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O Ensino de Álgebra no Curso de
Licenciatura em Matemática

 

Profa. Dra. Suzana Abreu de Oliveira Souza
Pesquisadora do Programa de Mestrado em Educação -
Centro Universitário Nove de Julho

 

Introdução

Existe uma dificuldade muito grande em achar professores para lecionar a disciplina de álgebra nos cursos de licenciatura em matemática. E quando o professor apresenta esta matéria, a resistência dos alunos é ainda maior. Será que realmente é importante uma disciplina como esta no currículo de formação do professor de matemática? Qual o embasamento teórico para se manter esta disciplina na formação deste professor?

O título geral de álgebra acaba compreendendo diversas disciplinas, como por exemplo: teoria dos conjuntos, teoria dos números, álgebra linear etc., embora, sua essência aponte para estruturas operatórias, que, obviamente, se juntam a outros elementos para constituir os diversos "objetos" matemáticos.

Dentre os pontos ensinados para os alunos de licenciatura, acredito que o que tem mais aceitação entre alunos e professores é a álgebra linear. Talvez por serem mais visíveis suas aplicações, como a re-apresentação - elegante e enxuta - da geometria analítica. Mas a menos apreciada, com certeza, é precisamente o ponto essencial: estruturas algébricas. Os professores tentam evitar lecionar esta matéria e os alunos se apavoram ante a sua apresentação. Gostaria de fazer algumas indicações que possam ajudar a compreender o rico significado dessa disciplina no currículo.

 

Nota Histórica

Para o surgimento histórico da álgebra, retomamos alguns dados apresentados por Lauand [1] . A álgebra surge com Muhammad Ibn Musa Al-Khwarizmi, na "Casa da Sabedoria" de Bagdá, que alcançou seu esplendor sob Al-Ma'amun (califa de 813 a 833). A este califa, Al-Khwarizmi dedicou seu Al-Kitab al-muhtasar fy hisab al-jabr wa al-muqabalah ("Livro breve para o cálculo da jabr e da muqabalah"), o livro fundador da Álgebra.

Al-Khwarizmi emprega a palavra jabr para designar a nova ciência ("álgebra" é simplesmente al-jabr , a jabr), pois jabr em árabe significa redução (no sentido de "força que obriga a entrar no devido lugar" - é a mesma palavra que se emprega em procedimentos ortopédicos, por exemplo) precisamente porque - analogamente à ortopedia - a Álgebra é "forçar cada termo a ocupar seu devido lugar".

Para um contemporâneo de Al-Khwarizmi era evidente a aplicação prática da Álgebra, pois, ao criar esta ciência, sua preocupação fundamental era a de atender à necessidade da comunidade muçulmana de, literalmente, equacionar as prescrições do Alcorão (sura 4) para os problemas de partilha de herança, naturalmente, de extremo interesse para a comunidade. Já para os alunos de hoje, o que a moderna matemática entende por Álgebra pode parecer uma fria e objetiva axiomática - constitutiva de uma sintaxe de estruturas operatórias e destituída de qualquer alcance semântico. O trabalho do professor e o do formador de professores é o de resgatar - na medida do possível - essa viveza que a álgebra tinha em suas origens.

Em seu longo desenvolvimento histórico, a Álgebra percorreu um longo caminho, até chegar ao século XIX, quando, com o aparecimento do Cálculo Diferencial e Integral, começaram a surgir as estruturações dos conjuntos numéricos, envolvendo também, como é óbvio, estruturas algébricas. Primeiro foi o conjunto dos inteiros e racionais, atribuído a Karl Weierstrass. Depois, com a sutileza que lhe é peculiar, o conjunto dos números irracionais (e reais), foi estruturado, independentemente, por volta de 1870, por Georg Cantor e Richard Dedekind. O conjunto dos números naturais, recebeu uma bela axiomatização por Giuseppe Peano, em 1889.

A estruturação desses conjuntos numéricos, exigiu o desenvolvimento da axiomatização de estruturas operatórias e, em meados do século XIX, surgem as estruturas de grupo e corpo, através dos trabalhos de Galois. Na mesma época, Ernest Eduard Krummer (1810-1893), introduz o conceito de ideal e anel. Quem estuda a história da matemática, vê claramente que a busca de soluções para problemas não resolvidos, sejam eles solúveis ou não, leva, invariavelmente a descobertas importantes pelo caminho. Como diz Boyer: "A matemática tem sido freqüentemente comparada a uma árvore, pois cresce numa estrutura acima da terra que se espalha e ramifica sempre mais, ao passo que ao mesmo tempo suas raízes cada vez mais se aprofundam e alargam, em busca de fundamentos sólidos." [2]

Percebe-se que a necessidade de resolver problemas levou à construção das estruturas algébricas, que hoje apresentamos para nossos alunos de graduação em Matemática, seja licenciatura ou bacharelado. Creio que isto é um ponto muito relevante, que despertaria a atenção dos alunos, saber que a álgebra não é uma vaidades dos deuses, que não tinham absolutamente nada para fazer, e então resolveram inventá-la para complicar a vida dos alunos.

Nesse sentido, um ponto de extrema importância no ensino de Álgebra (e no de matemática em geral) é mostrar a fecundidade da própria idéia de estrutura: que, por trás de "objetos" matemáticos, estão, no fundo, estruturas algébricas, topológicas etc. Esta é a razão pela qual se pode, por exemplo, falar da reta dos números reais: nos dois casos temos um corpo ordenado, contínuo e completo. E, no fundo, polinômios, vetores translação etc. possuem a mesma estrutura de espaço vetorial.

 

Alguns exemplos

Quando se trata de um curso de licenciatura em matemática, a primeira pergunta que o aluno faz quando uma nova matéria é apresentada é a seguinte: isto que eu estou aprendendo, interessa para o meu futuro aluno? Apresentamos, a seguir, alguns exemplos, a título de sugestão para o caso das estruturas algébricas.

Sobre os anéis, é claro, que se tomarmos por base o conjunto dos números inteiros para desenvolver a teoria, dando exemplos que não sejam somente o conjunto dos inteiros, o aluno deve ter as regras bem fundamentadas em sua mente, pois se ele não entende ou não sabe que uma certa propriedade faz parte do conjunto dos números inteiros, por ser um anel, dificilmente, ele consegue, diante de um exemplo onde aquela propriedade não valha, explicar o que é que funciona e o porquê. Um exemplo bem imediato é o caso do conjunto das matrizes quadradas. Sabemos que é um anel, não comutativo, pois a multiplicação de matrizes não é comutativa, com divisores de zero, ou seja, é possível encontrar duas matrizes quadradas, não nulas, cujo produto seja a matriz nula. Diante de um exemplo como este, o futuro professor tem que ter em mente as propriedades que aproximam este conjunto do conjunto dos números inteiros e as propriedades que o distanciam deste. Assim, um problema que poderia ser resolvido, se suas variáveis fossem os números inteiros, só poderá ser resolvido no conjunto das matrizes quadradas, se não houver necessidade do uso das propriedades: comutativa e não divisores de zero. Então, está claro que é fundamental um aluno de licenciatura em matemática, não só saber, mas dominar as propriedades dos anéis, saber dar exemplos, contra-exemplos, discuti-los e resolver exercícios com as propriedades pertinentes.

Já nas estruturas de corpos, uma das propriedades fundamentais é, por exemplo, a de não divisores de zero. É por causa desta propriedade que podemos resolver equações do 2º grau, cujo termo independente é nulo, sem usar a fórmula de Báskara. Por exemplo,

Neste caso, como a variável x aparece nas duas parcelas, podemos colocar em evidência, partindo do princípio que a operação de multiplicação está definida no conjunto em que estamos resolvendo a equação:

.

Se este conjunto é um corpo, ele tem a propriedade de não haver divisores de zero, ou seja, se um produto é zero, é porque uma de suas parcelas se anula, isto é,

 ou  .

Este tipo de procedimento é feito de maneira automática, sem muita explicação no ensino básico, mas o professor deve ter claro em sua mente, que uma equação deste tipo pode ter como variável não só números reais, mas elementos de outros conjuntos, que precisamos verificar se valem estas propriedades, para se fazer estas operações.

As estruturas de grupo, que são as que têm menos propriedades e, por isso, as mais abstratas. Mas aqui podemos começar a apresentar este ponto falando sobre o grupo das permutações. E para tornar mais interessante, antes de apresentar a definição propriamente dita, pode-se construir uma permutação com o triângulo no plano, e mostrar quais as propriedades básicas que essa operação obedece. A partir da identificação destas propriedades, pode-se, então denominar todo conjunto com estas mesmas propriedades de grupo.

Conclusão

Não só é importante, mas fundamental o ensino de estruturas algébricas em um curso de licenciatura em matemática. Sem esta disciplina o aluno sai do curso sem o alicerce básico para ensinar os princípios fundamentais da matemática. Faz-se necessário, porém, uma apresentação destes princípios, mostrando ao aluno a importância da mesma, chamando a atenção para os pontos relevantes e não apenas cumprir currículo e apresentar a teoria de forma vazia e abstrata. Assim como qualquer outra disciplina, a Álgebra deve ser apresentada de maneira a fazer sentido ao aluno o porquê que ela faz parte de seu currículo.

Bibliografia

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Educação Matemática em Revista. Revista da Sociedade Brasileira de Educação Matemática. Licenciatura em matemática: um curso em discussão. Ano 9, nº 11A, Edição Especial, abril de 2002.

HALMOS, Paul. Teoria Ingênua dos Conjuntos. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2001.

HEFEZ, Abramo. Curso de álgebra vol. 1. Rio de Janeiro: Instituto de Matemática Pura e Aplicada, CNPq, 1993.

LAUAND, Jean "Ciência e Weltanschauung - a Álgebra como Ciência Árabe", Revista de Graduação da Engenharia Química No. 11, jan-jun-2003, São Paulo, Mandruvá, pp. 33-46. Também on-line: http://www.hottopos.com.br/notand5/algeb.htm

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SZTAJN, Paola. “O que precisa saber um professor de matemática? Uma revisão da literatura americana dos anos 90”. Educação Matemática em Revista, 11A, abril de 2002. pág. 17 – 28.



[1] "Ciência e Weltanschauung - a Álgebra como Ciência Árabe", Revista de Graduação da Engenharia Química No. 11, jan-jun-2003, São Paulo, Mandruvá, pp. 33-46. Também disponível on-line: http://www.hottopos.com.br/notand5/algeb.htm

[2] BOYER, Carl B. História da Matemática, pág. 476.