Poemas

Deise Aparecida Martinelli de Assumpção

 

VIDA

O dia ia nascendo
Recolheu-se a luz
A fonte ia brotando
A água fez-se areia
O colibri no ar
Estagnou-se em chumbo
No meio do abraço
O braço congelou-se
As mãos que afagavam
Já não têm sabor
Os olhos vão e voltam
Não encontram alvo
O beijo fez-se escravo
Da mente paraplégica

A rosa desamarelou-se
O feto fez-se câncer
E meu Deus morreu.

 

VIAGEM-IMAGEM

Da arapuca brota o pássaro
cor de terra
e alçapão.
Voa verde, vôo azul
escapando do teu sonho.
Abro os olhos bem no sono,
vejo o escuro e faz-se a luz.
Em estrelas-flores-violetas.

 

DESENLACE

No poço o balde
puxando a corda.

Na forca a corda
puxando o homem.

No altar a estola
enredando o pescoço.

O avião no ar
desenhando o oito
com as argolas da corda
do poço e da forca.
A fumaça desfaz
a morte e a vida
em incenso.

 

ENTRE

Não sou áporo nem estrela,
Apenas a rosa amarela.
Não sou núpcias nem pecado,
Nem hetero, nem homo,
Sou nada.
O ódio eu nem conheci,
Amor espatifou minha fé.

E a roda gigante sarcástica
me leva em espasmo às alturas,
me desce no frio do orgasmo
do medo de corpo sem chão.
Inferno é meu entremeio

 

DESTINO

A dança e a guerra
carregam a vida
da ordem do caos
à desordem do etéreo

Na longa viagem
eu sou piracema
em saltos mortais
na cabeça das ondas

 

HERANÇA MATERNA

Agora que já te foste,
fiquei a reaprender
a lição do berço de ser poeta:

Se tu vinhas
e eu te via,
então tu eras.
Mas tu te ias
e te acabavas.

Teu vaivém
me deu a luz
de saber-te ser
quando não te via,
de imaginar
que tudo é.

Quero saber que inda tu és
e assim crerei
que também sou.

 

TRAVESSIA

desde meu primeiro grito
que eu perdi o meu cordão

estendeu-o pai e mãe
cada um por uma ponta
entre o tudo e o nada
onde em falso pé a pé
vou dizendo no contrário
o que em mim se faz verdade
recolhido do invertido
de outros pés em outras cordas
feito rosto de palhaço
feito salto no trapézio
malabarismo de palavras

até centrar a mim e a tudo
no umbigo do universo