (ou seja, os limites do conteúdo concreto), totalmente poderão justificar alguma repartição, no limite – sob pena de bloqueio do sistema geral.

X. Conclusão

Uma Constituição revolucionária é sempre um grande passo em frente, mas normalmente tem aspectos que cairão naturalmente em desuso, outros que nem sequer chegarão a entrar em vigor, outros ainda que deverão ser alterados, por processos mais ou menos (im)previstos.

Não se pode julgar uma Constituição apenas pela sua letra. “É uma forma de hybris jurídica acreditar-se que as Constituições constituem” [17] . Outros elementos constituintes se irão juntando à voluntas constituinte inicial.

O espírito de uma Constituição Europeia codificada é um espírito de ordem, e de reforço da Europa: isso é positivo. Nocivo seria se, no bojo dessa nau, viesse o lastro da burocracia, do nacionalismo egoísta encapotado de alguns Estados, etc. Ora cumpre aos Europeus estar vigilantes nesse sentido. O alargamento da União Europeia necessitava impreterivelmente de regras de convivência mais claras e estritas. Não podemos dar-nos hoje ao luxo das constituições naturais de outrora.

Estamos perante algo de novo. Não de radicalmente novo, ao arrepio completo da linha constitucional moderna do séc. XVIII – embora sem dúvida diverso do seu mito recuperador e legalizador –, mas certamente perante uma reedição da forma revolucionária de fazer constituições: só que, deste feita, por uma revolução pacífica. Tal novo paradigma juspolítico (retomando o velho no carácter revolucionário, mas de forma nova, pelo seu carácter pacífico) naturalmente tem confundido alguns, que, pelo dito pacifismo, o confundiram com um processo integrado, intra-sistémico, e burguês, não lhe captando o alcance. Daí muitos mal entendidos. Mas nada de mais normal, no fluir dos tempos, que uma alteração do paradigma. Como se devem ter sentido tantos — “sem pé” na teoria — no momento em que os Estados Gerais passaram a Assembleia Constituinte, ou os americanos decidiram cortar o cordão umbilical com a velha Inglaterra?!

A aposta na Constituição Europeia é sobretudo um acto de fé. Já duvidámos, e muito profundamente. Mas não a tínhamos então encarado como o que ela realmente é: a grande revolução pacífica que poderá, se quisermos – e para isso será preciso lutar muito e inteligentemente nesse tabuleiro político e jurídico maior que é a nova União Europeia – vir a contribuir para o sonho dessa Europa com que sonhamos. Estamos perante uma oportunidade, de que se não triunfará sem sacrifício, tenacidade, inteligência, maleabilidade diplomática, e defesa intransigente do essencial, desde logo os valores das identidades.

A Europa periga em alguma medida pela sua identidade face a uma globalização neo-liberal de matiz extra-europeu. No que respeita mais particularmente à identidade nacional portuguesa, porém, tranquilizemo-nos (mas não durmamos: pois os patrimónios culturais não se transmitem geneticamente).

A alternativa a este desafio é um passadismo sem saída. Com raras excepções, ao vermos os “não” da França e da Holanda, confirmamos que a linha de moderação e equilíbrio político só pode estar no “sim”.

É que, ao contrário do que crêem extremistas à direita e à esquerda, julgando-se protagonistas privilegiados dela e seus mais profundos intérpretes, a História não vai por aí. Por uma sua lei irrevogável, lógica e essencial (não por uma escatologia profética): a irreversibilidade.

E isto apesar dos naturais recuos de circunstância, ditados por um eurocepticismo que atinge, como que inconscientemente, até os mais entusiastas, ou os mais responsáveis. O fracasso da cimeira de 17 de Junho de 2005, no rescaldo dos “não”, é disso eloquente exemplo: um fracasso duplo, que representa um objectivo recuo do processo europeu no sentido intergovernamental. Não só se mete a Constituição na gaveta, pura e simplesmente, num adiamento que não representa senão a incapacidade de lidar com a situação, como se não chega a acordo na distribuição de verbas, apesar da lição de europeísmo dada pelos novos estados integrantes que, um após um, em nome da coesão, prescindiram das suas reivindicações. Se a Europa dos burocratas era um perigo, que havia de ter-se em conta, a Europa dos egoístas significa apenas negação da Europa.

A História, que move secretamente os eventos, que tem uma lógica para além dos interesses comezinhos, não se capta de forma míope. Ela também não é linear, mas sinuosa. Aliás, nas coisas humanas, a linha recta nem sempre é a distância mais curta entre dois pontos. Muito melhor que uma unanimidade falsa é a clareza resultante da pluralidade de posições.

Muito mais salutar seria abrirmos agora a “Caixa de Pandora”: porque se dela podem sair muitos males, não há dúvida que a esperança permanece lá dentro.



[1] Damos agora, muito sinteticamente, o estado da nossa reflexão, e fazemo-lo com muito gosto no Brasil, e novamente pela mão do nosso querido amigo prof. Dr. Jean Lauand, da USP, que deu visibilidade às nossas primeiras reflexões, as quais correm hoje na internet com muito êxito, mas que, na verdade, necessitam presentemente de revisão. O texto agora publicado tem, naturalmente, uma pré-história, como verificarão os mais atentos. O seu mais imediato antecessor é o nosso A revolução constitucional europeia – reflexões sobre a génese, sentido histórico e contexto jurídico de um novo paradigma juspolítico, participação no “Colóquio Ibérico sobre a Constituição Europeia”, Actas, Coimbra, Coimbra Editora / Universidade de Coimbra, Studia Iuridica 84, homenagem ao Doutor Francisco Lucas Pires, 17 e 18 de março 2005, pp. 279-323), do qual é, de alguma forma, uma versão depurada, corrigida, e actualizada. Nesse texto se encontram, em nota, os respectivos “antecedentes” e fontes. Limitamos aqui as referências bibliográficas e as notas de rodapé ao mínimo. Novos desenvolvimentos se encontram em preparação.

[2] Cf. já o nosso ainda “intermédio” desabafo de há um ano atrás: Tempos de Sancho – A Constituição Europeia e os Ventos da História, in “Videtur”, n.º 28, 29 de Junho 2004.

[3] LASSALE, Ferdinand — O Que é uma Constituição Política?, trad. port., Porto, Nova Crítica, 1976, máx. p. 36: “Todos os países possuem, e terão de possuí-la sempre, uma constituição real e efectiva. É errado pensarmos que a Constituição é uma prerrogativa dos tempos modernos.”; SOARES, Rogério Ehrhardt — O Conceito Ocidental de Constituição, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, n.º 3743, p. 36: “Qualquer comunidade política supõe uma ordenação fundamental que a constitui e lhe dá sentido – possui uma constituição”. Um outro matiz se poderá quiçá encontrar em MIRANDA, Jorge — Manual de Direito Constitucional, II. Constituição, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2000, p. 13: “Em qualquer Estado, em qualquer época e lugar (repetimos), encontra-se sempre um conjunto de regras fundamentais, respeitantes à sua estrutura, à sua organização e à sua actividade – escritas ou não escritas, em maior ou menor número, mais ou menos simples ou complexas. Encontra-se sempre uma Constituição como expressão jurídica do enlace entre poder e comunidade política ou entre sujeitos e destinatários do poder.”

[4] Cf. o nosso Teoria da Constituição, I. Mitos, Memórias, Conceitos, Lisboa / São Paulo, 2002, máx. p. 301 ss.

[5] GARRETT, Almeida — Obras de..., Porto, Lello, s/d, 2 vols., vol. I, máx. pp. 932-933.

[6] Neste sentido, CANOTILHO, José Joaquim Gomes — Precisará a Teoria da Constituição Europeia de uma Teoria do Estado?, in Colóquio Ibérico sobre a Constituição Europeia”, cit., p. 665.

[7] Cf., por todos, os nossos “A Filosofia Constitucional de Mello Freire – o Projecto de Novo Código de Direito Público” e “Ribeiro dos Santos vs. Mello Freire – A Formidável Sabatina Setecentista”, in Temas e Perfis da Filosofia do Direito Luso-Brasileiro, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2000, pp. 71 ss. e 137 ss.; PEREIRA, José Esteves — O Pensamento Político em Portugal no Século XVIII. António Ribeiro dos Santos, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1983, e a nossa tese Mythe et Constitutionnalisme au Portugal (1778-1826) Originalité ou influence française?, Paris, 1992.

[9] Cf., por último, o interpelante estudo que alguns dizem “sócio-teológico” de NEVES, Fernando dos Santos – Do Ecumenismo Cristão ao Ecumenismo Universal, nova edição, Lisboa, EUL, 2005.

[10] SOUSA, José Pedro Galvão de / GARCIA, Clovis Lema / CARVALHO, José Fraga Teixeira de — Dicionário de Política, São Paulo, T. A. Queiroz Editor, 1998, p. 229.

[11] PESCATORE, “Foreward”, in Sadalow e Stein, Courts and Fee Markets, X, apud J. H. H. WEILER — La Costituzione dell’Europa, p. 511 (tradução nossa).

[12] SANTOS, António de Almeida — “União Europeia: Projecto portador de Futuro ou Santa Casa da Misericórdia?”, in Civismo e Rebelião, Mem Martins, Europa-América, 1995. Cf. ainda, mais recentemente, Idem — “Globalização e Anti-globalizaçao”, in Picar de novo o porco que dorme, Lisboa, Editorial Notícias, 2003, p. 168. Concedendo a existência de aspectos federalistas, já QUADROS, Fausto de — Direito Comunitário I, p. 55 ss..

[13] GROSSI, Paolo —  Dalla Società di Società alla Insularità dello Stato fra Medioevo ed Età Moderna, p. 25,

[14] LAMAS, Félix Adolfo — Autarquía y Soberanía en el Pensamiento Clásico, in Quale Costituzione per Quale Europa, org. de Danilo Castellano, Nápoles, Edizioni Schientifiche Italiane, 2004, pp. 130-131.

[15] Cf., por todos, não há muito e em língua portuguesa, KRITSCH, Raquel — Soberania. A Construção de um Conceito, São Paulo, USP / Imprensa Oficial do Estado, 2002.

[16] Cf., v.g., QUADROS, Fausto de – O Princípio da Subsidiariedade no Direito Comunitário após o Tratado da União Europeia, Coimbra, Almedina, 1995; PIRES, Francisco Lucas – A Política Social Comunitária como exemplo do Princípio da Subsidiariedade, in “Revista de Direito e de Estudos Sociais”, Coimbra, Almedina, Julho-Dezembro de 1991, ano XXXIII (VI da 2.ª série), n.os 3-4, pp. 239-259. No plano filosófico-social e político, cf., por todos, a síntese de MONZEL, Nikolaus — Katholische Soziallehre II, Colónia, J. P. Bachem, 1967, versão cast. de Alejandro Estebán Lator Rós, Doctrina Social, Barcelona, Herder, 1972, p. 221 ss.

[17] Sábias palavras de WEILER, J. H. H. — The Constitution of Europe, Cambridge, Cambridge University Press, trad. it. de Francesca Martines, La Costituzione dell’Europa, Bolonha, Il Mulino, 2003, p. 640, que significativamente prossegue sublinhando a importância “constituinte” da dos cidadãos e dos intelectuais, para além da Convenção e da Conferência governativa.