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Probatum per testes: a Noção de
Público nas Decretais Pontifícias
sobre o Matrimônio no Início do
Século XIII

 

Marcelo Pereira Lima*

Introdução

Cada vez mais os historiadores influenciados pela antropologia encontram interesse em elementos de poder aparentemente secundários: negociação, compromisso, reconciliação e formas engenhosas de resistências frente às instituições coercitivas. O campo do Direito medieval tem sido palco de desenvolvimento do que a historiografia de idioma anglo-saxão chama de "conflict studies", numa clara alusão à complexidade das relações entre indivíduos e grupos sociais diante da força atribuída às instituições no processo histórico (Brown; Gorecki, 2003).

De fato, durante o governo de Inocêncio III (1198-1215) as instituições pontifícias se esforçaram em elaborar normas ligadas ao comportamento conjugal de diversos indivíduos e grupos sociais: estipulou o caráter sacramental do matrimônio pautado na indissolubilidade; preferiu a monogamia; condenou a fluidez das relações situadas dentro dos laços de parentesco; argumentou que a coabitação legítima tornava o vínculo edificante à medida que enaltecia o consenso das partes; dignificou o casamento entre adultos, leigos e cristãos, soerguendo-se contra o concubinato e o casamento dos sacerdotes etc. Associado a tudo isso, o papado desejou também deslocar o casamento da esfera privada para a pública, estabelecendo constantes compromissos com seus interlocutores sócio-culturais e políticos. Nesse sentido, o papel das testemunhas, como caminho para constituir ou dirimir as relações conjugais, é um elemento relevante para discutirmos o aspecto público atribuído ao casamento pelos reformadores papais. [1] No fundo, um regime de verdade era o que se ansiava para dar às instituições pontifícias seu preconizado posicionamento de árbitro do mundo.

Neste artigo, o objetivo principal é discutir o papel das testemunhas nos processos jurídicos sobre o matrimônio direcionados aos tribunais papais do início do século XIII, sem deixar de demonstrar as diversas formas de negociação e compromissos assumidos pelas instituições coercitivas em questão. Ou melhor, não almejamos pensar somente as diferenças entre práticas e representações locais com as práticas e representações jurídicas do papado, ou seja, o ideal papal e as consideradas transgressões da população. Acima de tudo, o que se quer destacar são as relações entre o ideal matrimonial assumido pelo papado e as práticas legislativas, acentuando os ajustes que estas últimas suscitaram na política reformadora. Para tal tarefa, usaremos como fonte principal as decretais pontifícias inocencianas, que tratam direta ou indiretamente do assunto, assim como analisaremos alguns cânones conciliares de Latrão IV, de 1215, dedicados à temática. [2] Antes, porém, faz-se necessário pontuar algumas reflexões sobre o discurso jurídico. 

1. O discurso jurídico: algumas considerações teóricas e metodológicas

Certa vez Jacques Chiffoleau destacou o caráter problemático que o tema “direito” possui para os medievalistas, pois ele continua sendo um campo de difícil interpretação, especialmente quanto à definição de seu lugar exato na análise das transformações sociais (Chiffoleau, 2002,  p. 333). Por um lado, se pensa o direito como uma simples produção ideológica, que apenas recobre as relações sociais e que em quase nada contribui para sua constituição. Nesse caso, estudar o campo jurídico significaria ter acesso às práticas sociais expressas pelas normas legais, algo transparente, direto, automático e unilateral, que repetiria, em outra instância, as relações sociais. Por outro lado, o direito também parece ser visto como algo formal e autônomo, cuja “eficácia específica”, por vezes, serviria simplesmente como “um banal instrumento do poder” (Chiffoleau, 2002,  p. 333).

Em certa medida, essa dicotomia interpretativa decorre da resistência de se reconhecer o direito não somente em sua eficácia simbólica como também a partir, evidentemente, da sua contextualização histórica. É bastante útil se romper com a dicotomia rígida entre o “material” e o “ideal” no campo da análise historiográfica, pois, afinal, se as normas e práticas jurídicas fazem o mundo social, isto é, dão um determinado sentido a ele, também não seria coerente dizer que elas são feitas pelo mundo social? Como forma de fugirmos das posturas extremas, talvez, seja um caminho promissor pensarmos o “direito” como práticas discursivas, ou melhor, é necessário encará-lo dentro de processos de (re)construções de sentidos ou dos usos simbólicos elaborados em diferentes tempos, algo complexa e dialeticamente articulado com as práticas e concepções sócio-culturais, políticas, morais, religiosas, portanto, históricas.

Nesse sentido, em nosso artigo, nos inspiramos na proposta de Eni Pulcinelli Orlandi quando aponta que a linguagem e o discurso são parte de um trabalho simbólico, de um processo de produção. Para nosso objeto de estudo, isso significa dizer que o campo jurídico das decretais faz parte de um processo histórico de produção e, por esse motivo, ele deve ser pensado como um trabalho simbólico dinamicamente articulado ao programa de reforma social proposto pela Sé Apostólica. O discurso jurídico das cartas papais não pode ser visto apenas como suporte para o pensamento nem como simples instrumento de comunicação. É preciso deslocar a importância excessivamente dada à função referencial da linguagem e dizer que nossa proposta se casa com a perspectiva da analise de discurso, pois, como destaca Orlandi, “tomar a palavra é um ato social com todas as suas implicações: conflitos, reconhecimentos, relações de poder, constituição de identidades” (ORLANDI, 2001, p. 17). Portanto, palavras, expressões, frases, um sintagma ou mesmo trechos inteiros serão aqui encarados e recortados como suporte para perseguirmos nosso objeto teórico, isto é, o discurso jurídico pontifício sobre as testemunhas. 

2. O discurso jurídico medieval e as testemunhas

No século XIX, instalou-se uma oposição radical entre duas interpretações do direito medieval. Por um lado, havia os “romanistas”, convictos de que o sistema jurídico legado por Roma jamais desapareceu inteiramente do Ocidente porque era considerado excelente, e, por outro, os “germanistas”, convencidos da ruptura gerada pelas invasões germânicas, da força singular e da liberdade dos costumes bárbaros (CHIFFOLEAU, 2002, p. 335). Essa tensão historiográfica engendrou perspectivas que viam duas heranças continuamente reiteradas na Idade Média.

No lado “germanista”, as pesquisas realizadas principalmente na França, na Alemanha, na Itália e logo em toda a Europa, por vezes influenciadas por um nacionalismo romântico, levaram à valorização das “origens” medievais das instituições modernas. Elas viam nas leis a manifestação essencial e pura dos costumes germânicos, dos valores comunitários bárbaros, da personalidade das leis, enfim, de uma espécie de Volksgeist, “espírito do povo”, capaz de fornecer autenticidade jurídica imutável produzida pela criatividade dos francos, visigodos, lombardos, burgúndios etc. na Alta Idade Média e que teria grande penetração na Baixa Idade Média. Como aponta Emanuele Conte, os “germanistas” do século XIX tendiam a apresentar a concepção negociada da lei comum, influenciada pelos costumes bárbaros, como uma das numerosas contribuições dos povos germânicos para formação do direito medieval (CONTE, 2002, p.1596).

No lado “romanista”, os juristas eruditos oitocentistas viam as práticas e princípios romanos e a própria romanidade como algo às vezes oculto e enfraquecido, mas sempre presente durante a Idade Média. Em grande medida, a visão de que as elaborações romanas atravessaram os séculos intocadas pelo tempo, devido a sua intrínseca racionalidade, eficácia e superioridade, repousa num humanismo burguês do século XIX, que interpretava o direito romano como único instrumento jurídico capaz de legitimar a construção da coisa pública na forma do direito estatal (CHIFFOLEAU, 2002, p. 337). No fundo, essa perspectiva ressalta a perenidade dos aspectos formais do direito clássico e pós-clássico ao longo do tempo, sugerindo uma independência do campo jurídico frente às transformações sociais medievais. [3]

Nos últimos anos, os historiadores do direito medieval têm destacado a impossibilidade de interpretarmos a experiência jurídica entre o mundo antigo e o moderno como uma unidade substancial de princípios. Longe de uma Idade Média que conservava sua identidade jurídica profunda, permanente e imutável de matriz “romana” ou “germânica”, autores como Mario Aschesi e Ennio Cortese insistem na historicidade do direito, mostrando que a história - jurídica ou não - é o lugar da diferença e da contradição (ASCHESI, 1999; CORTESE, 1995). Inspirando-nos nessa perspectiva, sustentamos que a diversidade e as contradições dos episódios legislativos e das tradições jurídicas medievais são o pano de fundo da atuação do papado, instituição em que estamos particularmente interessados. É nessa Idade Média plural e dinâmica que gostaríamos de vincular a experiência jurídica pontifícia sobre papel das testemunhas nas relações conjugais.

Sigamos essa orientação. Durante a Idade Média, o matrimônio continuou sendo em grande medida uma prática privada e adequada aos costumes locais. Dependendo das condições históricas de possibilidades, as práticas e concepções ligadas ao casamento poderiam estar indefinidamente mais “romanizadas” ou “germanizadas” e, de forma alguma, podemos aceitar as interpretações rígidas e polarizadoras. Por isso, de fato, tais relações devem ser pensadas sempre em seu sentido plural, já que era uma instituição especialmente construída com base nas práticas e representações dos grupos sociais dos quais fazia parte. Todavia, para o papado, o matrimônio era também uma relação jurídica que possuía sua dimensão pública, particularmente vinculada às (re) apropriações feitas a partir da leitura do direito romano clássico e pós-clássico. Mas não nos enganemos:  o vocabulário romano se transformou continuadas vezes ao longo da Idade Média. É inegável: o direito das decretais tomou de empréstimo a língua, as noções e o vocabulário antigos que se fizeram presentes “nos sagrados cânones”, in sacris canonibus. Sem dúvida, o papado herdou as tradições antigas anteriores, mas o fez designando instituições completamente diferentes, com conteúdos e atitudes novas produzidos nos séculos XII e XIII.

O direito clássico e pós-clássico foi “redescoberto” ou reconstituído às expensas do “renascimento” intelectual dos séculos XII e XIII, quando, à luz de esforços compiladores precedentes, foram compostas glosas e uma reedição do Corpus iuris civilis (Codex, Digestae, Institutas e Novaes), que era o Direito Romano elaborado a partir de uma mistura de leis, consultas senatoriais, decretos imperiais, casos jurídicos e apreciações de juristas. Para Jacques Verger, foi “no segundo terço do século XII e também em Bolonha, que o direito canônico se tornou verdadeiramente uma disciplina acadêmica” (VERGER, 1999, p. 45, ). Esse esforço pela busca e formação de obras canônicas chegou à cúria papal. As compilationes compostas a partir de 1191, por exemplo, marcaram a aparição de coleções propriamente pontifícias, fundamentadas em cartas e sentenças papais, e vinculadas também à sacra pagina (Escrituras), à patrística, aos costumes, às atas conciliares etc. Embora alguns desses textos enfeixados nunca tenham sido reconhecidos oficialmente, eles antecipavam um novo momento para o esforço de controle papal sobre o direito canônico, fazendo dos séculos XII e XIII um período de inflexão (VERGER, 2001, p.103).

Sem dúvida, as informações registradas em diversos compêndios eram a evidência de um empreendimento de atualização, de resignificação e, muitas vezes, de expurgo, mas também exibia a continuidade de uma relativa mentalidade de conservação. Conserva-se para servir à memória, para durar e servir ao tempo (LIMA, 2001, 64-65). Assim, talvez as grandes mudanças dos séculos XII e XIII, com a formação da “ciência escolástica”, a expansão dos centros urbanos, o desenvolvimento do comércio, a emergência de grupos laicos urbanos e a formação de centros de saber e poder universitários tenham algum impacto na dinâmica das atividades jurídicas papais. Mas essa relação não é unilateral. Diante de um mundo em transformação, o papado precisou se adaptar permanentemente para afirmar seus projetos de reforma social. Em parte, devemos a esse esforço de adaptação nosso conhecimento das atividades jurídicas do papado sobre o casamento, já que foi em resposta às demandas de seu tempo que os reformadores romanos produziram sua correspondência em forma de legislação e imprimiram uma desejada aparência pública ao casamento e às testemunhas.

Georges Duby já havia nos esclarecido sobre as várias acepções que os termos privatus e publicus adquiriram na Idade Média, acentuando a necessidade de relacionarmos esse vocabulário aos movimentos que o sacudiam no campo social (DUBY, 1990, p. 25). No período em estudo, pelo menos para algumas situações, o privatus e o publicus se opunham. [4] Em diversos contextos, o primeiro termo denotava relações íntimas, reservadas, pessoais, particulares, domésticas e, algumas vezes, resistentes à atuação de certas autoridades públicas. Já o segundo, pelo contrário, estaria mais relacionado ao ostensivo, ao claro, ao manifesto ou  àquilo que não poderia ou deveria ser ocultado. Sem dúvida, esse último aspecto tem precedentes nas heranças jurídicas clássicas, apropriadas e cristianizadas continuadas vezes desde a Alta Idade Média, mas que não desapareceu com a ruralização e a fragmentação política medievais. Todavia, o “renascimento” do direito clássico e pós-clássico nos séculos XI ao XIII, na sua forma romano-canônica, representava muito mais um conjunto novo de reelaborações jurídicas do que uma repetição nostálgica e imutável da experiência do direito antigo.

No mundo antigo, a preocupação jurídica com o casamento e a sexualidade era uma constante. Por exemplo, no Corpus iuris civilis, principalmente no Codex e nos Digestae, continha disposições sobre a obrigação civil dos patrícios de casarem seus filhos, a ênfase na questão do consentimento mútuo do casal, o direito de vida e morte da patria potestas nos casos de adultério, os direitos do marido sobre sua esposa, o concubinato, a prostituição, o divórcio etc. Segundo Paul Veyne, o casamento romano antigo “é um ato privado, um fato que nenhum poder público deve sancionar”, um contrato não escrito e até informal, sem nenhum gesto simbólico obrigatório (VEYNE, 1989, p. 45). Ainda segundo Veyne, na falta de gesto ou escrito formais, em caso de litígio os juizes, quando admitidos, decidiam pelos indícios considerados atos inequívocos, “tais como a constituição de dote, ou gestos que comprovam a intenção de ser esposo: o suposto marido sempre havia qualificado de esposa a mulher com quem vivia; ou ainda testemunhas podiam atestar que haviam assistido a uma pequena cerimônia de evidente caráter nupcial” (Veyne, 1998, p. 46).

Apesar de ser uma instituição privada, não escrita e, por vezes, informal, em determinadas situações admitia-se algum elemento público nas relações conjugais na Antigüidade. Por exemplo, do ponto de vista jurídico, se um homem preferisse permanecer “com uma mulher de caráter respeitável e livre de nascimento em concubinato não pode fazer isso sem abertamente sustentar esse fato na presença de testemunhas”. [5] Da mesma forma, se “um marido surpreender um homem adúltero com sua esposa, a quem não quer ou não pode matá-lo, ele pode mantê-lo [em sua casa] por não mais de vinte horas consecutivas do dia e da noite, a fim de obter evidência do crime, e para que faça uso de seu direito sem comprometê-lo”. [6] Obviamente, no trecho “a fim de obter evidência do crime” subentende-se a necessidade de se introduzir testemunhas que comprovassem o adultério. Em outras situações cogitadas pelo direito antigo, a expressão “publicis indicii” era usada para apontar a compleição manifesta dos problemas conjugais que precisavam ser resolvidos.

Pelo menos para as fontes citadas, o elemento público das relações conjugais parece-nos superficial e secundário. Sem dúvida, ele está subordinado juridicamente aos trâmites ideológicos de cunho privado. Não é casual que em matéria de casamento “ninguém passa diante do equivalente de um juiz ou de um padre” no mundo antigo (Veyne, 1998, p.45). Certamente, as normas pontifícias do século XIII encarnavam uma acepção de público bastante diferente, algo próximo do que foi sugerido por Duby. A descontinuidade é evidente: por um lado, o matrimônio antigo e pagão pertencia ao direito privado e representava um dever cívico ou uma responsabilidade moral de ter filhos para garantir a continuidade do nome do pai, da linhagem etc., mesmo que fosse normatizada por magistrados e imperadores. Que fosse sugerida alguma solenidade e a presença marginal de testemunhas; por outro lado, à luz do processo de reforma social no século XIII, para as autoridades pontifícias a ordem pública deveria estar presente em todas as fases do casamento, ou seja, da celebração até o divórcio. A presença da Igreja na vida dos cônjuges deveria ser o diferencial, na medida em que se almejava o controle do corpo dos fiéis sob a liderança de sua cabeça. [7]

No período do governo de Inocêncio III, o movimento de reforma ganha uma formulação adequada ao contexto de consolidação das instituições pontifícias. Para uma bula de convocação do IV Concílio de Latrão, elaborada em 1213, a propósito da reformationem universalis Ecclesiae, os conceitos de reforma e de Igreja estão completamente coadunados com as propostas  estabelecidas pela Sé: o interesse era alterar e influir no cotidiano das pessoas. Para essa fonte, o concílio de Latrão deveria ser reunido com a finalidade de “extirpar os vícios e implantar a virtude, corrigir os abusos existentes, e reforçar os costumes, suprimir as heresias e fortalecer a fé, acalmar as discórdias e reafirmar a liberdade, induzir os príncipes e aos povos cristãos a socorrer e apoiar a Terra Santa com a ajuda dos clérigos como também dos leigos e para resolver várias questões que seriam muito longo enumera-las”. [8] São valores reformadores que previam unanimidade. Que prescrevia comportamentos morais adequados. Que via a Igreja como um corpo terrestre e visível. Que, por fim, buscava o controle do corpo por sua cabeça, isto é, do populus christiani pela Ecclessia Romana, por vezes,  representada como a encarnação de toda a Igreja.

Indubitavelmente, esses valores reformadores influíram na prática discursiva do papado sobre as relações conjugais. O cânone 51 de Latrão IV destacava que “os matrimônios em vias de serem contraídos deverão ser publicados por presbíteros [sacerdotes] nas igrejas(...)”. [9] O advérbio publice já denotava a marca que o cânone queria explicitar: diferente do “costume de alguns lugares”, quorumdam locorum consuetudinem, o casamento deveria ser manifesto, não clandestino. Como deixa implícito o cânone, havia a possibilidade das relações conjugais serem contraídas privadamente, mas logo deveriam ser publicadas e controladas em espaços eclesiásticos. Como aponta Christopher Brooke, referindo-se ao autor Richard Helmhoz, o que estava em jogo não era a concorrência entre as jurisdições secular e eclesiástica em matéria conjugal. (BROOKE, 1989, p. 116) O problema maior estava “em fazer com que as disputas matrimoniais fossem a tribunal”, isto é, a questão “estava no fato de as pessoas pensarem que podiam resolver elas próprias os problemas do casamento”. (BROOKE, 1989, p. 116 ). O papado admitia, por vezes, a jurisdição secular em questões matrimoniais. Era uma concessão possível. [10] Todavia, a Igreja de Roma se interessou muito mais em trazer para a órbita do tribunal eclesiástico em geral ou pontifícia em particular as disputas matrimoniais antes resolvidas em outras instâncias jurídicas privadas. 

Essa aparência pública que se queria dar ao casamento era reafirmado especialmente nas situações litigiosas. Em 1205, um bispo havia notificado ao tribunal pontifício o caso de um cavaleiro que teria se separado de sua esposa, afirmando que “tinha atingido aquela mulher em quarto ou quinto grau de consangüinidade”. [11] Porém, aponta a carta em resposta ao bispo, ela teria demonstrado “suficientemente, por testemunhas”, que tinha não só coabitado por oito ou dez anos com  o marido, como também tivera dois filhos da relação. O caso provavelmente era de difícil resolução para o bispo, na medida em que notificou às autoridades pontifícias que havia uma possível antinomia entre certa decretal de Alexandre III (1159-1181) e os “antigos cânones”, veteres canones. [12] Desse modo, na interpretação do bispo, tal casamento não deveria ser dissolvido como tinha sido supostamente designado pelas decretais daquele papa. A autoridade episcopal teria visto uma contradição na norma, pois, já que o casamento era suspeito de incesto, como poderia continuar a existir?

A decretal esclarece a situação: “(...) se alguém conduziu uma mulher diante da Igreja e por longo tempo coabitou com ela, não deve ser admitido para a acusação, exceto se outras pessoas idôneas mostrem-se carentes de suspeitas.” [13] Para esse caso em particular, o marido não poderia denunciar a própria relação por seu interesse particular. Afinal, o casamento fora celebrado “diante da Igreja”, in facie Ecclesia, e, ao lado da convivência, isso lhe daria existência jurídica apesar da denúncia de parentesco.

Esse trecho ainda marca outro aspecto que constantemente tomou a atenção das autoridades papais: o lugar das “pessoas idôneas”, idoneae personae, nos processos judiciais. No fragmento anterior, o casamento poderia ser dirimido por pessoas insuspeitas. Há, em outras decretais analisadas, exemplos dessa mesma questão. Quando um cidadão, civis, chamado N. de Camilla, casou-se legitimamente com sua mulher, a relação fora denunciada pela sogra que “se esforçou a acusar o matrimônio para que extorquisse dele algum dinheiro.” [14]   Em resposta às autoridades eclesiásticas que informaram o caso, o papado foi incisivo: “as malícias dos homens” não podiam ser perdoadas e, por isso, a mulher deveria ser repelida pela acusação infundada e sobre esse assunto as autoridades locais deveriam impor silêncio: a mulher tinha que ser calada. [15]

O IV Concílio de Latrão instituiu uma resolução com pretensões universais à luz das decisões particulares já sugeridas nessas decretais. Como demonstra o cânone 51, “se para impedir uma união legítima  alguém obstasse um impedimento maliciosamente, ele não fugirá do castigo eclesiástico.” [16] Essas restrições tinham o papel de servir para inibir processos considerados fraudulentos, isto é, evitar o falsum testimonium e as calumniae. [17]

Assim como os acusadores, as testemunhas também deveriam ser idôneas. A marca mais evidente da qualificação pública dada pelo papado à instituição matrimonial pode ser identificada no tratamento dispensado às pessoas convocadas aos tribunais eclesiásticos para atestarem a acusação ou a defesa dos envolvidos. Algumas decretais explicitaram claramente quais e quando as testemunhas deveriam ser consultadas e chamadas ao tribunal para se resolver problemas. O bispo da Igreja de Santo André (Igreja Scoticana) tinha solicitado ao papado apoio para resolver o problema estabelecido com um casal de leigos que havia se separado. Segundo o documento, várias testemunhas teriam sido chamadas por ambas as partes e a mulher teria comparecido à presença do bispo, demonstrando que o matrimônio fora publicamente celebrado e que a relação teria gerado um filho. O homem, pelo contrário, havia negado o ocorrido.

Havia um problema no processo litigioso: algumas testemunhas se calaram. A resposta papal foi tríplice: a) era necessário que os presbíteros dissessem “pelas igrejas publicamente para que aquele que informou algo para o fim que é fixado, que saia e proponha”; b) para as testemunhas que chegassem depois e carecessem “de suspeita não devem ser repelidas para acusação e para defesa [no processo judicial]”; c) Mas “se as [pessoas] reunidas pelos presbíteros calam e depois desejam acusar ou ser defendidas, assim como os suspeitos, que sejam repelidas pelo mérito”. [18]

O meritum era a virtude almejada pelo papado para as chamadas testemunhas idôneas: ele edificava, distinguia as pessoas, separava o joio do trigo, autorizava a confiabilidade do que era dito. Mas quem poderia representar esse papel nos tribunais? As decretais deixam entrever claramente em quem as autoridades pontifícias pensavam quando tocavam na questão das testemunhas. Uma carta ao prior de Arles, inspirada nas Sagradas Escrituras, busca validar a necessidade de certas testemunhas. O objetivo era comprovar o parentesco num caso de denúncia de casamento consangüíneo. O trecho bíblico citado na decretal foi o de Mateus sobre a “correção fraterna”: “Assim, enfim, no Evangelho está contido: se tiver pecado, contra ti, o teu irmão, somente corrige-o entre ti e ele [a sós]. [Mas] se não tiver te ouvido, junta-te uma ou duas testemunhas”. [19]   O termo “frater” foi empregado aqui para designar um membro da comunidade cristã, semelhante ao texto bíblico: isso dava contornos ao papel dos fiéis na alteração do comportamento de outros cristãos.

O apelo à correção da comunidade cristã é evidente na apropriação do texto bíblico pela decretal: desloca-se seu sentido para o uso jurídico. O caráter moral das testemunhas repetidas vezes foi evidenciado na medida em que elas deveriam ajudar a dirimir os problemas da comunidade cristã.  As questões matrimoniais, especialmente quando eram litigiosas e suspeitas, não foram consideradas pelas autoridades pontifícias como negócios limitados absolutamente ao campo privado do casal. Preferencialmente, os problemas nas relações conjugais não eram para ser resolvidos a sós. A fraternae correctionis, portanto, ganhou seu paralelismo na ordem pública almejada pelo papado. Os tribunais eclesiásticos deveriam ser o palco principal dessa correção. Na mesma decretal, o trecho bíblico também serviu de prelúdio para identificar as testemunhas que deveriam ser admitidas. Entre elas figuravam não só os domestici como também os  affines, quer dizer, todos os “familiares” que poderiam ser solicitados por supostamente conhecerem melhor a vida do casal. [20] Ou melhor, todos os parentes, amigos, vizinhos, dependentes, servidores etc., que contribuiriam para se chegar à “verdade” dos fatos. [21] No tempo de Inocêncio III, as atitudes do populus christianus ou da christianitas, termos freqüentemente identificados à noção de Ecclesia, precisavam ser reformadas para se coadunarem à ordem social regida pela Sé Apostólica: os próprios cristãos deveriam tomar partido nesse empreendimento (CONGAR, 1997, p.243-245). No corpo, os membros participavam dos desígnios da cabeça.

O juramento das testemunhas sobre as Sagradas Escrituras poderia ser admitido? As decretais investigadas não o dizem. Mas alguma coisa bastante diferente dos costumes jurídicos de determinadas regiões mais “germanizadas” poderia soerguer-se: não há uma prática religiosa arraigada no pensamento mítico, ritualístico, pautado na revelação da verdade pelo ordálio. Neste caso, a prova judiciária é feita com a concorrência de elementos da “natureza” e o resultado era interpretado como a eficácia do julgamento divino, um juízo atestador da culpa ou inocência. Numa instituição cristianizada à “romana”, o parâmetro da prova é outro. A culpa ou a inocência é mais “sociologizada” e “laicizada” dentro do projeto de reforma social do papado? Vejamos: as pessoas convocadas aos tribunais eclesiásticos deveriam prestar juramento e ser ouvidas: “recebe-se também o testemunho de auditu, cuja visão de compensação [equilíbrio] estabeleceu-se pelos sacros cânones para que o acusador com alguma solenidade, portanto, pelo juramento, seja aceito.” [22] O processo deveria ser um ritual solene, portanto, manifesto, incluindo-se a prestação de juramento para que as testemunhas fossem aceitas pelos tribunais. Na falta de testemunhas oculares, algumas decretais admitiam o testemunho “de ouvir falar”, de auditu, nos processos jurídicos.

Mas essa aceitação deve ter gerado alguns problemas para os processos judiciais pontifícios, pois o apelo à memória coletiva poderia gerar falsum testemunium ou calumniae. Possivelmente, foi por esse motivo que o IV Concílio de Latrão alterou aquilo que fora anteriormente aceite como norma pelas decretais. Para o cânone 52, as “formas admitidas”, communem formam, previam os testemunhos de auditu para a determinação dos graus de afinidade e consangüinidade. [23] Até então, esclarece o decreto, devido à brevidade da vida humana, não havia geralmente testemunhas de visu para o cálculo até o sétimo grau de parentesco. No entanto, a “necessidade”,  “os vários exemplos” e as “experiências” fizeram com que o papado mudasse sua postura diante do preceito canônico aceito na prática legislativa: as testemunhas de auditu podiam gerar perigos para os matrimônios considerados legítimos. [24] Era necessário que não fossem admitidas, pois, justifica o decreto, o impedimento “foi reduzido até o quarto grau”. [25] Ou seja, o rebaixamento do sétimo para o quarto grau foi o argumento utilizado para alterar outra norma. Afinal, para o papado não havia mais motivos para o uso de testemunhas de auditu, pois, com este novo preceito, já seria possível encontrar pessoas para servirem como testemunhas oculares,  de visu, nos casos judiciais. Portanto, o apelo a uma espécie de “memória auditiva” se tornou juridicamente suspeito. Talvez, as motivações para alteração da norma possam ser encontradas nos numerosos problemas enfrentados pela Sé: diante das pressões sociais, das solicitações de licenças, das críticas, capitula-se, sem comprometer as funções dos tribunais eclesiásticos.

Nos processos matrimoniais não se deixou de dar crédito potencial a uma espécie de “opinião pública". Na Antiguidade Tardia, a compilação justiniana reuniu alguns preceitos morais sobre esse aspecto. Um exemplo: “na união entre homens e mulheres não se deve considerar somente o que é legal (lícito), mas também o que é honesto (decente)”. [26] Esse preceito encerrava algo que ultrapassava as leis e deveria localizar-se igualmente no âmago das relações socialmente aceitas. Daí os “indícios públicos” se tornarem, por si sós, indicadores da responsabilidade pela transgressão, quando não há explicitamente um acusador.

O papado no século XIII preocupou-se também com os “públicos indícios”, mas o fez de forma a legitimar a ordem eclesiástica e pontifícia desejadas. Independente do vocabulário usado para nomear o delito cometido e passível de punição (delictum, crimen, peccatum, flagilium, acelus etc.), para casos específicos havia certa tendência para dar uma conotação pública às ações reprovadas pela Sé Apostólica. No período de Inocêncio III, ao lado dos denunciantes individuais, os processos sugeridos pelas decretais fixavam as noções de “opinião pública”, publica fama, “dos escândalos”, scandala, da  “má fama”, mala fama, da infamia e do clamor publicus como motivações ou justificativas para os processos judiciários e as punições (LIMA, 2001, p. 64). Os “públicos indícios”, portanto, eram uma evidência por si só atestadora.

Um outro problema enfrentado pelas autoridades pontifícias era a contradição das testemunhas convocadas  nos tribunais eclesiásticos. Até onde podemos inferir das cartas, o papado foi chamado a aconselhar as autoridades eclesiásticas locais quanto às decisões a serem tomadas para garantir a validade dos testemunhos das pessoas convocadas. O bispo Marsicano enfrentou um caso dessa natureza em sua diocese. Uma mulher de nome Pacífica teria procurado o tribunal eclesiástico alegando que casara legitimamente com um homem, além de ter sido “conhecida carnalmente” por ele, nascendo uma filha da relação. Todavia, o homem teria negado o ocorrido. Segundo a decretal, por diversas vezes, teriam sido convocadas testemunhas das duas partes, mas, de ambos os lados, elas eram contraditórias. Diante disso, o bispo teria solicitado a participação das autoridades pontifícias: “Porque, na verdade, sobre estas opiniões não são somente variadas, mas as recebeste também contrárias, recorrendo para o magistério da sede apostólica, humildemente postulastes o que deve ser feito sobre tais [opiniões contraditórias]”. [27]    

O poder do magisterium idealmente habilitava o papado a decidir os casos considerados  ambíguos e difíceis  de resolver. Apesar da demonstração das incertezas ainda reinantes, a resposta papal terminou contemplando a manutenção do casamento, afirmando que este fora provado por testemunhas, probatum per testes, e que o homem “conheceu a mulher por relação carnal.” [28] De qualquer maneira, tendo ou não o caso se processado tal qual figura o discurso da carta, o que importa dizer é que a situação mencionada aponta para o apresso do papado pelas testemunhas: são elas que fariam as questões ambíguas serem esclarecidas, quando avaliadas por uma autoridade considerada competente.

Uma situação judicial não poderia ser decidida sem testemunhas. Essa era a opinião das autoridades pontifícias quando elaboraram uma resposta às dúvidas do prior de Bolonha e do reitor da Igreja de Boreli. Ambos teriam informado por cartas um caso de uma mulher que teria solicitado a admissão de suas testemunhas para atestar que tinha casado legitimamente com um homem. Segundo a decretal, contrariamente, o homem alegou que não tinha jurado casamento àquela, pois já tinha antes se unido à outra mulher. Diante da ambigüidade, havia dúvidas quanto à admissão das testemunhas da mulher solicitante. Para o papado, era preciso que os argumentos da mulher fossem comprovados por suas testemunhas, ou melhor, a  resolução só poderia ser alcançada mediante avaliação das testemunhas e não da opinião particular e isolada de cada parte. [29]  

Para o papado, ainda, as opiniões contraditórias, as calúnias e perjúrios tornavam as decisões difíceis. Por isso, as testemunhas não eram consideradas fontes de informações definitivas. Freqüentemente, as autoridades pontifícias optaram pela anulação dos testemunhos de acusação, considerados suspeitos por razões diversas. A argumentação se baseou algumas vezes na diferença entre leis humanas e divinas. Como diz uma decretal de 1209 sobre um caso de testemunhas suspeitas: é “mais tolerável unir pessoas contra as leis dos homens do que separar os unidos legitimamente, indo contra as leis do senhor” [por isso] não deve ser concluído pelos testemunhos desta forma a sentença do divórcio”. [30]   Essa decretal parece antecipar o trecho final do cânone 52 do IV Concílio de Latrão, que pontuava que as testemunhas não eram “juízes definitivos” para causas matrimoniais.

Temos a impressão de que as leis papais estavam orientadas por uma “razão prática” e por uma concepção de Igreja como corpo social e jurídico, alguma coisa situada muito longe da identificação entre Igreja e Corpo místico ou, como aponta Agostinho, Igreja e Cidade de Deus. Será que forçamos o sentido dado à Igreja pelas decretais e as fontes conciliares? A Gesta de Inocêncio III diz que este papa interessava-se pelos Scholasticis studiis e era versado “tam in philosophia quam theologia disciplina.” [31] Na mesma documentação, InocêncioIII “fuerit tam in humano quam in divino jure peritus”, isto é,  “[Inocêncio III] foi perito não só no direito humano como também no divino.”  Sem dúvida, dada a formação intelectual dos reformadores romanos, alguma noção mais “sociológica” ou “laicizante” era possível no campo jurídico, porém, acima de tudo, havia a consciência subjacente de que se servia aos desígnios de Deus no plano temporal, nas vicissitudes históricas. Por vezes, o casamento era associado no plano místico à união de Cristo com a Igreja, mas, como vimos mais detidamente, também era visto como um contrato revogável que, contraditoriamente, se queria duradouro, monogâmico e situado fora dos laços de parentesco proibidos, e englobado ao campo de atuação social da Igreja e do papado. 

Considerações finais

O IV Concílio de Latrão veio a coroar todo um processo que já estava presente na tradição decretalista. O casamento in facie Ecclesia, os recursos diante dos tribunais eclesiásticos, o juramento, a solenidade, enfim, as relações conjugais celebradas ou dirimidas “na presença da Igreja” eram marcas fundamentais para a construção da ordem pública almejada pelas autoridades pontifícias. Com valor universalizante, o cânone 52 fixa oficialmente os critérios para a admissão das testemunhas nas causas matrimoniais: o mínimo de duas pessoas devia ser empregado; era necessário se ter como testemunhas indivíduos “dignos de todo o crédito” e “de reputação intacta”; era preciso a identificação nominal das testemunhas e a exigência da obrigatoriedade do juramento para que, nem por ódio, medo ou qualquer interesse, as pessoas prestassem informações imprecisas aos tribunais eclesiásticos etc. [32]   Tudo isso pertencia à esfera dos indícios públicos.

Certamente, as decretais e os cânones conciliares não eram os lugares para o papado teorizar sobre a natureza pública de suas instituições. Mas as idéias ligadas ao publicus expressas nessas documentações, isto é, nas práticas discursivas analisadas, estavam relacionadas à necessidade do papado de tentar subtrair certos aspectos matrimoniais do uso privado. O publicus, como assinalamos, estava ligado ao ostensivo, ao claro, ao manifesto ou àquilo que devia ser evidente e não podia ser ocultado. Por isso, a luta contra as uniões consideradas clandestinas foi uma constante na prática legislativa papal. Dada a constância de casos que alcançavam a cúria, é provável que esse esforço não tenha surtido o efeito desejado pelo papado, ideologicamente convicto da eficácia e do poder de suas normas, porém, é preciso ressaltar que os reformadores romanos se apropriaram de noções jurídicas tradicionais, desenvolvendo-as e dando-lhes novos sentidos ao sabor das exigências e pressões sociais de seu tempo. Por isso, esses reformadores não deixaram de estabelecer negociações, compromissos e formas engenhosas de alteração das normas. Como vimos, apesar do esforço coercitivo e do compromisso com as tradições jurídico-canônicas, o papado não deixou de flexibilizar as leis ou mesmo transformar as exceções em regras.

Longe de representar uma eficácia “racional” e imutável, o direito romano-canônico constituiu uma prática discursiva forjada no calor das demandas sociais e eclesiásticas, e estiveram significativamente ligadas à dinâmica do programa de reforma papal do século XIII. Isso faz toda a diferença, pois somente é possível interpretarmos as apropriações do legado clássico e pós-clássico se levarmos em consideração a problemática do tempo. Afinal, ao tomar a palavra nas cartas sobre as testemunhas e a noção de público, os reformadores romanos se posicionaram diversamente diante das demandas e tensões conjugais de seu tempo, estabelecendo, direta ou indiretamente, relações de poder com os vários grupos sociais; eles imprimiram uma existência jurídica e pública ao casamento e, ao mesmo tempo, constituíram uma identidade hierárquica do mundo social.

As decretais queriam trazer determinados aspectos matrimoniais do âmbito privado para o campo das instituições públicas. Desse modo, com intuito de controlar melhor as relações conjugais, exigiam a participação nos tribunais eclesiásticos daqueles que, pretensa e supostamente, podiam esclarecer melhor as expectativas das partes em litígio. Ao que tudo indica, o controle sobre as testemunhas foi uma estratégia pontifícia para subtrair ao uso privado uma ordem matrimonial que se queria pública. O efeito pretendido era tornar o casamento um vínculo “provado por testemunhas”.

Fontes Impressas

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P.L. Liber Septiomus. v. 215, Decretal XVIII, Col. 0573D.

P.L. Liber Septiomus. v. 215, Decretal XVIII, Col. 0574A.

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* Professor Substituto de História Medieval (IFCS-UFRJ). Membro colaborador do Programa de Estudos Medievais do IFCS-UFRJ (http://www.ifcs.ufrj.br/~pem/). Sócio da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais).

[1] Chamamos de “reformadores romanos” àqueles homens dedicados mais diretamente às propostas de reforma social elaboradas por Roma e que, portanto, estavam a serviço das autoridades pontifícias. Por isso, incluímos não só o quadro de clérigos presentes na cúria romana, como também os que oficialmente exerciam alguma função em nome do papado em outras localidades. O termo “reforma” pode ser entendido como um movimento de reformulação da Igreja proposto por diversos setores sociais tais como os projetos provenientes dos poderes seculares, os de origem monástica e as reformas de caráter popular. Empregamos o termo “reforma” como sinônimo de “Reforma Gregoriana”. Como tem assinalado a autora Andréia Frazão “essa expressão não possui precisão científica”, mas é amplamente empregada para designar as propostas de reforma empreendidas sob a liderança do papado. Apesar de imprecisa e encerrar em si uma personalização do movimento de reforma da Igreja, situando-a no período de Gregório VII,  tal como essa autora, entendemos “Reforma Gregoriana o longo e complexo movimento de reformulação da Igreja, promovido pelos pontífices romanos, entre os séculos XI ao XIII. Desenvolvida a partir dos projetos de reforma secular e monástica, tornou-se independente e resultou no nascimento da Igreja Romana enquanto uma instituição jurídico-canônica, na qual a Cúria Papal exercia a direção. Os pontos principais desta reforma foram: a organização de toda a hierarquia clerical tendo na liderança o bispo de Roma; a luta contra a intervenção laica nas questões eclesiais; a moralização do clero e a catolicalização da sociedade.”  SILVA, A.C.L.F.  A Reforma Gregoriana e o Bispado de Santiago de Compostela segundo a História CompostelanaAnuario brasileño de estudios hispánicos,  v. 10,  p. 219, 2000.

[2] As decretais eram respostas dadas por escrito pelo papa ou por seus conselheiros a consultas de clérigos ou de leigos sobre alguma matéria jurídica, moral, política, pastoral etc. De forma geral, eram cartas que funcionavam como verdadeiros rescripta da tradição clássica, mas, apesar de sustentar as regras canônicas, não deixavam de aplicar normas especiais para situações particulares. No fundo, as decretais eram disposições jurídicas, que acumulavam papéis muito diversos, e um dos instrumentos legislativos mais importantes do papado medieval para administrar a Ecclesia universalis. De fato, as decretais são resultados de consultas feitas, previamente, por arcebispos, bispos, abades, priores, juizes, subdiáconos, cardeais, reis, rainhas e outros nobres ou leigos em geral. Todavia, nem sempre os solicitantes formais eram os únicos destinatários, sendo muitas vezes uma coletividade, a fraternitas, a categoria mais usada para se referir ao destino das normas apostólicas. É importante ressalvar que esse último aspecto relacionava-se à necessidade de dar um caráter público aos documentos. Ao menos potencialmente, as decretais eram produzidas para serem lidas, conhecidas e usadas por toda a comunidade eclesiástica local, isto é, a fraternitas. Nas decretais estudadas, em sua maioria, os destinatários eram os clérigos de toda hierarquia eclesiástica. As cartas podiam ser uma única resposta a um conjunto de demandas feitas anteriormente, mas, via de regra, eram resultado de solicitações eclesiásticas específicas sobre um assunto que exigia a jurisdição superior do papado. Até o século XII, as cartas faziam a distinção entre seus destinatários, mas, a partir desse período, usava-se uma terminologia protocolar relativamente impessoal, vos, para se referir aos outorgantes ou aos destinatários. Cf. LIMA, M. P. “As decretais pontifícias.” In: A Igreja Papal e o Casamento: as decretais do pontificado de Inocêncio III (1198-1216). Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do IFCS, UFRJ. Rio de Janeiro,  2001, p. 40-80. Para a consulta das decretais usamos a Patrologia Latina Database, que é uma versão eletrônica da primeira edição da Patrologia Latina de Jacques-Paul Migne, publicada entre 1844 e 1855, e de quatro volumes publicados entre 1862 e 1865. A Patrologia Latina reúnem os trabalhos dos Padres da Igreja  entre Tertuliano, em  200 d.c., até a morte do papa Innocent III, em 1216. É possível solicitar acesso através do site http://pld.chadwyck.com:8085/home/ home.cgi? source=config2.cfg. As referências às fontes seguiram a ordenação proposta por essa versão on-line da Patrologia Latina. Ou seja, respectivamente, após a forma abreviada da expressão Patrologia Latina, P.L., assinalamos a referência em latim do ano, o volume, o número das decretais em algarismos romanos  e as colunas que foram consultadas. 

[3] Neste artigo, toda vez que usarmos as expressões “direito clássico e/ou pós-clássico” estaremos nos referindo, fundamentalmente, aos processos de produção e apropriação do Direito Romano nos primeiros séculos da nossa era e no período de Justiniano. 

[4]   Não sugerimos que essa oposição seja rígida, pois, como sugere Georges Duby, as diferenças entre essas esferas eram uma questão de lugar e poder. Por isso, ambas poderiam conviver e até se relacionar na prática social. O que queremos demonstrar é que o papado, na prática discursiva e legislativa, aplicou algumas noções do público em matéria conjugal. Não podemos esquecer que o termo público ganha sentidos diferentes ao longo da História. Embora de forma generalizante, é interessante lembrar o que aponta George Duby sobre a historicidade do termo, “publicus, na Roma antiga, designava a coisa do povo; na Gália franca, a coisa do rei”  Idem, p. 22-3 e 30.

[5] “In concubinatu potest esse et aliena liberta et ingenua et maxime ea quae obscuro loco nata est vel quaestum corpore fecit; alioquin si honestae vitae et ingenuam mulierem in concubinatum habere maluerit, sine testatione hoc manifestum faciente non conceditur. sed necesse est ei vel uxorem eam habere vel hoc recusantem stuprum cum ea committere: Nec adulterium per concubinatum ab ipso committitur. nam quia concubinatus per leges nomen assumpsit, extra legis poenam est, ut et Marcellus libro septimo digestorum scripsit.” Marcianus 12 inst. Dig.25.7.3pr.

[6] “Capite quinto legis iuliae ita cavetur, ut viro adulterum in uxore sua deprehensum, quem aut nolit aut non liceat occidere, retinere horas diurnas nocturnasque continuas non plus quam viginti testandae eius rei causa sine fraude sua iure liceat”. Ulpianus 2 ad l. iul. de adult. Dig.48.5.26pr. 

[7] Segundo Paul Veyne, sobre as relações entre paganismo e cristianismo no mundo antigo, "Em certa época, pagãos e cristãos igualmente dizem: ‘Não façais amor a não ser para ter filhos’". Tal proclamação no entanto não tem as mesmas conseqüências se é feita por uma doutrina de sabedoria que dá a indivíduos livres, para sua autonomia neste mundo, conselhos que seguirão como pessoas autônomas, caso os achem convincentes; e se a proclamação é feita por uma Igreja todo-poderosa que entende governar as consciências para sua salvação no além e deseja legislar sobre todos os homens sem exceção, estejam eles convencidos ou não. (Idem, p. 59). Sem dúvida, é preciso marcar as diferenças entre a doutrina pagã e cristã nos primeiros séculos de nossa era, mas é preciso também destacar a complexidade da Igreja ao longo da Idade Média e não considerá-la herdeira direta das tradições clássicas e pós-clássicas. Afinal, mesmo no discurso jurídico, a Igreja não sustentava ideológica e permanentemente um caráter onipresente, onisciente e onipotente, apresentando uma flexibilidade de atitudes e concepções legislativas.  O papado do século XIII não é exceção.

[8] Cf. P.L. Liber Decimus Sextus. v. 216, Decretal XVI, Col. 824 B a Col. 824 C.

[9] “(...) matrimonia fuerint contrahenda, in ecclesiis per presbyteros publice proponantur (...).” HÉFELÈ, K.L., LECLERCQ, H. Histoire des Conciles. Paris:[s.n.], 1913, p. 1373-4.

[10] Cf. Liber Septiomus. v. 215, Decretal CLXXXIX, Col. 0766D.

[11] Cf. P.L. Liber Septiomus. v. 215, Decretal XVIII, Col. 0573D.

[12] Ibid.

[13] Ibid. Col. 0574A.

[14] “(...) mater mulieris ipsius, nisa est matrimonium accusare, ut ab eo pecuniam extorqueret.”“(...) a mãe da mencionada mulher esforçou-se a acusar o matrimônio para que extorquisse dele algum dinheiro”. Na decretal, o termo civis (cidadão) é usado para designar a origem urbana do homem.  Cf. P.L. Liber Septimus.  Decretal XCII,  Col.0373C.

[15] “(...) super hoc silentium imponatis.”  “(...) sobre isto imponhais silêncio”  Ibid.

[16] “Si quis autem ad impediendam legitimam copulam malitiose impedimentum abjecerit, ecclesiasticam non effugiet ultionem”. HÉFELÉ, K. L., LECLERCQ, H., op. cit., p. 1375.

[17] Cf. P.L. Liber Duodecimus. v. 216, Decretal LXI,  Col. 0068.  Cf.  Ibid. Decretal XXXIV, Col. 0043D a 0044B.     

[18] Subentenda-se pela “falta de mérito”. Ibid. Col. 0044B a Col. 0044C.

[19] “Sic enim in Evangelio continetur: si peccaverit in te frater tuus, corripe eum inter te et ipsum solum. Si te non audierit, adhibe tibi unum vel duos testesIbid. Col. 0067D a 0068A. Além disso, a decretal faz uma clara distinção entre “judiciarium ordinem” (ordem judiciária) e “regulam evangelicam” (norma evangélica). Sobre a “correção fraterna”  ver  Mateus 18,15.  Em Lucas 17 há a omissão da correção imposta pela comunidade cristã.

[20] “(...) ad testimonium admittuntur tam domestici quam affines (...)”  Ibid.

[21] Uma outra decretal explicita claramente as testemunhas num processo judicial:“[o bispo de Mania] tam ex ipsius puella quam parentum, nutricis et famularum ejus didicit juramentis, quod R. praedictus ipsam carnaliter non cognovit”. “[o bispo de Mania] tomou conhecimento tanto através do juramento daquela menina quanto de seus parentes, de sua nutridora e de seus criados que o dito R, não a conheceu carnalmente.”(grifo nosso) O caso tratava-se da disputa entre o príncipe de Norwich e seu tio paterno pelo casamento da filha do rei das ilhas Glanavo. Cf. P.L. Liber Septimus. v. 215, Decretal CCXX, Col. 0536B a  0536C.

[22] “(...) et recipitur etiam testimonium de auditu, cujusdam compensationis intuitus fuit a sacris canonibus introductum ut accusator cum solemnitate quadam, videlicet juramento, reciperetur”. Cf. P.L. Liber Duodecimus. v. 216, Decretal LXI, Col. 0068A.

[23] A “communem formam” é o termo usado pelo decreto para designar a tradição canônica que aceitava os testemunhos de auditu para processos judiciais.  

[24] O vocabulário é do próprio texto: “(...) quia tamen pluribus exemplis et certis experimentis didicimus, ex hoc pericula contra legitima conjugia prevenisse, statuimus ne super hoc recipiantur testes de cetero de auditu, cum jam quartum gradum prohibitio nos excedat”. “(...) porque graças aos múltiplos exemplos e experiências, temos dado conta igualmente que aqui se concentra a fonte  de certos perigos para os matrimônios legítimos; ordenamos que sobre isto não se admitam testemunhas de auditu, na medida em que este impedimento tem sido reduzido para o quarto grau.”   (grifo nosso). Além da justificativa dos exemplos e experiências, o decreto ainda aponta a necessitas como razão fundamental para a mudança. Como  é destacado em outro trecho do cânone, a alteração se deu “por necessidade,” necessitate. Certamente isso é um exemplo de apropriação pontifícia do Ius commune.  HÉFELÉ, K. L.. LECLERCQ, H. op. cit., p. 1374-5.

[25] Ibid. 

[26] “Semper in coniunctionibus non solum quid liceat considerandum est, sed et quid honestum sit”.Modestinus l.S. De ritu nupt. Dig.23.2.42pr.  Provavelmente, as noções e preceitos do Direito Romano devem ter sido cristianizados ao sabor da política cristã de controle social do Imperador do Oriente no século VI.

[27] Cf. P.L. Liber Sextus,. v. 215, Decretal  CXIX,  Col. 0135D.

[28] Ibid. 

[29] Cf. P.L Liber Sextus. v. 215, Decretal  CLXXVII,   Col. 0193B.

[30]   Cf. P.L. Liber Duodicimus. Decretal LXI, Col. 0068C.

[31] Cf. Gesta Innocentii Tertii. v. 214. Col. XVIIC a Col. XVIIIA.

[32] No cânone, as palavras empregadas foram “odio, vel timore, vel amore”.  HÉFELÈ, K. L., LECLERCQ, H. op. cit,  p. 1374-5.