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O Jubileu de João Paulo II

 

 

Domingos Zamagna*

 

O papa João Paulo II está comemorando 25 anos de pontificado. Coisa raríssima na história da Igreja Católica. Somente Pio IX (falecido em 1878, que governou 31 anos e 8 meses) e Leão XIII (falecido em 1903, 25 anos e 3 meses) festejaram o jubileu de prata antes do atual papa.

A Igreja teve papas por tempo brevíssimo, como Estêvão II, papa por 4 dias (752); Urbano VII, 12 dias (1590); Bonifácio VI, 14 dias (896); Celestino IV, 17 dias (1241); Sisínio, 20 dias (708)...

No caso de certos líderes, curiosamente, a contagem do tempo cronológico é quase secundária. Importa mais o tempo psicológico. João XXIII, por exemplo, com seus 4 anos e meio de governo (1958-1963) marcou a história da humanidade. Paulo VI, em exatos 15 anos colocou a Igreja na modernidade, contrastando com certas lideranças que detêm o poder por mais de quatro décadas de consumado anacronismo e descompasso com a história. O predecessor do atual pontífice, o papa João Paulo I (o papa-jornalista, autor de "Illustrissimi"), que ocupou o trono de Pedro por apenas 33 dias em 1978, também deixou uma marca profunda na consciência dessa geração. Não fez nada, apenas conquistou o mundo por causa de sua índole amável, sorriso, afabilidade e abertura de coração.

A Igreja nasceu sob a opressão de Tibério, Cláudio, Nero, Vespasiano, Domiciano... viveu seus primeiros 300 anos sob perseguição, pelo menos até à paz religiosa de 313, na época do imperador Constantino. O papado passou por muitas vicissitudes, sendo as últimas mais conhecidas as que Napoleão infligiu a Pio VII (as humilhações e prisões entre 1809 e 1812). Pio IX, depois de amargar os gravames da Itália revolucionária de 1848, que confinou os papas como "prisioneiros do Vaticano", precisou ainda suportar a Kulturkampf de von Bismarck.

Mas ninguém como Karol Woityla conheceu tão de perto as agruras do totalitarismo, desde a infância órfã em Wadowice, as ocupações da Polônia, os infernos das guerras, a prisão, o trabalho duro nas minas de carvão e na indústria química, as dificuldades para sua formação intelectual e religiosa, a alucinante e criminosa tortura que significou o comunismo, cujo resultado foi a total debâcle de um império que ele, como cardeal e como papa - para o bem de um sofrido povo - ajudou a demolir.

Nenhum observador atento da nossa época conseguirá explicar o itinerário de vida desse papa - agora em estágio de heroismo, já que corroído pela idade e por doenças atrozes - sem apontar uma misteriosa e altíssima dose de obstinação, uma paixão sedutora por causas invisíveis, cujos nomes ele não perde momento algum para identificar e encarnar: Deus, sua Palavra, a oração, os povos - sobretudo os pobres -, a paz como fruto da justiça e benefício do amor, tendo como lastro a liberdade e a solidariedade.

Numa das suas últimas encíclicas - a Fides et Ratio, 1998, que revelou ao mundo um percuciente filósofo - ele demonstra, mais que muitos "modernos", uma poderosa crença na força da razão e potencialidades humanas. Contudo, mesmo dotado desse indizível otimismo, parece que ele conhece tão profundamente a realidade humana, pessoal e social, que achou importante começar sua missão de pastor universal (Redemptor Hominis, 1979)  recordando-nos que somos seres humanos, apenas humanos, nada mais que humanos: nós precisamos de uma força maior, de um dinamismo que nos ultrapassa, que está na história mas que não se reduz à história, capaz de nos resgatar de nós mesmos, de nos direcionar com segurança para o bem e, mais que tudo, desvendar-nos a fonte de todo bem. Essa fonte recebeu vários nomes no decorrer da história dos homens. O papa a chama de Deus, cujo Filho, por volta do início da nossa era, se fez carpinteiro em Nazaré da Galiléia.

Vinte e cinco anos parecem longos para alguns, para outros são um átimo. Na próxima, ou na longinqüidade, o importante é não perder o sentido, a reverência das coisas, não confundir o ter com o ser. Como chefe da Igreja, João Paulo II sabe que a vocação da Igreja é ser servidora de Deus no seio da humanidade. Isso é o que a Igreja é. O mais, que pode até ser muito importante - na ambigüidade da história - são coisas que a Igreja tem.

(*) Domingos Zamagna é jornalista e professor de Filsosofia. Artigo enviado para publicação em 20-10-03.