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 Arte, Ética e Jusfilosofia 

(conferência no III Seminário Internacional Cristianismo, Filosofia, Educação e Arte – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 24-6-02)

Paulo Ferreira da Cunha
Prof. Catedrático da Univ. do Porto

 

Cosmovisão platónica e Justiça helénica na Composição

Os símbolos, e para mais os consubstanciados em Arte, são a mais profunda e afinal mais directa forma de acedermos às realidades. O problema é saber ler a sua linguagem cifrada.

Para tentar compreender as relações entre as virtudes e especialmente o lugar da Justiça no seu âmbito, oferece-se-nos uma belíssima e muito sapiente alegoria: o Tímpano das Virtudes, de Rafael, na Stanza della Segnatura, no Vaticano. Ora a chave teórica, filosófica, que normalmente se nos fornece para esta obra é a do neoplatonismo. Mas - antes de mais, deverá perguntar-se: o que é o neoplatonismo, e o que vem a ser o próprio platonismo? Diz um reputado especialista: “nem uma só noção, de quantas costumamos fazer radicar em Platão, foi advogada por todos os platónicos: nem a existência transcendente das formas universais, nem o conheci-mento directo destas entidades inteligíveis, nem o amor espiritual, nem a imortalidade da alma e muito menos o seu tentâmen de conceber uma república perfeita” [1] .

E apesar de tudo, é sabido como a estrutura da obra se inspira em concepções platónicas. E uma espécie de mínimo platónico seria a cisão entre o céu dos conceitos e o mundo sublunar. Como se sabe, para Platão o homem deve procurar reencontrar o paraíso perdido das Ideias, que deixou com a sua encarnação, equivalente à queda judaico-cristã. Essa ascensão dialéctica (dialektike poreia), que é afinal a simbolizada na “Escola de Atenas” pela figura do filósofo da Academia com o dedo apontando o alto, implica diversos patamares: os primeiros níveis, são os da simples opinião (doxa): a consideração dos indivíduos não é mais que alvitre ou conjectura (eixasia), e mesmo a noção de género não ultrapassa o estádio da crença (pistis). Os segundos níveis (já no plano do saber ou disciplina do conhecimento, ou episteme) são mais fiáveis e elevados, no caminho para a realidade fora da caverna: o terceiro estádio é constituído pelas ideias necessárias e universais, objecto do pensamento discursivo (dianoia), e por último atinge-se a ideia do bem, que será objecto da visão (noesis) [2] .

O mundo encontra-se assim perfeitamente estruturado, hierarquizado, e é-o ascensionalmente, do particular para o geral, do sensível para o inteligível. Os níveis da alma encontram paralelo nas virtudes: o plano sensual tem na sophrosyne ou temperança a sua moderação, a dimensão já superior da afectividade encontra regulador na andria ou fortaleza, e finalmente o mais elevado dos níveis humanos, a razão, tem de ser esclarecido pela prudência ou sabedoria, a phronesis. A boa relação entre si destas virtudes é objecto, para Platão, de uma virtude superior, que as ordena em unidade: a diakaiosyne, ou justiça. Por isso a Justiça é a mais importante [3] .

Stanza della Segnatura-tecto

Estas ideias estavam nos ares dos tempos e na cabeça do nosso pintor. E este carácter hierárquico do universo, descendo de Deus até às coisas, é que é especificamente neo-platónico, porque, existindo sem dúvida em Platão, foi sobretudo enfatizado por Plotino [4] . Daqui decorrem muitas consequências: Antes de mais, o facto de que o tecto da Stanza della Segnatura, ao contrário do que sucedeu noutros casos, mais simplesmente decorativos, haja sido pintado pelo próprio Rafael (talvez com excepção do motivo do certame de Apolo e Marsia, pelas figuras serem mais longilíneas), e nele está presente a Justiça. Da Justiça do tecto, e à sua imagem (imperfeita) decorre o Direito, que como que escorre pelas paredes. Deriva pois o Direito da Justiça, como diz uma glosa medieval decerto bem conhecida na época: "Est autem ius a iustitia, sicut a matre sua, ergo prius fuit iustitia quam ius." E tanto é (ou deve ser) o Direito positivo e especificamente o Direito legislado um ancilar e um consequente da Justiça, que Rafael (embora tendo-os concebido em alguns desenhos preparatórios [5] ) confiou a discípulos anónimos a execução dos dois frescos das Decretais e do Digesto (mesmo tratando-se das Decretais e do Digesto, monumentos legislativos canónico e civil da maior importância!). O tempo, esse grande escultor (como diria Yourcenar), maltratou particularmente esses trabalhos, que não merecem atenção especial. A representação do Direito positivo liga-se ainda a dois motivos menores, na parte inferior da parede, que relembram directamente a tradição anterior dos heróis personificadores das virtudes. E assim existem pequenos quadros sob as duas representações fundantes das compilações.


Stanza della Segnatura-Iustitia


Stanza della Segnatura - Fresco

De baixo para cima temos, pois, os fastos histórico-míticos que simbolizam a Justiça, enquanto sucessos em que imperou uma acção justa; depois, vem a instituição do Direito positivo (ainda ambas no domínio da doxa). Já na representação das virtudes e depois na da Justiça talvez não seja demasiado audacioso ver, mutatis mutandis, o trânsito da dianoia para a noesis.

Comecemos então a análise pelo mais importante, a Justiça, elevada ao céu dos conceitos. A representação da Justiça não traz novidades. É uma deusa sentada, sem dúvida bem menos austera que a descrita por Crisipo [6] , e não contemplando o céu, como se dizia da Dikê grega [7] , mas segurando os atributos que se vulgarizaram: balança e espada.

Em várias ocasiões [8] discutimos já a origem e significado destes atributos, bem como da inexistente venda, também muito difundida, sobretudo na arquitectura de palácios da Justiça. Ao cabo de mais de uma dúzia de anos e estudo, pensamos que a venda é um elemento espúreo, típico de alegorias da fortuna [9] , funerárias, ou burlescas, e que teria tido origem numa paródia a sua aposição às representações da justiça, como sucede numa significativa estampa d’A Nave dos Loucos de Sebastião Brandt [10] . Deu-se então a “recuperação” sábia do adereço, que, de crítica a uma justiça tonta e não sabendo para onde vai, passou a ser considerado como símbolo da não acepção de pessoas.

Esta representação de Rafael aparenta ser, assim, absolutamente grega, e grega do período tardio (a romana não tem espada, tal como a não tinham Zeus justiceiro [11] ou Thémis), salvo na direcção do olhar da deusa. Porém, faz todo o sentido essa mutação, porquanto as estátuas gregas, estando na terra, procuravam, de olhar nos céus, a inspiração de Zeus. E esta Justiça é a própria deusa - e não a sua imagem - que se encontra precisamente no Olimpo arquetípico. Por isso olha para baixo, benevolentemente, como que conferindo o seu assentimento a esses momentos fundantes do direito positivo ocidental, a compilação justinianeia e a gregoriana.

Um elemento, porém, assinala aqui o eclectismo de Rafael. Se a deusa em si mesma é praticamente toda moldada pelo ideal helénico, já as tábuas transportadas pelos seus acólitos remetem para um paradigma muito diverso do grego, que deixava muito a desejar na concretização da arte jurídica: certa autem iuris ars Graecis nulla [12] . Tal paradigma é o romano: Ius suu(m) unicuique tribuit, fórmula de clara inspiração no Digesto. Mas mesmo assim, Rafael tem o cuidado de apresentar o tempo verbal de forma a sublinhar que a deusa ali é a própria Justiça, e não a Justiça humana, constante e perpétua vontade (inclinação, apetite, desejo) de atribuir a cada um o que é seu. Não, aquela Dikê com programa de Iustitia ultrapassa ambas, porque ambas humanas afinal (problema de deuses feitos pelos homens, desde Xenófanes assinalado). A Justiça do mundo das ideias não deseja apenas a atribuição justa: fá-la - tribuit. Ora fazê-lo desta forma absoluta e sem história, sem mudança, sem falha, não é para os homens, é para os deuses, não é para a a terra, é para os céus. Na terra, porém, o fado é outro: é o motu perpetuo do constante andar sempre Em demanda da Justiça.

O interesse de Rafael parece concentrar-se, porém, especialmente na parte superior da parede, no tímpano que coroa os painéis de Justiniano a receber as Pandectas da mão do seu ministro Triboniano (numa cena excessivamente não romana renascentista e não bizantina, a começar pelos trajes [13] ) e de Gregório IX (que tem semelhanças evidentes com a fisionomia de Júlio II) com as Decretais.

A força simbólica da deusa helénica não só não abraçava as duas asas (clássica e cristã) do movimento renascentista [14] , como, tal como sucede hoje, deveria encontrar-se então já algo esgotada como símbolo capaz de suscitar vero entusiasmo (etimologicamente, “possessão divina”). Assim sendo, e ainda numa linha aristotélica, Rafael vai sobretudo trabalhar as virtudes, condições do exercício da Justiça, e modos da sua efectivação. Claro que aqui a questão se complica, porque se joga na ambiguidade entre Justiça-virtude e Justiça em sentido jurídico. E é aí que entra em cena Aristóteles, porque o filósofo da Academia vive ainda imerso na síncrese conceitual entre uma e outra das justiças.

Fortaleza

Prudência

Temperança

uma perspectiva platónica, Rafael vai pintar apenas três das virtudes cardeais nesse tímpano luminoso e inspirador: a Fortaleza, com armadura e elmo a lembrar Minerva, ostenta como que um leão domesticado; a Prudência, sonda o enigma de si mesma num espelho que um putto lhe apresenta; e a Temperança segura com suavidade (quão distantes estamos do, aliás magnífico, auriga de Delfos) as rédeas de corcel que se não vê.

As Virtudes e a Justiça. Fontes platónicas

É da concordância e confluência destas três virtudes (sem negar a centralidade da Prudência [15] , que ocupa esse lugar na composição, e para mais elevada num degrau acima, como a servir de trono) que pode nascer a Justiça. Por isso, ao contemplarmos esse tímpano das virtudes sem a Justiça-virtude, nos recordamos do diálogo platónico das virtudes e da justiça, no qual o que se procura sempre lá esteve, mas não era visto [16] .

A virtude das virtudes: Justiça ou Prudência?

Também Rafael, ao pintar as Virtudes, pinta a Justiça, pinta-a de novo, não já na sua forma hierática, mas na forma dinâmica, dialéctica: pinta-a nas virtudes de que é condição (mas que também são condição sua).

E porque, como vimos, pretende conciliar virtudes laicas e virtudes teologais (embora estas também possam ter uma versão laica, como aquelas uma leitura religiosa), faz a Fortaleza olhar o putto que representa a caridade, colhendo frutos, alumia o contemplar-se ao espelho pela Prudência com a tocha da Fé (até porque hoje vemos em enigma, como num espelho, mas um dia veremos face a face: ou fora da caverna [17] ), e exalta a Temperança apontando-lhe a Esperança no alto [18] .

Edgar Wind assim sintetiza o pensamento de Platão a este respeito: “(...) a Justiça não é uma virtude concreta que se justapõe à Prudência, Fortaleza e Temperança, mas antes a potência fundamental da alma que determina a cada uma delas a sua função específica” [19] .

Tal não é a posição de outros autores especialistas na matéria, como, por exemplo, Pieper. Para ele, o lugar central e pré-determinante parece ser o da Prudência, enquanto claramente atribui à Justiça uma posição ulterior, determinada designadamente por aquela.

É interessante atentar no paralelismo entre a retórica platónica quanto à busca dessa Justiça que não aparece, e a de Pieper, agora versando sobre a Prudência: “Por exemplo cabe já perguntar: como pode a Prudência ser virtude? E a compreensão tornar-se-á ainda mais difícil quando nos disserem que a seqüência não é casual, mas obedece a uma lógica de significado e de hierarquia: à Prudência, cabe, portanto, o primeiro e mais elevado posto. E mais ainda, tal formulação nem ao menos é precisa; a rigor, a Prudência não ocuparia um lugar como elo dessa série: ela não é algo assim como a irmã das outras virtudes; ela é a sua mãe e já foi designada literalmente como "genitora das virtudes" (genitrix virtutum).” E conclui: “Desse modo, ninguém poderia - e, por estranho que possa parecer, de facto é assim - praticar a Justiça, a Fortaleza ou a Temperança a não ser que seja ao mesmo tempo prudente. Ao mesmo tempo, e até antes.”

E falando da Justiça, assim lhe assinala um lugar segundo, determinado por um prévio “conhecimento da realidade” que parece pertencer à Prudência: indagar primeiro, como vimos já: “O mais puro desejo de Justiça, a "melhor das boas vontades", a "boa intenção", tudo isto não basta. Antes, a realização do bem concreto pressupõe sempre o conhecimento da realidade.” [20]

Este conhecimento da realidade abarcado pela Prudência, segundo a formulação clássica da Summa Theologiae é vastíssimo, englobando (apenas quanto às partes integrantes, e pondo de lado as demais) a memória, o intelecto ou inteligência, a docilidade, a sagacidade, a razão, a previdência, a circunspecção, e a atenção cautelosa [21] .

As fontes: as virtudes em Tomás de Aquino

Na verdade, a estratégia dicursiva de Pieper, assim como o substracto das suas ideias nesta matéria, advêm de S. Tomás de Aquino [22] . Sendo certo que a reflexão do doutor angélico ocupa, na Summa Theologiae, quase toda a II IIae, ou seja, na nossa edição, quase mil páginas, seria temerário (e por isso pouco virtuoso) intentar aqui qualquer síntese.

Limitar-nos-emos a alguns tópicos, com relevância para a nossa presente questão.

Antes de mais, é o próprio S. Tomás que se pergunta (obviamente no contexto da interrogação retórica da quaestio) se a Prudência é uma virtude [23] . E, como é hábito, embora tudo pareça tender para a negativa, irá concluir, afirmativamente, que o é. Outro problema, é se a Prudência é uma virtude especial.

S. Tomás cita Aristóteles nas objecções do seu artigo [24] . Na medida em que a recta razão se entenderia segundo a prudência, porque a prudência se encontraria em todas as virtudes, e ainda na medida em que ela não possuiria objecto especial, por ser a “recta razão da acção” em geral, não seria um virtude especial. O sed contra deixa-nos, porém, inúmeras perplexidades.

As fontes: o problema hermenêutico de Sabedoria VIII, 7

Cita Tomás de Aquino, com efeito, o Livro da Sabedoria [25] , VIII, 7. Transcrevamos o pequeno passo, tirado da edição da BAC: Sed contra est quod condividitur et connumeratur allis virtutibus: dicitur enim Sap. 8,7: "Sobrietatem et prudentiam docet, iusticiam et virtutem" [26] .

A célebre tradução francesa da Cerf não é concorde com este texto latino, porquanto substitui “virtutem” por força: "En sens contraire, elle figure avec les autres dans l'énumération des vertues. Il est dit en effet de la Sagesse (8,7): 'Elle enseigne la sobriété et la prudence, la justice et la force"..

Pois bem, seja qual for a citação correcta, não alcançamos o valor deste argumento para afirmar o carácter especial da virtude da Prudência. Apenas podemos retirar do texto que a Prudência fica a par das demais, e não na posição aparentemente subalterna, porque desprovida de especificidade de que pareceria sair da pena de Aristóteles. E afinal, aparece um quinto elemento, a Sabedoria, que é como que mestra das virtudes.Isto, apesar de a tradução da Cerf não concordar com a transcrição da BAC. Mas desconfiamos desta discrepância, e fomos consultar recentes edições da Bíblia católica, única que contém este livro (considerado apócrifo pelos não-católicos). E aí a confusão revelou-se maior... ou talvez não, porque de novo parece aqui a rondar o velho problema do lugar da Justiça.

Infelizmente, o texto da Bíblia na Internet em caracteres gregos [27] não inclui este livro deuterocanónico, que foi escrito originalmente em grego. Por isso, começámos com as versões em papel mais acessíveis.

Este versículo apresenta-se na edição dos Missionários Capuchinhos [28] da seguinte forma: “E se alguém ama a justiça, os frutos da sabedoria são as virtudes. Ela ensina a temperança e a prudência, a justiça e a fortaleza, que são as virtudes mais úteis para os homens na vida.”

Aqui, a sabedoria, essa quintessência determinante das virtudes cardeais, anda explicitamente ligada à justiça, mesmo que ela depois se repita como virtude, entre as demais. Nesse sentido se diria que esta passagem era platónico-aristotélica [29] . Mas, como nunca se pode fiar numa só tradução, prosseguimos as buscas.

E ao consultar a tradução da Escola Bíblica de Jerusalém [30] , deparamos com uma versão cujas diferenças merecem reflexão: Aime-t-on la justice? Ses labours, ce sont les virtues, elle enseigne, en effet, temperance et prudence, justice et force;ce qu’il y a de plus utile pour les homes dans la vie.”

Semelhante parece ser o texto da da Bíblia on line em castelhano: “Amas la justicia? Las virtudes son sus empeños pues ella enseña la templanza y la prudencia, la justicia y la fortaleza: lo más provechoso para el hombre en la vida [31] .

Lição igual é a da edição “Bíblia de Jerusalém” em castelhano.

A edição da “TOB” francesa contém matizes diversos, introduzindo expressões pouco canónicas (“moderação” e “coragem”), em lugar das virtudes, consagradas pelo uso: Aime-t-on la rectitude? Les vertues sont le fruit de ses travaux, Car elle enseigne modération et prudence, Justice et courage, Et il n’est rien de plus utile aux hommes dans la vie” (p. 1261)

Já a muito conceituada edição Osty volta a designações menos simplesmente literárias, recolocando o problema de a justiça aparecer duas vezes no texto em funções diversas: Aime-t-on la justice, ses labeurs, se sont les vertues; elle enseigne, en effet, tempérance et prudence, justice et force,ce qu’il y a de plus utile pour les hommes dans la vie

O mais significativo nesta versão é a nota que explica que, na sua primeira ocorrência, o termo justiça se identifica com o conjunto de todas as virtudes, enquanto na segunda ocorrência é uma das quatro virtudes de Platão e dos estóicos, bem como das cardeais da teologia cristã.

Idêntico comentário é o de José Vilchez, na sua citada monumental obra especificamente dedicada ao Livro da Sabedoria: a dikaiosuné, na sua primeira ocorrência, é mais geral que na sua segunda ocorrência. Na primeira, aparece qual potência geradora das virtudes (que são os seus frutos), ou seja, muito próxima do que chamaríamos a “justiça geral” ou virtude da justiça, mas ultrapassando mesmo essa ideia. Na segunda, aparece curiosamente quase identificada com o direito: “ La Justicia (...) mira principalmente al derecho de los demás y determina lo que pertenece a cada uno” [32]

Provavelmente, boa parte dos problemas surgirão do sincretismo de fontes de inspiração do autor. Por um lado, a tradição grega e filosófica das quatro virtudes, determinadas pela Justiça, como esta tradução claramente assinala. Por outro, a tradição judaica, em que sobressai a figura (personificada) da Sabedoria [33] . De notar que esta é a única passagem de toda a Bíblia em que as quatro virtudes se encontram associadas [34] , e, para mais, ocorre uma “duplicação” com a Justiça...

Mas importa, evidentemente, tentar esclarecer qual a tradução mais fiel: se a que faz brotar as virtudes sobretudo da Justiça, ou da Sabedoria, embora sempre com alguma associação à Justiça.

Neste contexto, outra tradução muito “platónica” e pró-justiça é a edição Pastoral, da Sociedade Bíblica Católica Internacional (edição portuguesa da “Bíblia de Jerusalém) [35] : “Ama alguém a justiça? As virtudes são os seus frutos; ela ensina a temperança e a prudência, A justiça e a fortaleza, Que são, na vida, os bens mais úteis aos homens”.

Mas a adopção desta solução seria demasiado fácil. Fomos ver a uma fonte mais antiga e aparentemente mais fiável ainda: a Stuttgarter Vulgata – Lyon 1519. Deparamos aí com o texto seguinte [36] :

f. 58. (...) Et si iusticiam (sic) quis diligit labores huius (sic) magnas habent virtute.Sobrietatem enim et sapientiam docet etJusticiam (sic) et virtutem quibus utilius nihil est in vita hominibus. (...) Sap., VIII,  7 (leitura nossa do texto da Stuttgarter Vulgata)

Recordemos sempre o texto de S. Tomás:«Sed contra est quod condividitur et connumeratur allis virtutibus: dicitur enim Sap. 8,7: "Sobrietatem et prudentiam docet, iusticiam et virtutem".

Não coincidem completamente… Sobretudo porque onde a Vulgata de Estugarda fala em sabedoria, sapiência, figura prudência na Summa.

Efectivamente, e tudo ponderado, parece que a tradução da Escola Bíblica de Jerusalém é mais fiel. Mas atentemos que novos problemas nos surgem. O primeiro, já suspeitado (até pelas versões em línguas diversas do citado trecho da República, de Platão [37] ), é o das traduções, umas mais tingidas que outras do vocabulário cristão das virtudes. Por vezes, como vimos, sobrietate(m) vai ser traduzido por temperança, ao que não há nada de especial a objectar; mas sapientia(m) passará a Prudência, equivalência linguística já em si discutível, e mais problemática se tornando assim no contexto do nosso problema, pois novamente nos remete para o esquema de pensamento definidor de um quadro de virtudes (três ou quatro) determinadas por uma outra, ou por uma outra entidade, que ao mesmo tempo pode ser também virtude (primeiro a Justiça, no esquema 1+3, depois a Sabedoria – talvez por aquela auxiliada - , segundo a tradução que nos leva a 1+4, e agora a Sabedoria/Prudência, numa idêntica formulação).

Neste particular, não nos podemos esquecer que a origem de muitos equívocos poderá residir na influência (certamente contagiante nos meios biblistas) da polissemia da palavra hebraica “hokma” (tal como a “hikma” árabe), por contraposição à sophia e outras expressões gregas. Com efeito, hokma pode significar “pudência, regularidade de costumes, conformidade à moral, autodomínio, conhecimento dos homens e da vida”, ou seja, “sagesse” (em francês) [38] .

Outro aspecto, que parece também demonstrar a vontade dos tradutores de fazer caber o texto nos cânones doutrinais correntes, é a ausência de alusão à Fortaleza ou mesmo à Força no texto da Vulgata citado.

Todavia, ela aparece na nova versão da Vulgata: "Et, si iustitiam quis diligit, labores huius sunt virtutes: sobrietatem enim et prudentiam docet, iustitiam et fortitudinem, quibus utilius nihil est in vita hominibus" [39] .

Trata-se, ao que tudo indica, de uma versão mais fiel ao original, como se pode aquilatar pelo texto grego, a que, finalmente, tivemos acesso:

kai ei dikaiosunEn agapa tis hoi ponoi tautEs eisin aretai swphrosunEn gar kai phronEsin ekdidaskei dikaiosunEn kai andreian hwn chrEsimwteron ouden estin en biw anthrwpois [40]

Em consequência: o original considera duas vezes a justiça (dikaiosuné), de onde faz derivar as virtudes (aretai): sophrosuné, phronesis, dikaiosuné e a andreía.

Parece-nos óbvio que as conotações de todo este vocabulário em grego são muito diferentes da sua adaptação cristã (embora a possam anunciar [41] ). Por exemplo, a virtude areté é muito diferente da virtude virtuosa cristã que lhe passará a equivaler (como o será da virtù renascentista), e é evidente que a andreía significa muito mais valentia, coragem, virilidade (etimologicamente deriva de homem) do que a fortaleza virtude cardeal.

Todo ponderado, parece que S. Tomás, de quem diz a lenda sabia as Escrituras de cor, não terá sido muito fiel ao original. Mas não esqueçamos também que S. Tomás não sabia grego, dependendo sobretudo das traduções latinas do seu tempo, a que não tivemos acesso.

O projecto epistemológico de Tomás de Aquino no Tratado da Justiça

Voltemos a S. Tomás. Mesmo se o sed contra coloca tantos problemas, e se poderá constituir uma refutação menos forte da tese que se pretendia infirmar, a solução do artigo irá no sentido de considerar a Prudência uma virtude comparável ao sol, que a todos os corpos influencia, não deixando de ser virtude por às demais ajudar, em todas operando [42] .

Todavia, a Prudência, aplicando princípios universais a questões particulares, não estabelece fins às virtudes, antes estes são determinados pela sindérese ou razão natural [43] .

Há inegavelmente uma afinidade entre a razão natural (sindérese), a Prudência e a Sabedoria, que colocam qualquer destas designações (sobre a correspondência a conceitos e ideias será uma questão a discutir) em boas condições para serem tidas como determinantes das virtudes. Variando, como é óbvio, a que título e em que medida as influenciem ou com elas se relacionem.

Passado em revista o Tratado da Justiça da Summa, fica solidificada a ideia de uma divergência de S. Tomás face ao seu grande inspirador filosófico (a quem tantas vezes cita por antonomásia como “o Filósofo”), Aristóteles. Para aquele a Justiça deixa de ser esse ponto fixo onde se ancoram as virtudes (tal como o era para Platão), para passar a ser uma virtude entre outras. A verdade é que, por um lado, S. Tomás não gostava dos juristas, a quem considerava ignorantes [44] , e, por outro, na questão em apreço, Aristóteles é ainda muito platónico [45] . Mas essas não serão certamente razões válidas para a divergência.

O que sucede certamente é que Tomás de Aquino, ao falar aqui da virtude da Justiça, parece fazê-lo colocando-se já na senda (aliás propriamente aristotélica e depois romanística, segundo o legado específico do Estagirita) da determinação da Justiça no sentido jurídico, e não tanto no moral [46] . Dir-se-ia que o tratamento da justiça enquanto virtude não é senão uma preparação para o advento teórico da Justiça particular. Por isso, em nada contribuiria para o seu fim diluir a especificidade da Justiça particular nimbando-a de altos voos virtuosos, como síntese das virtudes, seu pressuposto ou condição, ou sua amálgama sincrética. Admitimos que esse objectivo (aliás perfeitamente conseguido, o que faz dele um “jurista laico” [47] , ele que era religioso, e não gostava de juristas) tenha obrigado a não evidenciar aqui essa ideia, e a substituí-la, pelo menos em parte, pela prevalência (ainda assim não exageradamente explícita) da vizinha virtude da Prudência (Iuris-Prudentia é, não o esqueçamos, o nome dessa disciplina da Justiça em acção).

E é plausivelmente pelo desejo de cortar pela raiz com a síncrese epistémico-normativa do seu tempo (já antiga e duradoira, desde que as invasões bárbaras corroeram a malha do Império e fizeram olvidar as ideias límpidas dos juristas romanos), a que conviria uma confusão entre o moral (e o religioso) e o jurídico, que S. Tomás, em vez de aureolar a Justiça dessa primazia nas virtudes, começa logo o seu Tratado, totalmente ao invés, afirmando que o objecto da Justiça é o Direito: fazendo, pois, descer a Justiça do céu dos conceitos à vida real e concreta, institucional.

Poder-se-ia pensar que logo depois se arrepende deste imanentismo, por afirmar a existência, a par do direito positivo, de um direito natural. Nada de mais erróneo. A afirmação do Direito Natural (hoje tudo se compreende melhor, depois de tantas voltas de tantas teorias) é, pelo contrário, no plano do Direito, uma alternativa intra-sistemática, especificamente jurídica, à fundamentação moral ou religiosa do Direito [48] . Porque, evidentemente, a fundamentação na força, ou na simples política, não é fundamentação: mesmo a fundamentação ideológica é uma outra forma de legitimação moral, e, se a ideologia se torna credo dogmático (o que muitas vezes sucede) pouco diferirá da religião.

Ora o Aquinate sabia que o Direito, para valer, para ser justo (e o Direito é o que é justo [49] ) precisa de um fundamento, e que se esse fundamento for religioso ou moral apenas corre o risco de se tranformar em “braço secular”, arma ao serviço de ordens normativas que têm outras determinações e outras finalidades sociais e simbólicas. Daí a importância da distinção entre lei natural, de índole moral, e direito natural, pleno Direito já. Se não houver uma racionalidade jurídica autónoma face às religiões, e, embora jamais imoral, independente das morais, os conflitos normais entre Direito e moral [50] acabarão por resolver-se apenas por razões políticas, o que acabará por ser a forma mais imoral de serem solucionados.

Tinha sido um intuito semelhante o de Aristóteles ao propugnar a autonomia do jurídico, e ao dividir o Direito em natural e legal (ou positivo) [51] – e aí foram os Romanos buscar inspiração para operarem esse corte epistemológico e fundação institucional, que cindiu pela primeira vez na História a primeira função social dos indo-europeus, a da soberania, separando o Direito das demais realidades do poder e do sagrado. O autor da Summa tinha a consciência da utilidade prática desta separação de gládios, e decerto não esqueceria também as diversas passagens do Evangelho em que Cristo aparta as coisas de César das coisas de Deus.

Negando Aristóteles, S. Tomás estava a ser genuinamente aristotélico. E Rafael, procurando neste aspecto um interessante ponto de concórdia entre Platão e Aristóteles, está ainda a ser, absolutamente, platónico [52] .

Rafael, os Filósofos e o Direito

Rafael não tem certamente consciência da importância jusfilosófica do napolitano e da sua concórdia com o Aristóteles não platónico, o verdadeiro Aristóteles. Significativamente, coloca o Anjo das Escolas nem sequer na parede filosófico-sapiencial, e muito menos na parede da Justiça (convenhamos que poderia tê-lo repetido, como faz a Dante, presente quer na Teologia, quer no Parnaso), mas no fresco da Disputa.

Aristóteles, amigo de Platão mas mais da Verdade, parece concordar com seu mestre na tese de que a Justiça é uma disposição ou hábito dos homens para levar a cabo acções justas [53] . Mas o Estagirita não se fica pela polissemia da palavra Justiça, nem se deixa aprisionar na teia das complexidades da homonímia [54] . Por isso, e muito ao contrário de Platão (não sem alguma razão já acusado de defensor de uma “justiça totalitária” [55] ), o filósofo do Liceu distingue a justiça universal da justiça particular, mas é nesta última, objecto do Direito, que se concentra [56] . Quando cita Teógnis na sua identificação da justiça universal com todas as virtudes, ou com a totalidade das virtudes [57] , parece ser ainda bastante platónico. Contudo, o que de inovador procura é essa outra Justiça, que é apenas uma parte da virtude em geral, ou seja, a justiça particular [58] . E essa justiça particular é a que sobretudo interessa ao Direito, e que lhe dá diferença específica [59] .

A Justiça jurídica é uma depuração intelectual da perspectiva ética das virtudes. Não deixando de a elas fazer apelo na medida em que delas necessita o homem justo, único reduto e garante da aplicação recta da Justiça, e porquanto filosoficamente podem elas inspirar o direito positivo, a Justiça particular ou jurídica autonomizou-se com fins e perspectivas próprias, que se destacam dos termos morais correntes, e também dos políticos. A purificação assim operada, embora jamais inteiramente alcançada, visa a constituição de um mínimo denominador comum de convivência social, livre da álea do poder e da valoração excessivamente exigente ou farisaica do moralismo dominante.

Assim, pôde surgir o verdadeiro Direito. E ao mesmo tempo que, em baixo, se celebra o Direito escrito e compilado, nesta velada desocultação filosófica se celebra também, e principalmente, o nascimento de todo o Direito, o Ius redigere in artem. O qual, de forma caleidoscópica, também se pode ver à luz do outro lado da sala, nas figuras serenas dos celebrados Platão e Aristóteles, primeiros grandes filósofos do Direito.

Onde se vê, então, essa Justiça particular, na obra de Rafael?

Não, decerto, pela importância dada ao Direito, que figura em frescos laterais e de execução alheia. Nem a sua fundamentação é autónoma, já que não vislumbramos – e isso poderia espantar alguns, mas erroneamente – qualquer alusão à dualidade una entre direito natural e direito positivo. Significativamente, a dualidade é entre direito civil e direito canónico, porque a fundamentação de ambos não é ainda jurídica, mas moral: e da moral (com sincretismo com o jurídico, evidentemente) e até de religião trata o fresco superior, das virtudes: também elas cardeais e teologais.

Desde logo, e novamente, a Justiça particular pode ainda (mas a custo) detectar-se pela ausência: não há venda na Justiça do tecto, e isso significa que se não cede a uma mascarada politizada, nem é portadora de um globo, não sacrificando assim à sua subordinação ao poder; as virtudes, mesmo as teologais, são laicizadas e despolitizadas: a Fé está desprovida de cálice e cruz, e a Esperança não reza. É uma tentativa digna de um Humanista, mas que esqueceu que a Alta Idade Média (para não falar na Antiguidade) já havia dado um passo muito em frente.

De qualquer modo, tem de fazer uma dupla leitura destes símbolos, mesmo ao nível mais profundo: uma leitura para a perspectiva ético-religiosa, e uma leitura, que naquela não encontra qualquer obstáculo, para o Direito na visão aristotélica, um Direito tanto quanto possível purificado de influências exógenas, morais, religiosas, políticas. Ou, se preferirmos, um Direito com uma palavra a dizer na política e na ética, e que, se é cultivado por sacerdotes, como afirma Ulpiano, há-de ser de algum modo religião. Mas nunca olvidemos que o aristotelismo de Rafael é incompleto, é como a figura de Tomás de Aquino na Disputa: uma reverência decorativa, e pouco mais.

Mas se concedermos a Rafael o beneficio da dúvida, em homenagem ao lugar central que o Estagirita ocupa na “Escola de Atenas”, poderemos ainda fazer uma recuperação das virtudes.

As virtudes cardeais e teologais podem assim passar a ser vistas também como virtudes jurídicas ou do jurista: e quem poderá negar que, além da Justiça, e da Prudência, as duas tidas como mais abrangentes, e que aos juristas naturalmente se atribuem, precisam eles também da Fortaleza e da Temperança? E, mesmo que o seu céu se encontre vazio e silencioso, quem negará, sobretudo hoje, tempo de tão vasto deserto e aridez de ideais, que é preciso, para haver justiça, não só o amor ao próximo que outrora foi (plutôt mal que bien) traduzido por Caritas, mas também muita Fé e muita Esperança?

As Virtudes e as Teorias da Justiça

É deveras estimulante pensar como hoje, depois de algum desconforto com o direito natural tradicional, mas também em tempos de superação do positivismo jurídico monista e sufocante [60] , não poucos percorram os caminhos de uma Teoria da Justiça, como única forma de encontrar esse ponto fixo por que o Arquimedes jurídico tanto almeja: a legitimidade.

Ora para todos os que não desejem voltar a Aristóteles, aos Romanos e a S. Tomás um caminho se impõe, até porque todos os caminhos vão dar a Roma: demandem a Stanza della Segnatura, e nesse microcosmos utópico, redescubram, se puderem (e é bom que possam) a velha e nova lição de um Rafael filósofo do Direito: se não há Direito positivo sem fundamento na Justiça, ela só pode ser acessível (não passando pelo Direito Natural) pelo caminho das virtudes.

Desgaraçadamente não são esses os caminhos percorridos pelas teorias da justiça da moda, que pouco têm a ver com a justiça aliás: o utilitarismo de Rawls, o procedimentalismo formalista de Luhmann, o consensualismo comunicacional de Habermas.

Concordia

Se a fundamentação do Direito aguarda, como Arquimedes, quem consiga prescindir do Direito Natural, da moral e da religião (ou da ideologia) ao mesmo tempo, sem cair numa simples legitimação da pura força e do nu poder, já a concórdia das virtudes e de Platão com Aristóteles talvez possa ainda salvar-se, dando a Rafael os louros de uma brilhante intuição e de um meritório esforço de irenismo filosófico.

Na verdade, everything old is new again: e a solução encontrá-la-emos num mais antigo estudo de Pieper. Nessa obra, Pieper insurge-se contra a tendência teológica do nosso tempo em olvidar a Prudência, citando o dominicano Larrigou-Lagrange, que (já nos anos 20 do século passado) se escandalizava também com o pouco lugar concedido na teologia moral ao que considerava ser a “principal das virtudes cardeais” [61] . Há, aqui, pois, pelo menos em alguma medida, uma tentativa de endireitar distorsões doutrinais, e, por isso, é natural que se enfatize o que se tem por minimizado. Esta uma primeira, ainda que não decisiva, explicação.

Além do intuito polémico e de resgate da ortodoxia, na sobrevalorização da Prudência vai envolvida a ideia de que ela é um ponto central na antropologia cristã-ocidental, em que o ser precede a verdade, e a verdade se antecipa ao bem [62] . Sendo certamente a Prudência em boa medida investigação e ponderação sobre o ser e a verdade, precedendo o bem, que mais próximo estaria da Justiça. Além disso, se o ser precede a verdade, a verdade está antes da Justiça também: Deus, qui errantibus, ut in viam possint redire iustitiae, veritatis tuae lumen ostendis, cita também o erudito autor [63] .

Daqui se vê que o contexto da elevação da Prudência ou da Justiça depende, em boa medida, de uma questão religiosa, ou de filosofia a que preside um credo. Tanto Platão como Aristóteles se encontravam, obviamente, desobrigados face a esta visão do Ser e do Homem, o que não é o caso dos filósofos católicos. No fundo, ambos eram fiéis aos ensinamentos socráticos que distinguiam a sophia (sabedoria que não é bem a Prudência: e este facto tem muita relevância), a sophrosyné (que também não será exactamente a temperança), a andria (força ou coragem, que não parece ser a Fortaleza cristã) e a dikaiosyne (justiça: a pôr também alguns problemas de tradução), que a todas as demais sintetiza harmonicamente [64] .

A intuição ou a inspiração de Rafael acabariam por plasmar em imagens muito consensuais o que acaba por ser a complexidade da teoria da prevalência das virtudes para a dogmática católica, que é, afinal, a de S. Tomás, actualizada, na circunstância, pelo comentador contemporâneo que elegemos, Pieper. E no fundo não há (nem poderia haver) divergência essencial entre este e aquele.

Por isso, de novo voltemos a S. Tomás, sem deixar de relancear o tratado do filósofo alemão.

O adestramento do Aquinate na arte da dialéctica fá-lo ser capaz de jogar fecundamente com as antinomias, propiciando, pelo distinguo e por outras formas de discernimento das subtilezas dos opostos, vias de compatibilização do compatível, além, como é claro, da aceitação e da rejeição do que se não possa sintetizar. Apesar da principal démarche do Tratado da Justiça ser o reencontro do Direito consigo mesmo (única forma de servir a Virtude), a implicar a obnubilação da Justiça enquanto estrela-guia ou síntese das virtudes, para a concentrar em coisas mais específicas, nem por isso Tomás deixa de lhe prestar a devida homenagem e de a colocar em lugar cimeiro.

É certo que, como vimos, a Prudência é comparada a esse corpo, o sol, que ilumina e influencia todos os demais corpos (aqui se precisaria, cum grano salis, “sub-solares”), mas também se recorda de outra imagem astronómica equivalente, para a Justiça, recordada por Aristóteles: “A mais resplandecente das virtudes parece ser a Justiça e nem a estrela da noite nem a da manhã são tão admiráveis” [65] .

Assim como não deixara de citar Cícero, em sentido idêntico, poucas linhas antes: “É na justiça que a virtude brilha com o seu mais vivo esplendor; porque é por ela que os homens são chamados bons” [66] .

O esclarecimento cabal do problema reside num conjunto de distinções conceptuais, que servem o projecto do autor.

Apesar das aparentes debilidades lógicas da formulação e do peso das autoridades teológicas em contrário, Tomás pretende aderir àquela que considera como sendo a definição de Justiça dos juristas (na verdade, a de Ulpiano, recolhida no Digesto): como constante e perpétua vontade de atribuir a cada um o que é seu [67] . Tal é fundamental para a laicização e autonomização epistemológica do Direito.

Partindo do género próximo para a determinação da diferença específica, S. Tomás começa por definir o lugar da Justiça entre as virtudes. Com base apenas em S. Gregório [68] (no sed contra) e subsidiariamente em Cícero, à partida estabelece que a Justiça é uma virtude, e uma das quatro virtudes [69] . Depois, deixando tacitamente expressa a diferença face à Fortaleza e à Temperança, prova que a Justiça, sendo apetitiva e não sensível, reside na inteligência ou razão, e é acto de vontade (apetite da razão), e consequentemente virtude moral [70] . E só então se passa à apreciação directa da perspectiva aristotélica (e platónica) para a qual “a justiça é toda a virtude” e “não parte da virtude” [71] ou o conjunto das virtudes, ou uma virtude geral.

As palavras do Aquinate serão sempre mais explícitas que qualquer glosa (pois se cada artigo foi considerado “um milagre”! [72] ): “(...) Desta forma, os actos de todas as virtudes podem relevar da justiça na medida em que esta ordene o homem ao bem comum. E, neste sentido, a justiça é uma virtude geral.(...)” [73]

Concluindo: “Não é enquanto (estivemos tentado a traduzir: “na veste de”) virtude geral que a justiça é enumerada entre as outras virtudes, mas enquanto virtude especial, como iremos ver” [74] .

E voltando, agora explicitamente, à comparação entre as três virtudes morais, esclarece, elevando a Justiça de entre elas: “A temperança e a força têm a sua sede no apetite sensível, quer dizer, no concupiscente (sensual, diríamos nós) e no irascível (relativo à irascibilidade, diríamos). Estas potências desejam bens particulares, do mesmo modo que os sentidos não conhecem senão o individual. Pelo contrário, a justiça tem por sede o apetite intelectual, que pode projectar-se sobre o bem universal captado pela inteligência. Esta é a razão pela qual a justiça pode ser uma virtude geral mais que a temperança e a força.” [75]

O problema seguinte, aqui chegados, é o de saber se a justiça como virtude geral se confunde com as demais. Uma primeira pista é Aristóteles. Com efeito, afirma o Filósofo que a virtude dum homem bom não é pura e simplesmente a virtude dum bom cidadão [76] . Mas, muito curiosamente, para explicar um dos sentidos em que pode considerar-se a Justiça virtude geral, vai retomar S. Tomás a imagem astronómica que houvera já utilizado para a Prudência: o sol ilumina e transforma todos os corpos pela sua potência, sem se identificar com tais corpos, já que a causa e os efeitos não têm a mesma essência [77] .

Fica assim esclarecido, pela forma mais cabal (similitude de imagens – embora omnis comparatio claudicat), que a Justiça é virtude geral ao mesmo título que a Prudência. Embora a Justiça apenas seja a mais excelente das virtudes morais [78] . Mas S. Tomás vai mais longe. E chega ao ponto de considerar que a própria justiça particular “ultrapassa em excelência as outras virtudes morais” [79] , porquanto, em suma, a justiça particular produz bem nos outros, e a temperança e a fortaleza produzem apenas bem no sujeito.

Isto é dito no artigo final da questão 58, sobre a Justiça, e é uma conclusão relevantíssima no trânsito da moral individual para o Direito, concebido como uma espécie de ética social mínima. O projecto epistemológico estava terminado.

Tudo reside, quanto à precedência, na distinção, seguindo aliás Aristóteles [80] , entre virtudes morais em sentido estrito e virtudes intelectuais, ou dianoéticas. Estas últimas estão vocacionadas precisamente para fornecer ao Homem os instrumentos captadores da verdade: o entendimento, a ciência, a arte, a prudência e a sabedoria.

S. Tomás afirma a Prudência como virtude intelectual pela sua essência [81] , considera que “a virtude moral pode existir sem certas virtudes intelectuais, por exemplo, a sabedoria, a ciência e a arte, mas não sem a prudência” [82] , do mesmo modo que “as demais virtudes intelectuais podem existir sem a virtude moral, mas não a prudência” [83] . Esta centralidade e dependência das demais virtudes face à Prudência não ocorre em relação à Justiça, que não é uma virtude intelectual, aliás: “(...) não nos chamam justos pelo facto de que conheçamos alguma coisa com exactidão. Ela (a Justiça, subentende-se) não tem assim a sua sede na inteligência ou na razão, que é uma faculdade de conhecimento. Mas porque somos chamados justos pelo facto de que façamos qualquer coisa com rectidão, e porque é o apetite que é o princípio próximo de um acto, é necessário que a justiça tenha a sua sede numa potência apetitiva” [84] .

A preeminência da Prudência e a da Justiça não são, assim, do mesmo tipo, nem se exercem sobre as mesmas virtudes. A da Prudência extende-se a todas as virtudes morais, porque os apetites, mesmo os da Justiça, têm de ser controlados pela razão. A da Justiça não significa controlo ou determinação da Temperança e da Fortaleza, mas apenas maior universalização, mais importância. De entre as virtudes morais (apetitivas, afinal), a Justiça é (também para Pieper [85] ) a virtude suprema. Apenas não se sobrepõe à Prudência, porque esta está na ordem do ser e da verdade, e tem, assim, uma dimensão intelectual e factual de que, como vimos, carece a própria Justiça para não ser afinal cega, porque não conhecendo o caminho que pisa. Uma Justiça imprudente parece ser, afinal, aquela que se critica com a pantomina de vendar a deusa.

Ora é o momento de voltar a casa, à Stanza della Segnatura. Wohin gehen Wir? Immer nach Hause... Pois bem. Rafael, sendo platónico e não tomista, coloca a Justiça no céu, no tecto. Mas não a venda, pelo contrário a representa olhando para baixo, para as virtudes, e como ambas estão no eixo central da parede, decerto, melhor e antes das demais, verá a Prudência.

Acresce que a Justiça não se encontra ao lado das demais virtudes morais stricto sensu, mas a Prudência está como que entronizada, num plano superior, e ocupa o centro da respectiva composição. Este facto compositivo espelha muito adequadamente a dependência das demais virtudes face à Prudência, e a necessidade de esta se exercer por aquelas, tal como dissemos supra.

Digamos que Rafael, que (recordemo-lo) não pretendia pintar as virtudes em si, mas sobretudo a Justiça, fiel à sua inspiração filosófica, platónico-aristotélica, acabou por não menosprezar a corrente de inspiração cristã e tomista, sem contudo a fazer prevalecer. E é curioso que não tenha cedido totalmente ao primado da Prudência, apesar de tudo muito em voga no Renascimento, tendo então o homem sábio sido identificado pelos humanistas com o prudente, e ocasião para muitas divisas e emblemas enaltecendo tal virtude [86] .

Tudo viria a culminar com a célebre alegoria da Prudência de Ticiano [87] .

O recurso, aliás extenso, à doutrina do Doutor Comum para compreender melhor a composição da Justiça na Stanza della Segnatura parece justificar-se pelo facto de, apesar do platonismo envolvente da época e do grupo sócio-cultural em que Rafael se movia e para quem trabalhava, a doutrina tomista (e por via dela aristotélica) ter um efectivo curso vital, precisamente nos meios eclesiásticos.

Conclusão

Rafael pôs de parte a ideia de pintar na Stanza della Segnatura uma representação do Juízo final. Poderá discutir-se o que tal decisão poderá ter tido a ver com o trabalho de Miguel Ângelo na Capela Sistina. Mas, de facto, uma tal tema em nada se articularia, pela sua magnitude e contexto escatológico, na mundividência que as quatro paredes da Stanza evidenciam: uma cosmovisão platónica. O juízo final não representa, com efeito, o modelo da justiça-virtude (nem tampouco o arquétipo da justiça humana da justiça particular), mas o último episódio da História, contrário à ucronia da sua utopia, qual sempiternidade de céu na terra. A stanza é um outro Parnaso (a “Escola de Atenas” também o é) [88] , não um vale de Josaphat.

Assim, ao invés do que seria o modelo da pura justiça divina (para mais vista com olhos humanos e eventualmente numa versão excessivamente determinada pela sua circunstância [89] ), o que hoje temos no quadrante da Justiça é a estrutura, admiravelmente simbolizada e executada, da narrativa causante da Justiça numa perspectiva cristã e platónica (ou neoplatónica na medida em que platónica cristianizada): no tecto, a pura Justiça, arquétipo inteligível, no céu dos conceitos. Logo a seguir, o tímpano das virtudes, quer cardeais quer teologais, a mostrar que, mesmo se as teologais são menores e como que ancilares neste particular, e ainda que despojadas de signos mais eloquentemente religiosos, são elas, pilares da dimensão religiosa e moral (e no caso mais moral que religiosa), que determinam o Direito. Só depois, nas paredes a ladear a janela, vêm os fresco das Decretais e do Digesto, apresentados nos seus momentos fundadores, mas sintomaticamente desprovidos de qualquer alusão ao Direito Natural.

Coerentemente, Rafael identifica o Direito, todo o Direito, com o direito positivo, porquanto para fundamento já se encontra solidamente arrimado nas virtudes, morais e religiosas, e mais que nelas, na Ideia de Justiça.

Tudo indica que Rafael não conhecia (ou não aderiu) à perspectiva de autonomização do jurídico, cara a Aristóteles, nem ao desejo de laicização do Direito, protagonizado por S. Tomás. Entre este último e o seu tempo interpusera-se, evidentemente, muita água nominalista e muita escolástica tardia sob as pontes da História. Porém, se a Prudência não é a virtude das virtudes em Rafael, tal se deve certamente ao facto de não estar a fazer teologia moral, mas representação da Justiça. E, mesmo assim, a Prudência surge no centro das virtudes e num plano superior. Aliás, o próprio Tomás de Aquino, na linha de Aristóteles, embora moderando o Filósofo, dá a maior relevância à Justiça, como suprema das virtudes morais, dependendo porém, na ordem do ser e da verdade, da Prudência.

Esta representação da Justiça, com todos os abundantes problemas filosóficos e teológicos que levanta, é sem dúvida muito inspiradora, designadamente num tempo, como o nosso, em que para muitos falecem elementos legitimadores e fundamentadores do Direito.

A surda disputa entre S. Tomás e Platão (ou, talvez melhor, a alternativa entre eles) de que Aristóteles e Rafael, cada um a seu modo, são pontos intermédios, continua a estar aí, nos murais da Stanza, como um desafio permanente.

Bernard Shaw disse de Rafael, e Pieper, embora incomodado com a agressividade da forma, acabou por dizê-lo também do Doutor Universal: “tiveram grandes homens como precursores e só imbecis como seguidores” [90] . Talvez por isso os dois filósofos gregos conservam consensual veneração, enquanto estes dois gigantes, do pensamento e da arte, ainda são por vezes vistos à luz de uma medíocre posteridade [91] .

Permitamo-nos, a terminar, um sonho platónico: a Stanza não é senão uma imagem decaída (e modesta) da que se encontra no céu dos conceitos. Aí, Aristóteles, Justiniano e Triboniano e Tomás (e talvez um romano clássico, por exemplo, simbolizado em Cícero) substituem os dois painéis do Direito Positivo. Antígona e as vítimas resgatadas no tribunal de Nuremberga, ou a deusa da Liberdade de Tia – Na – Men, simbolizando o Direito Natural, contracenam com as virtudes, numa meia lua que, decerto por um sistema de réguas reclináveis (ou outro, electrónico e computorizado), ora mostra uma ora outra das legitimações do Direito. Rafael aproximar-se–á bem mais do centro da Escola: qui se humiliat, exaltabitur [92] . A Justiça, essa constans et perpetua voluntas, assente no tímpano das virtudes, pode e deve continuar no tecto, contemplando a sua obra. E vendo que tudo estava bem, poderá, enfim, descansar.



[1] PAUL KRISTELLER, The Classics and Renaissance Thought, Cambridge, Mass., Harvard University Press, trad. port. de Artur Morão, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, Lx., Edições 70, 1995, p. 53 (adaptámos a tradução).

[2] Seguimos a impressiva síntese de G. LAHR, História da Filosofia, trad. port., Editor: Manuel Luís da Costa Azevedo, 1933, pp. 25-26, apesar de não concordarmos com a sua tradução de episteme (por “ciência”), que, no caso, nos pareceu algo simplista.

[3] Cf. JULIAN MARIAS, Historia de la Filosofía, 4.ª ed. Ampliada, Madrid, Manuales de la Revista de Occidente, 1948, pp. 62-63.

[4] Nesse sentido também, PAUL KRISTELLER, The Classics and Renaissance Thought, Cambridge, mass., Harvard University Press, trad. port. de Artur Morão, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, Lx., Edições 70, 1995, p. 56. Sobre os alvores do neo-platonismo e algumas das suas repercussões na arte, RENÉ HUYGHE, Sens et Destin de l’Art, Paris, Flammarion, trad. port. de João Gama, Sentido e Destino da Arte, I vol., Lx., Edições 70, 1998, p. 230 ss..

[5] Pelo menos o do Digesto. Cf. JAMES BECK, The Stanza della Segnatura, Nova Iorque, George Braziller, 1993, trad. it. de Achille Albertelli, Rafaello. La Stanza della Segnatura, Turim, Società Editrice Internazionale, 1996, pp. 74-77.

[6] forma atque filo virginali, aspectu vehementi et formidabili, luminibus oculorum acribus, neque humilis neque atrocis, sed reverendae cuiusdam tristitiae dignitate”, apud GUSTAV RADBRUCH, Vorschule der Rechtsphilosophie, trad. de Wenceslao Roces, Introduccion a la filosofia del derecho, 4.ª ed. cast., México, FCE, 1974, p. 139.

[7] SEBASTIÃO CRUZ, Ius. Derectum (Directum)..., Relectio, Coimbra , ed. do autor, 1971 p. 27.

[8] Cf. os nossos Die Symbole des Rechts. Versuch einer Synthese, in "Archiv fuer Rechts- und Sozialphilosophie", vol. 80 - 1994 1. Quartal. Heft 1, Stuttgart, Franz Steiner, 1994; Uma Introdução à Semiologia Jurídica. Os Símbolos do Direito, in EYDIKIA, 3-4. Atenas, 1995, p. 101 ss.; La balance, le Glaive et le Bandeau. Essay de Simbologie Juridique, in "Archives de Philosophie du Droit", Paris, Sirey, 1995, separata, 1996; Dalla Simbologia Giuridica a una Filosofia Giuridica e Politica Simbolica ? ovvero Il Diritto e i Sensi, in “Quaderni Filosofici”, Pádua, CEDAM, 1998. Por último, e apontando já para a presente tese, uma referência ao problema em Direito e Humor, in “Psicologia, Educação, Cultura”, vol. IV, n.º 2, Porto, Dezembro 2000 (saíu em Janeiro 2001), p. 411- 435, hoje no nosso volume Faces da Justiça, Coimbra, Almedina, 2002, pp. xxx

[9] Por exemplo, PIERRE PAUL PRUD’HON (1758-1823), Tête de la Fortune, Museu do Louvre. É interessante notar-se que se trata, obviamente, de uma obra menor do mesmo autor de La Justice et la Vengeance divine poursuivant le Crime, em que nenhuma das personagens se encontra vendada, ao contrário da Fortuna. Sobre a evolução daquela obra, com a qual a própria Guernica de PICASSO vai estabelecer algum diálogo, SYLVAIN LAVEISSIÈRE, Prud’hon. La Justice et la Vengeance divine poursuivant le Crime, Paris, Réunion des Musées Nationaux, 1986.

[10] SEBASTIAN BRANDT, Das Narrenschiff, adaptação fr. de Madeleine Horst, La Nef des Fous, Estrasburgo, La Nuée Bleue, 1977, p. 267, estampa 71. Cf. sobre esta estampa, v.g., WOLFGANG SELLERT, Recht und Gerechtigkeit in der Kunst, Goettingen, Wallstein, 1993, p. 104 ss..

[11] Sobre a relação de Zeus com a Justiça, HUGH LLOYD-JONES, The Justice of Zeus, ed. revista, Berkeley, Los Angeles, London, Univ. of California Press, 1983.

[12] G. B. VICO, De Universi Juris uno Principio et Fino Uno, Proloq., n. 2.

[13] Todavia, mais realista na caracterização de Justiniano que a figura normalmente identificada com o imperador bizantino na Flagelação de Cristo, de PIERO DELLA FRANCESCA, e recordando levemente a figura correspondente em SIMONE MARTINI, S. Martinho renunciando às armas, pintura mural numa das capelas da igreja baixa, Basílica de S. Francisco, Assis, c. 1315-1320.

[14] O problema da dimensão, da forma e da sinceridade da crença cristã no Renascimento é complexo. Um bom exemplo do proteísmo de que se revestiu pode colher-se no exemplar livro de LUCIEN FEBVRE, Le problème de l’incroyance au XVI.e siècle, Paris, Albin Michel, 1970, trad. port. de Rui Nunes, O Problema da Descrença no Século XVI. A Religião de Rabelais, Lx., Editorial Início, sd.

[15] Há quem, em lugar de centralidade da Prudência, lhe prefira a preeminência. Assim, por exemplo, JOSEF PIEPER, Menschliches Richtigsein, trad. port. de Jean Lauand, Estar certo enquantohomem - as virtudes cardeais (a nossa tradução seria antes, cum grano salis, evidentemente: “Humanamente Correcto”), in http://www.hottopos.com.br/videtur11/estcert.htm. O autor prefere o primeiro lugar para a Prudência porquanto considera que uma Justiça só de boas intenções, mas imprudente, porque desconhecedora das realidades, por exemplo, não é suficiente. Nós diríamos que a imprudência animada de um ingénuo sentimento de justiça pode alimentar as maiores ilusões e utopias, bem como conduzir, precisamente por isso, às piores injustiças. Summum jus, summa injuria, ou fiat justitia, pereat mundus: já os Romanos alertavam para o perigo da imprudência dos justos. Mas não só a Prudência: também a falta de Temperança e de Fortaleza pode fazer perigar a Justiça. E até a falta de pelo menos duas das virtudes teologais: que é de uma Justiça sem Esperança, e da Justiça sem o Amor ou Caridade? No limite, simples barbarismos oficiais, repressão com base na lei.

[16] Todas as citações são de JOSEF PIEPER, Menschliches Richtigsein, trad. port. de Jean Lauand, Estar certo enquantohomem - as virtudes cardeais.

[17] Videmos nunc per speculum in aenigmate”, diz Paulo, I Cor.XIII, 12. Também faz esta conexão EDGAR WIND, “La Justicia platónica reepresentada por Rafael”, in La Elocuencia de los Símbolos. Estudios sobre Arte Humanista, p. 102. Citando S. Agostinho: “Illuminatio est Fides”.

[18] Sobre a Esperança, cf., v.g., em clave poética (e mística), CHARLES PÉGUY, Le porche du mystère de la deuxième vertue, trad. port. de Henrique Barrilaro Ruas, O Pórtico do Mistério da Segunda Virtude, apresentação P.e João Seabra, Lx., Grifo, 1998.

[19] EDGAR WIND, “La Justicia platónica reepresentada por Rafael”, in La Elocuencia de los Símbolos. Estudios sobre Arte Humanista, p. 101.

[20] Todas as citações são de JOSEF PIEPER, Menschliches Richtigsein, trad. port. de Jean Lauand, Estar certo enquantohomem - as virtudes cardeais.

[21] II-IIae, Q. 49.

[22] A bibliografia sobre S. Tomás é imensa. Permita-se-nos que citemos apenas dois títulos: um, recente, sobre a actualidade do doutor comum, LUIZ JEAN LAUAND, “Tomás de Aquino: vida e pensamento – estudo introdutório geral”, in TOMÁS DE AQUINO, Verdade e Conhecimento, tradução, estudos introdutórios e notas de Luiz Jean Lauand e Mario Bruno Sproviero, São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 1 ss.; e o outro é um pequeno livro, mas absolutamente genial, ditado de um fôlego pelo autor, sem precisar de consultar nenhuma fonte, durante a inspiração de tal ditado: G.K. CHESTERTON, Saint Thomas du Createur, trad. fr., Niort, Antoine Barrois, 1977.

[23] II-IIae, Q. 47, a. 4.

[24] II-IIae, Q. 47, a. 5, objs. 1-3.

[25] Que, aliás, não consta das primeiras traduções portuguesas: quer da evangélica, de João Ferreira de Almeida (n/ ed., Lx., Sociedades Bíblicas Unidas, 1993), quer a católica, do Padre António Pereira de Figueiredo (n/ ed., reed. Da aprovada em 1842 pela rainha D. Maria II com a consulta do Pariarca Arcebispo eleito de Lisboa, Lx., Depósito das Escripturas Sagradas, 1924).

[26] II-IIae, Q. 47, a. 5, sed contra. Cf. também II-IIae, Q. 58, a. 5, obj. 1.

[28] Bíblia Sagrada, 8.ª ed., Lx., Difusora Bíblica, 1978.

[29] Não esqueçamos que o livro da Sabedoria, embora se chame, em grego (língua em que integralmente foi escrito, sem que tivesse existido qualquer original judaico), “Sabedoria de Salomão”, pertence ao cânone dessa Igreja oriental, e foi escrito certamente por um judeu helenizado, provavelmente em Alexandria. (cf., v.g., ENRIQUE NARDONI, Los que Buscan la Justicia. Un Estudio de la Justicia en el Mundo Bíblico, Estella, EVD, 1997, p. 154; BRUCE M. METZGER, MICHAEL D. COOGAN, “Wisdom of Solomon”, in The Oxford Companion to the Bible, Nova Iorque/Oxford, Oxford University Press, 1993, p. 803 ss.). Tal contexto pode muito bem explicar influências filosóficas “pagãs” (Cf. Ibidem, p. 155). No mesmo sentido, e para maiores aprofundamentos, JOSE VILCHEZ LINDEZ, Sabiduria, Estella, EVD, 1990, p. 52 ss  

[30] La Bible de Jérusalem. La Sainte Bible, nova ed., 14.ª, Paris, Cerf, 1994.

[31] http: //www. elcatolicismo.com/biblia/

[32] JOSE VILCHEZ LINDEZ, Sabiduria, p. 269.

[33] Cf., dando algumas pistas donde se poderá inferir esta nossa hipótese, La Bible de Jérusalem. La Sainte Bible, nova ed., 14.ª, Paris, Cerf, 1994, p. 971-972, n. h).

[34] Cf. JOSE VILCHEZ LINDEZ, Sabiduria, p. 269.

[35] Bíblia Sagrada. Edição Pastoral, 3.ª ed., ed. Orig. bras. da Pia Sociedade de S. Paulo, edições Paulus, adapt. Port., 1997.

[36] Fonte: http.//www.wlb-stuttgart.de/bible/19_SAPIE/0586_587.JPG

[37] A tradução portuguesa que citámos, assinala, como vimos, a temperança, a coragem e a sabedoria; a tradução francesa, da Bibioteca da Pléiade, da autoria de Léon Robin, igualmente considera a “tempérance”, a “courage” e a “sagesse”. Cf. PLATON, Oeuvres complètes, I, trad. nova e notas de Léon Robin com a colaboração de M.-J. Moreau, Paris, Gallimard, 1950 (reimp. 1981), p. 999.

[38] Cf. ANDRÉ-MARIE GERARD, “Sagesse”, Dictionnaire de la Bible, Paris, Laffont, 1989, p. 1221.

[39] http://www.vatican.va/archive/bible/nova_vulgata/documents/nova-vulgata_index_lt.html "Nova Vulgata Bibliorum Sacrirum Editio 'typica'

[41] Cf., v.g., F. E. PETERS, Greek Philosophical Terms. A Historical Lexicon, 2ª ed., New York, New York University Press, 1974, trad. port. de Beatriz Rodrigues Barbosa, Prefácio de Miguel Baptista Pereira, Termos Filosóficos Gregos. Um Léxico Histórico, Lx., Gulbenkian, 1997, pp. 38-39.

[42] II-IIae, Q. 47, a. 5, s. 2.

[43] II-IIae, Q. 47, a. 6, resp. e s. 1.

[44] Ou, pelo menos, dizendo coisas que mostram ignorância: sicut ignoranter dicunt iuristae, GIUSEPPE GRANERIS, Contribución tomista a la filosofía del derecho, trad. cast. de Celina Ana Lértora Mendoza, Buenos Aires, Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1973, p. 11.

[45] Sobre o platonismo de Aristóteles em matérias conexas com o nosso presente tema, ALASDAIR MACINTYRE, Whose virtue ? Which Rationality?, Londres, Duchworth, 1988, p. 88 ss..

[46] Fá-lo, mais especificamente, em II-IIae, Q. 58, máx. arts. 7 e 8. Dir-se-ia que o tratamento da justiça enquanto virtude não é senão uma preparação para o advento da Justiça particular.

[47] MICHEL VILLEY, Philosophie du Droit, I. Définitions et Fins du Droit, 3.ª ed., Paris, Dalloz, 1982, p. 117 ss.; GUIDO FASSÒ, San Tommaso giurista laico ? , in “Scritti de Filosofia del Diritto“ , a cura di E. Pattaro/Carla Faralli/G. Zucchini, Milano, Giuffrè, I, 1982, p. 379 ss..

[48] Por isso é que é perturbadora (dando que pensar, mas repugnando prima facie) a ideia da incompatibilidade entre um discurso intimista (privado e do tipo de diário) pessimista refugiando-se nos braços confortantes da divindade, e a afirmação pública do Direito Natural, enquanto teoria da justiça laica. Bem como a da pura e simples subordinação da visão pública à privada. Para o caso de Michel Villey, de quem saiu obra póstuma filosófico-diarística, cf. os comentários de BJARNE MELKEVIK, “Villey et la Philosophie du Droit: en lisant les Carnets”, in Réflexions sur la Philosophie du Droit, Paris/Québec ( ?), l ‘Harmattan/Les Presses de l’Université Laval, 2000, máx. p. 122 ss.. No limite, uma religiosidade mística seria até incompatível com o próprio cultivar do Direito. Cremos, por isso, ser possível um pensamento público e um pensamento (ou sentimento) privado nem sempre coincidentes, embora concordantes, sem todavia a subordinação do jurídico ao moral ou ao religioso.

[49] ISIDORO DE SEVILHA, Etymol., V, 3; II-IIae, Q. 57, a. 1, sed contra.

[50] Cf., de entre muitos, KENT GREENAWALT, Conflicts of Law and Morality, Nova Iorque/Oxford, Oxford University Press, 1989.

[51] ARISTÓTELES, Éticas a Nicómaco, V, 1134 b) 18.

[52] Veremos infra, sub “Concórdias”, mais claramente, que mesmo o projecto epistemológico de S. Tomás não rompeu inteiramente com a primazia da Justiça, apenas a re-contextualizou.

[53] ARISTÓTELES, Éticas a Nicómaco, V, 1. 1129 a).

[54] Ibidem, V, 2, 1129 a) in fine.

[55] Essa era a tese, todavia ulteriormente matizada e moderada, de KARL POPPER, The Open society and its enemies, trad. bras. A Sociedade Aberta e seus inimigos, Belo Horizonte, Ed. Univ. de S. Paulo/Editora Itatiaia, I, 1974, máx. p. 100 ss..

[56] Ibidem, V, 2 ss..

[57] Ibidem, V, 3, 1129 b) in fine.

[58] Ibidem, V, 4, 1130 a).

[59] A título ilustrativo: muito significativa diferença entre os dois tipos de justiça parece ocorrer entre a primeira e a segunda partes do tratamento do tema em PETER T. GEACH, Las Virtudes, pp. 139-150 (justiça como virtude em geral, embora entrando já na ideia de “pacta sunt servanda”); pp. 151-156 (justiça particular, jurídica, embora vista de um ângulo filosófico, e sem enjeitar a perspectiva ética e religiosa que a todo o trabalho inspira).

[60] Cf. o nosso Entre a superação do positivismo e o desconforto com o direito natural tradicional, in História do Pensamento Filosófico Português, dir. de Pedro Calafate, vol. V, tomo 2, Lx., Caminho, 2000, p. 58 ss..

[61] JOSEF PIEPER, Las Virtudes Fundamentales, 4.ª ed. cast. , Madrid, Rialp, 1990, máx. pp. 36-37.

[62] JOSEF PIEPER, Las Virtudes Fundamentales, p. 34,

[63] Oração do terceiro domingo depois da Ressureição, apud JOSEF PIEPER, Las Virtudes Fundamentales, p. 40. Novas surpresas nos surgem no confronto com os textos, originais ou traduzidos. Na verdade, encontramos no Missal Popular l (org. Valentim Marques, com copyright da Conferência Episcopal Portuguesa para os textos litúrgicos, vol. I. Dominical, 5.ª ed., Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1994) em vigor, o seguinte salmo responsorial para o III Domingo de Páscoa, ano B (pp. 453-454): “Fazei brilhar sobre nós, Senhor,/ a luz do vosso rosto. Repete-se/. Quando Vos invocar, ouvi-me, ó Deus de justiça./ Vós que na tribulação me tendes protegido,/ compadecei-Vos de mim/ e ouvi a minha súplica. Refrão/Sabei que o Senhor faz maravilhas pelos seus amigos,/o Senhor me atende quando O invoco./Refrão/ Muitos dizem: ‘Quem nos fará felizes?’/Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz da vossa face./Refrão/ Em paz me deito e adormeço tranquilo,/ porque só Vós, Senhor,/ me fazeis repousar em segurança.” Será o mesmo texto? Terá havido uma adaptação do texto inicial? O nosso conhecimento das referências bíblicas e litúrgicas não nos permite mais que apresentar aqui os dois, que a qualquer leigo apresentam evidentes semelhanças e significativas diferenças, com importância para a estratégia discursiva em apreço.

[64] Cf. a sempre admirável síntese de G. LAHR, História da Filosofia, p. 19.

[65] II-IIae, Q. 58, a. 12, respondeo.

[66] II-IIae, Q. 58, a. 12, sed contra.

[67] II-IIae, Q. 58, a. 1, obj., 1 et sq.

[68] Moral. II, 49.

[69] II-IIae, Q. 58, a. 3.

[70] II-IIae, Q. 58, a. 4.

[71] ARISTÓTELES, Éticas a Nicómaco, V, 3 - 1130 a) 9.

[72] A referência é corrente, e atribuída ao Papa que o canonizou, João XXII (apenas cinquenta anos depois da sua morte, em 18 de Julho de 1323; rapidez de canonização, porém, ultrapassada por Fernando de Bulhões, o nosso (e paduano) Santo António, que, por isso, figura no Guiness book). Cf., v.g., um curioso texto onde pode ver-se tal referência, entre muitos: ALLYRIO GOMES DE MELLO, A Maneira Literária e a Maneira Filosófica do Doutor Angélico, Coimbra, Tip. da Gráfica Conimbricense, 1924, p. 9. Sobre o problema geral da canonização e o seu processo em concreto, cf. JOSEF PIEPER, Einfuehrung zu Thomas von Aquin. Zwoelf Vorlesungen, Munique, Koesel, trad. cast. (agrupando um estudo sobre a escolástica), Filosofía Medieval y Mundo Moderno, 2.ª ed., Madrid, Rialp, 1979, p. 223 ss..

[73] II-IIae, Q. 58, a. 5, respondeo.

[74] II-IIae, Q. 58, a. 5, sol. 1.

[75] II-IIae, Q. 58, a.5, sol. 2.

[76] ARISTÓTELES, Éticas a Nicómaco, V, 3 - 1130 a 8 ss..

[77] II-IIae, Q. 58, a.6, respondeo.

[78] II-IIae, Q. 58, a.12, respondeo.

[79] II-IIae, Q. 58, a.12, respondeo.

[80] I-IIae, Q. 58, a. 3, sed contra, citando ARISTÓTELES, Éticas a Nicómaco, II, 1 (1103 a 14).

[81] I-IIae, Q. 58, a. 3, s. 1.

[82] I-IIae, Q. 58, a. 4, respondeo.

[83] I-IIae, Q. 58, a. 5, respondeo.

[84] I-IIae, Q. 58, a. 4, respondeo.

[85] Muito explicitamente, neste sentido, JOSEF PIEPER, Las Virtudes Fundamentales, p. 113.

[86] SANTIAGO SEBASTIÁN, Emblemática e História del Arte, Madrid, Cátedra, 1995, p. 305 ss..

[87] Cf. ERWIN PANOFSKY, “A ‘Alegoria da Prudência’ de Ticiano: um Post-Scriptum”, in O Significado nas Artes Visuais, p. 101 ss..

[88] Uma e outra, e, em geral, toda a Stanza, comungam de um ambiente isolado do ”mundo lá fora”. A Stanza funciona assim como uma espécie de símbolo espacial de toda separação e estranhamento do Renascimento face às circunstâncias sociais, económicas, políticas envolventes. Cf., sobre esta envolvente, EUGÉNIO GARIN, O Renascimento. História de uma Revolução Cultural, trad. port., Porto, Telos, 1983, v.g., pp. 9-10.

[89] As imagens do juízo, dos delitos, das penas e dos lugares de expiação têm variado. Além das histórias do inferno, purgatório, e do próprio céu. Cf., inter alia, JEAN DELUMEAU, Une Histoire du Paradis – Le jardin des délices, Paris, Fayard, 1992; JACQUES LE GOFF, La Naissance du Purgatoire, Paris, Galimard, 1981, trad. port. de Maria Fernanda Gonçalves de Azevedo, O Nascimento do Purgatório, Lx., Estampa, 1993. Na verdade, segundo algumas correntes novas da teologia católica, o inferno não é senão uma hipótese. Cf. KARL RAHNER, Grundkurs des Glaubens, Friburgo de Brisgóvia, Herder Kg, 1977, trad. cast. de Raúl Gabás Pallás, Curso Fundamental sobre la Fe. Introducción al Concepto de Cristianismo, 5.ª ed., Barcelona, Herder, 1998, máx. p. 499 ss.. Sobre a maior capacidade humana em conceber infernos do que em visualizar céus, cf. GEORGE STEINER, In Bluebeard's Castle (Some notes towards the redefinition of Culture), trad. port. de Miguel Serras Pereira, No Castelo do Barba Azul. Algumas notas para a redefinição da Cultura, Lx., Relógio D'Água, 1992. Para uma visão mais abrangente em diversas religiões, PIERRE-ANTOINE BERNHEIM, GUY STAVRIDES, Paradism paradis, Paris, Plon, 1991, trad. al., Welt der Paradiese, Paradiese der Welt, Zurique, Artemis & Winkler, 1992.

[90] G. B. SHAW, Musik in London (Bibliothek Suhrkamp, Frankfurt, 1957), p. 63 ss., apud JOSEF PIEPER, Filosofía Medieval y Mundo Moderno, p. 228.

[91] Há uma dupla mediocridade: a dos epígonos e a dos bárbaros, que desdenham o génio. Já Goethe se insurgia contra os artistas alemães que se atreviam a minimizar Rafael e Ticiano. Cf. GOETHE, Conversations avec Eckermann (1836-1848), trad. fr. de J. Chuzeville, nova ed. revista e apresentada por Cl. Roels, Paris, Gallimard, 1988, conversa de 22 de Março de 1831, p. 408. Apesar de que Ticiano era bem diferente de Rafael. Uma interessante comparação com os três grandes génios da arte renascentista é a de GOMBRICH, Histoire de l’Art, p. 331: “Ticiano não possuía nem a erudição universal de Leonardo, nem a poderosa personalidade de Miguel Ângelo, nem o ‘charme’ de Rafael. Era verdadeiramente e antes de mais um pintor (...)”

[92] Lc., XVIII, 14.