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(notas do ciclo de palestras que o autor - escritor de livros didáticos da Editora Saraiva - tem proferido para professores de 1o, 2o e 3 o graus nos mais diversos pontos do país. Mantivemos o tom coloquial, próprio da informalidade desses encontros)

 

Elian Alabi Lucci
elian_alabi@yahoo.com.br

Tom Peters, um dos "gurus" do mundo atual, diz com muita propriedade que estudar, a partir de agora, é para a vida toda. Dele também é a advertência de que nossa vida de estudo não pode e nem deve, na atual sociedade, terminar com o último certificado que obtemos.

Diante disso,cabe a pergunta: Por que a educação está hoje tão "em alta"?

A educação sempre foi o motor da civilização e a ela devemos nossa constante evolução técnica,científica e cultural. Mas, neste momento, a educação passa a ter um papel ainda mais decisivo até para a nossa sobrevivência. Cabe a ela promover uma revolução. Como diz Edgar Morin:

A antropologia pré-histórica mostra-nos como a hominização é uma aventura de milhões de anos, ao mesmo tempo descontínua - surgimento de novas espécies: habilis, erectus, neanderthal, sapiens, e desaparecimento das precedentes, aparecimento da linguagem e da cultura – e contínua, no sentido de que prossegue em um processo de bipedização, manualização, erguimento do corpo, cerebralização, juvenescimento (o adulto que conserva os caracteres não-especializados do embrião e os caracteres psicológicos da juventude), de complexificação social, processo durante o qual aparece a linguagem propriamente humana, ao mesmo tempo que se constitui a cultura, capital adquirido de sabres, de fazeres, de crenças e mitos transmitidos de geração em geração... (Morin, Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro, São Paulo, Cortez, 2000, p. 51)

Mas que revolução seria essa? E quais são suas armas?

Certamente, trata-se de uma revolução para trazer o homem “de volta aos eixos”.

O ser humano - e enfim a sociedade global - passa por um mau (ou péssimo...) momento, do ponto de vista moral e cultural: uma tremenda crise de valores.

O fato é evidente e basta-nos, aqui, a referência à um significativo episódio da atual crise argentina (que não é só argentina..., o Brasil já está com as barbas de molho). O bem-humorado livro “O atroz encanto de ser argentino” de Marcos Aguini -que acaba de ser lançado no Brasil e em poucos meses na Argentina alcançou a 16a. edição - recolhe o fulminante diagnóstico de um famoso tango:

Hoje dá na mesma ser honesto ou traidor, ignorante, sábio, ladrão, generoso, enganador...

Tudo é igual, nada é melhor: dá na mesma ser um burro ou um grande professor

Nesta pós-modernidade vivemos uma crise de valores (a indiferenciação a que se refere o tango), que advém de uma ruptura com os paradigmas da modernidade agravada pela globalização econômica e cultural.

O modelo de construção da subjetividade incentivado pela globalização e, em especial, pelo neo-liberalismo - que enfatiza a competição desenfreada - não leva a um mundo melhor. A psicóloga Deise Mancebo, professora da UERJ, não vê na organização dos países em blocos um verdadeiro traço de união entre os povos, mas a defesa dos interesses de seus grupos hegemônicos, sem real preocupação com a solidariedade. A psicóloga constata com preocupação que esse modelo, baseado no individualismo e no narcisismo, vem sendo incentivado na formação escolar brasileira (Schettino, Thais “Competitividade, um desafio brasileiro” Rumos 195, abril 2002, Rio de Janeiro, p. 30).

Por conta desse tenebroso mix, o homem vive uma situação de desencontro, mais aguda do que nunca e que pode ser exemplificada também num trecho de uma canção de Zezé Di Camargo & Luciano, de muito sucesso entre nós:

Pior É Te Perder (Álvaro Socci - Cláudio Matta)

Quanta gente a gente vive deixando pra trás
Mas tem coisas nesta vida que não voltam mais
A primeira namorada
A professora do jardim
Companheiros de estrada
Não se lembram mais de mim
Amizade abandonada
Só colegas de profissão
A família separada
Meus vizinhos eu nem sei quem são

Esses desencontros dão-se em todos os aspectos e segmentos de nossa vida em sociedade. Daí que Alfonso López Quintás proponha uma interpretação da reforma educacional espanhola (que serve hoje de modelo à vários países, entre eles o nosso) centrada em sua Pedagogia do Encontro (voltaremos a ela no artigo seguinte).

Esta pedagogia pode ser considerada a base filosófica para que se possa entender - em sentido profundo e humanístico - o que são os PCNs e os Temas Transversais e, consequëntemente, os objetivos da reforma, caso queiramos promover o homem em sua essência, fazê-lo voltar a ter dignidade, respeito por si próprio e pelo outro (o “outro”, tema que mereceu toda uma vida de reflexão por parte do filósofo Levinás).

E nada melhor, para o tema do encontro, do que evocar os versos do Samba da Benção, do inesquecível Vinicius de Morais.

Feito essa gente que anda por aí brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não
Tem uma só
Duas mesmo que é bom, ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado em baixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo,
A vida é a arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida

Mas para chegarmos a essa visão, a essa arte, é preciso inicialmente levarmos nossos alunos, através da educação, ao pensar.

Como muito bem mostra o filósofo salmantino Antonio Orozco-Delclós, o problema pedagógico mais grave de hoje é que não ocorre o pensar e nos últimos trinta anos parece que o diagnóstico sobre a situação de nossa sociedade continua sendo o mesmo: “se pasa de pensar”, dispensamos o pensamento.

Julián Marías também nos adverte de que esta sociedade peca por omissão quanto ao pensar Esta crise se manifesta também nos hábitos do cidadão médio: poucos, pouquíssimos lêem um artigo de jornal (para não falarmos em livros), que desenvolva algum tipo de pensamento. E isto torna-se mais grave quando se nota a freqüência dessa situação mesmo entre pessoas que têm um título universitário.

O pensamento sobre a verdade das coisas nesta nossa sociedade dos mass media foi substituído pelo “way of life” (em nossa época também pós-ideologia) que estão aguando os verdadeiros valores e a finalidade última do homem. Por outro lado, prossegue Marías, o que mais parece interessar na atualidade é não o pensamento, mas sim o que alguém chamou com muito humor e acerto: “sensacionamento” (você viu a calça ou o paletó que eu comprei, que sensacional! A loja tal, está promovendo uma liqüidação sensacionalíssima, tudo por 50% off!).

Presta-se muita atenção - conclui o pensador espanhol - ao que “se sente”, se se sente muito ou se sente pouco, se eu sinto ou não sinto... Isto nos mostra claramente um modo de viver sobre fundamentos inconstantes e pouco estáveis; um modo de discernir um tanto irracional, porque procede de vazios da alma e se desenvolve na epiderme da nossa existência.

Descaso para com o outro, anemia do pensamento, renúncia aos valores... Não é de estranhar, portanto, fenômenos como o da escalada da violência! E, como nos mostra Calvin, a criança até estranha quando não a encontra na TV...

Não se pensa no que existe e no que são no fundo as coisas. Não se pensa,por exemplo, se isto ou aquilo é meio ou fim. Em nossa sociedade, as pessoas renunciam a prosseguir a tarefa empreendida com tanto entusiasmo quando crianças: verificar até o último porquê das coisas. Será que isto não acontece porque devemos “aprender a pensar” e isto, de fato, não é prioridade em nossa educação...? Uma educação que continua privilegiando a mera informação em detrimento da reflexão...

Na certeira sentença de Alejandro Llano, pensar, ensinar a pensar, aprender a pensar é a tríplice obrigação da inteligência. E da educação... Continuaremos na próxima palestra.