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 Os miseráveis e a exclusão 
 o trabalho da Fraternidade de AliançaToca de Assis 

Conferência na Faculdade de Educação da USP, em 19-4-02, como parte do Seminário Internacional Cristianismo - Filosofia, Educação e Arte - II. Edição: Hermenegildo Marianetti Neto. A edição conserva o tom cálido e coloquial da sessão. Fotos em: http://www.hottopos.com/seminario/sem2/sem2fotosii.htm

 

Pe. Roberto Lettieri
Fundador da Toca de Assis

 

- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo

(Público) - Para sempre seja louvado.

Com muita alegria eu quero pedir a bênção do Padre Antonello, aqui presente; quero saudar a todos da mesa: o professor Jean ea todos vocês que vieram partilhar desta noite, deste momento especial para o nosso coração e para a manifestação da santidade da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Em tudo o que eu faço e anuncio, eu só o posso fazer com o auxílio da Santíssima Mãe de Deus. E convido a todos a rezar uma “Ave-Maria” a Nossa Senhora, para que ela nos conduza nesta partilha desta noite. Ave, Maria, cheia de graça...

            Inicialmente, eu quero confessar que é a primeira vez que participo de uma mesa como esta...

Vou falar da Toca de Assis, daquilo que Jesus Nosso Senhor nos tem dado, não só em relação aos excluídos, aos abandonados de rua, uma realidade tão patente em todo o Brasil e no mundo. Eu vejo no povo de rua uma das formas de exclusãomais tristes, mais doloridas, de hoje. Vim do Rio de Janeiro hoje, agora à tarde, da nossa casa de Madureira. E lá nós acolhemos um irmão de rua que foi incendiado por cinco jovens de classe média, que jogaram álcool em suas pernas, no domingo passado. Ele veio do hospital e chegou lá em casa, com as duas pernas totalmente enfaixadas...

            Bom, mas inicialmente eu queria dizer para vocês a razão do nome Toca de Assis (que até já chamaram de “Toca da Raposa” (risos), confundindo com o Cruzeiro). Toca de Assis por quê? Toca, vem das pequenas tocas que Francisco de Assis encontrou em Rivo Torto, bem perto de Assis. Francisco, após convertido, fugindo de seu pai, ele encontrou em Rivo Torto, umas cabanas abandonadas, onde hoje se levanta uma igreja. Mas ali havia, então, umas tocas, pequenas tocas nas quais eles dormiam; e Francisco, tendo encontrado essas tocas, ele as transformou em local onde guardava os leprosos, escondia os leprosos. E também os mendigos. Porque Francisco de Assis começou sua experiência com Deus com os mendigos. Depois, ele venceu um desafio muito grande para sua vida, que eram os leprosos. Mas o primeiro momento especial de Francisco eram os mendigos. Ele até escreve na sua regra: Estejam com os mendigos nas ruas, nas praças, comam com eles... Depois ele experimentou a sua proximidade com os leprosos.

Por isso, Toca. Assis, por lembrar a cidade de Assis. E as palavras do Papa, logo que se tornou Papa: “O mundo tem saudades de Francisco”. Por isso: Toca de Assis.

            Nós temos oito anos de vida – faremos oito anos este ano – e, após o segundo ano como Toca de Assis, nasceu o Instituto de Vida Consagrada, que tem o nome de “Filhos e filhas da pobreza e do Santíssimo Sacramento”. São jovens que se entregam pela vida consagrada, pela pobreza, castidade e obediência; por amor ao Reino dos Céus, promovendo esse trabalho, que a linguagem espiritual da Igreja chama de carisma, esse dom de dar a vida pelos pobres, sofredores e sofredoras de rua, amando-os gratuitamente, numa entrega total, radical, sem preconceito algum, abandonando tudo para viver essa experiência com Nosso Senhor Jesus Cristo na pessoa dos pobres e dos abandonados de rua.

            O que gera a nossa espiritualidade, o que nos fortalece, claro, é o Senhor Jesus Cristo. Então, a Fraternidade não é uma filantropia, não é uma ONG, não é um grupo de jovens. É uma fraternidade que tem um carisma, uma identidade na Igreja: uma experiência com a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E esta palavra é muito importante: experiência com a pessoa de Jesus. Vocês poderiam perguntar: “Padre, que tipo de experiência? Com a pregação da palavra?”. Sim, porque, quando o Evangelho é pregado e anunciado, o Espírito Santo entra na alma da pessoa, no coração dela e em toda sua vida. Mas não com experiência propriamente com a palavra; a Toca de Assis tem experiência com a pessoa de Jesus no seu mistério do Sacramento: o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, o Santíssimo Sacramento do Altar, ao qual já nosso amado Santo Tomás de Aquino cantava: “Deus de amor, nós te adoramos neste sacramento / Corpo e Sangue que fizestes o nosso alimento”.

            Essa experiência com o Santíssimo Sacramento do Altar que tem mudado a vida dessa juventude, que tem “estraçalhado” (no bom sentido da palavra ) o coração deles, e os tem levado a viver a verdadeira Eucaristia de Deus, a verdadeira Eucaristia que é nos alimentarmos do corpo de Deus e dar a vida pelo pobre . Porque infelizmente nós católicos caímos numa depressão – esta é a palavra – eucarística: nós nos alimentamos do Corpo de Deus, vamos à comunhãocom Nosso Senhor Jesus Cristo, mas não devolvemos a Ele a vida com o sacrifício de louvor.

Então, a Toca de Assis tem esse carisma. Como sabem, a palavra carisma significa graça, dom, presente de Deus. A Igreja é como um grande jardim florido: há vários tipos de flores e o carisma é um deles. Qual é o carisma da Toca de Assis? Adorar, adorar o corpo, o sangue, alma e divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Santíssimo Sacramento do Altar, a hóstia consagrada, o pão vivo descido do céu; e se consumir. Por quem? Pelos sofredores e sofredoras de rua. Esse é o nosso carisma, essa é a nossa identidade. Isso é o que nos unge, que nos dá a graça, a alegria de viver, de conviver, de amar.

Há pouco tempo, há poucos dias – 8 dias –, morreu um irmão de rua para mim muito especial – para nós – chamado João, e eu trago até a foto dele aqui comigo. E o nosso carisma rege que nós devemos amar o irmão de rua, amar, amar, amar e amar até... até a dignidade de dar a ele um enterro digno. E lutamos para isso. Eu me lembro, no ano passado, de um irmão de rua, numa praça de Campinas, perto de nossa comunidade. A Guarda Municipal chegou, ele estava virado – coitadinho, morreu de frio –, morreu com os braços estendidos, deitado de bruços sobre a grama. A Guarda Municipal chegou, fumando, e virou-o com os pés. Imediatamente, meu sangue – esse sangue ainda de Gaviões da Fiel, esse sangue ainda está em mim, não posso negar meu sangue corintiano... - eu imediatamente fui peitando o guarda:

–    Escuta, com que autoridade você trata... Se fosse a sua mãe, ou seu pai aí, morto no chão, você não faria isso. Primeiro apague esse cigarro, seu desgraçado.

Foi essa a expressão que usei. Parece um palavrão, mas não é: “desgraçado”, fora da graça, sem sensibilidade.

- Ele não é um cachorro, não é um bicho. Não é um animal, para você fazer isso.

Imediatamente chamei a TV Bandeirantes, porque devemos ser profetas. E aí, falei o que tinha que falar, denunciei... não se pode fazer isso. Porque é um irmão de rua, vai virá-lo com o pé? Até saiu sangue da boca dele, coitadinho. Era o Fofão. A gente o chamava de Fofão.

Essa insensibilidade, essa cultura em que nós vivemos de insensibilidade, de morte, de desgraça, de devassidão, de insensibilidade... isso é muito forte. Então, eu creio, profundamente, que é esse ímpeto, esse destemor diante de uma sociedade que discrimina, que marginaliza, que mata, que destrói, que aniquila a vida das pessoas... E nós não podemos viver num mundinho, numa discriminação tão grande diante dos nossos olhos. E eu sei que vem o desejo de dizer: “Ah, os governantes, o estado, o governo...” Tudo isso é necessário? Claro que é. A CNBB agora lançou uma cartilha para a eleição. Temos aí a necessidade de votar com discernimento, votar com verdade. Infelizmente hoje muitos políticos acabam usando a Igreja, mas não colocam a mão no pobre, não fazem nada pelo pobre... E o que me dói no coração hoje, consultando o Dieese, é que você encontra lá deputados federais que se dizem católicos, com nota zero, porque votaram totalmente contra os pobres, contra aquilo que era a favor dos pobres. E você encontra lá deputados federais que não se dizem católicos - não sei se comungam o corpo de Nosso Senhor todos os domingos -, mas têm nota dez a favor dos pobres e abandonados.

Como deve ser o nosso profetismo hoje? A Toca de Assis não tem uma espiritualidade desencarnada; nós, da Igreja de Deus, nós católicos devemos ter uma posição muito clara a favor dos empobrecidos; uma posição muito verdadeira, muito profética. E não esperar somente os poderes governamentais, não. A vida consagrada na Igreja é um sinal do céu, é a certeza de que o Céu existe e que a nossa pobreza, a nossa castidade, a nossa obediência, o nosso profetismo ao lado dos pequeninos tem que ser muito claro, muito patente, muito verdadeiro.

A Toca de Assis cresceu e é um milagre: eu nunca imaginava que hoje nós iríamos ter quase 600 jovens entrando para dar a vida, com um nível de perseverança de 95%. Uma juventude que quer dar a vida... Infelizmente a mídia hoje a respeito da Igreja Católica só publica e anuncia aquilo que é degradante, mas, ainda ontem, no Rio de Janeiro, eu fui conhecer um padre que viveu 55 anos com leprosos. Hoje ele tem 82 anos. Ele vai doar o leprosário para nós, para a Toca do Rio de Janeiro. Nós vamos assumir o leprosário a partir do mês que vem, porque o sonho dele era entregar isso a alguém. Ele viveu mais de 50 anos ao lado dos leprosos, junto deles. E isso ninguém anuncia, ninguém fala. Mas a Igreja é santa. E Jesus vai manifestar a santidade da Igreja. Já manifesta e manifestará mais ainda. Eu creio que a nossa experiência com os pequeninos... eu falava do João que, agora, ao fazer o seu enterro, a dor que eu senti foi uma dor maior do que quando eu perdi meu pai. Tamanho o amor que une o coração a esses homens abandonados, sofredores. Que são tachados de alcoólatras, de vagabundos, porque ninguém conhece a vida deles, a história deles, o que se passa, o que aconteceu para que eles chegassem aonde chegaram, em tantas situações.

Eu fico muito feliz de estar aqui, fico com o coração muito sedento. Não por mim, mas porque eu amo a Igreja Católica. Eu amo a todos os cristãos, amo profundamente. Amo a todos. Mas, eu como sacerdote da Igreja, eu tenho que manifestar a santidade da Igreja de Deus. O mistério da Igreja, que anda hoje muito machucado, infelizmente.Mas estamos aqui. Estamos aqui por causa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque, sem ele, nada podemos fazer.

- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo

(Público) ─ Para sempre seja louvado.

(aplausos)

Nós temos aqui alguns irmãos acolhidos da Fraternidade: o seu Joaquim (aplausos), a Márcia (aplausos). Cadê a Marcinha? Também representando as irmãs de rua.

Bom, eu tenho aqui do meu lado o seu Joaquinzinho, que mora na nossa Casa de Aliança São José. Hoje a Fraternidade tem 46 casas no Brasil. De acolhimento aos sofredores e sofredoras de rua. E essas casas têm a convivência da juventude que se consagra, dos leigos que nos assistem. E milagres têm acontecido. Milagres... milagres... esses milagres que Jesus mais ama. Quais são?

Claro que Jesus pode curar um leproso, pode curar um cego, pode levantar um paralítico... à hora que Ele quiser, do jeito que Ele quiser, do modo que Ele quiser, porque Jesus é o mesmo ontem, hoje e sempre. Jesus pode fazer tudo, porque Ele é o Senhor, o único Senhor. Mas há milagres em que Jesus... gosta de apalpar, Ele gosta de se manifestar naqueles que se alimentam dele e que o trazem no peito. São esses milagres que nós temos vivenciado. Quando um irmão de rua, uma irmã de rua vem a nós da UTI, cego, surdo, morto, onde os médicos nos entregam dizendo: “Morra com vocês, porque já não há mais nada a fazer...” E, por causa do amor e da entrega, esses irmãos voltam à vida. Como verdadeiros milagres diante da medicina.

Muitos milagres. Como dizia, são esses milagres que Jesus gosta de apalpar, de moldar e que nos fazem profundamente felizes. Como dizia nosso amado Francisco de Assis: “É dando que se recebe”.

Eu quero que vocês escutem um pouquinho o testemunho do seu Joaquim.

- Boa noite, minha gente.

- Boa noite.

-  

Seu Joaquim: Minha vida te, sido muito sofrida, sofrida mesmo, desde criança. Desde criança eu sofro por intermédio de doença. Porque a minha doença mesmo é epilepsia, eu sou epilético devido a uma operação que eu tenho na cabeça, do lado esquerdo. Passei muito tempo em hospitais, depois me casei e constituí família. Até lá, tudo bem, mas, depois que minha mulher faleceu, a vida para mim completamente mudou. Porque meus filhos me abandonaram, não quiseram viver comigo. Cada um foi procurar a vida dele. Eu fiquei completamente desamparado por intermédio deles. Mas não por Deus. Deus sempre me orientou.E hoje eu estou aqui dando meu testemunho, não tenho raiva deles. Pelo contrário: quero que Deus sempre proteja eles, que os proteja.

Tudo o que eu tenho a falar é isso. Porque a minha vida é muito longa. Se eu contá-la toda, vou ficar 24 horas contando...

 Padre Roberto: Joaquim, diz como a Toca encontrou o senhor.

Seu Joaquim: Eu tava na rua, dormindo na rua, na sarjeta, em banca de jornal... Quando me encontraram, eu estava dormindo lá. Dormia na rua... E até hoje estou feliz, porque encontrei uma família, a Toca de Assis, para mim, é uma família, a família que eu perdi, mas recuperei. Por intermédio deles: Toca de Assis. (aplausos)

Padre Roberto: Nós temos casas masculinas e femininas de acolhimento e a Marcinha, uma das irmãs de rua, ex-irmã de rua, que tem um amor muito especial de todos nós... E a Marcinha vai partilhar um pouquinho da sua experiência...

Marcinha: Olha, o que eu tenho a dizer, né?... Em primeiro lugar, por exemplo, eu fui já caseira, né? Eu conheci o Bastião, eu fui morar numa chácara, assim, com o Bastião. Ele me abandonou eu por uma índia, né? Ele não quis ficar comigo, sabe? Então, eu, como conhecia uma assistente social da Vila Mariana, né? sabe, padre? Então, né? Eu peguei e voltei. Aí eu dei meus filhos para um casal, que não pôde criar; aí eu voltei para a rua; aí eu comecei a beber, fumar. Eu ficava desesperada porque cada dinheirinho que eu ganhava na rua – passava alguém lá, dava pra mim – eu quase não comia direito, não almoçava, ficava, a bem dizer, jogada, né? Até que apareceu um irmãozinho da Toca, um alemão, ele falou assim para mim: “Há quanto tempo a senhora está aí?” Eu falei assim: “Faz muito tempo que eu estou aqui na rua jogada, sofrendo, eu bebo... Você faz uma oração na minha cabeça?” Aí ele pegou e fez, né? Ele rezou, assim. Na hora eu joguei o cigarro fora, eu joguei a pinga, né? Aí eu comecei a partir pra outra. Hoje, eu tenho uma vida nova, né? Hoje eu não bebo mais, estou lá na Toca; estou – sabe? – estou outra mulher agora. Tem dia que eu nem acredito que tô outra pessoa. (aplausos)

Padre Roberto: Esses são alguns dos testemunhos. São muitos. Daqui a pouco vocês vão escutar nosso querido Pe. Antonello, que recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo  um carisma muito especial para os pequeninos. Todas as vezes que vou ao Rio de Janeiro e em São Paulo também, eu tenho experiências muito fortes com o povo de rua. Eu não sei se vocês já viram um homem ser comido por vermes, vivo, na beira da calçada, com ratos e baratas comendo suas feridas. Isso é uma realidade muito clara hoje na sociedade, no Brasil.

Belo Horizonte é considerada a capital com maior índice de irmãos de rua hoje. Rio de Janeiro, São Paulo, Londrina, enfim... E o povo de rua tem apodrecido em muitas situações. Claro que hoje, quando nós falamos em povo de rua, hoje há uma mescla. É preciso ter muito, muito cuidado, porque há uma grande mescla com droga, com marginais etc. Então é preciso identificar o trecheiro, o mendigo de rua mesmo. Que não está na rua para roubar, nem para usar drogas, mas é o sofredor de rua nato, sofredor e sofredora de rua. São muitos, muitos...

No Rio de Janeiro, na nossa casa de São Gonçalo, há um lixão. E ali os irmãos de rua disputam a comida com os ratos. Não quero fazer aqui demagogia, nem dizer que o seu Garotinho faz ou não faz; ou se ele, infelizmente, usa o nome de Jesus... Mas a realidade é muito doída no Rio de Janeiro, com relação ao sofredor de rua. Em todo o Brasil. Mas no Rio de Janeiro...

Nesse irmão que nós encontramos – eu não estou aqui exagerando, é uma realidade – mais de 400 bichinhos, tipo bicho de goiaba, entrando nos seus ossos, comendo...; e ratos e baratas. É, como o André de Campinas, que vai ser meu irmão religioso, se Deus quiser; paraplégico, mas vai ser meu irmão religioso. Eu vou lutar com isso, com toda a minha vida, porque ele tem vocação, ele ama a vida consagrada. E ele vai ser um religioso.

O André foi encontrado depois de três dias numa cama, defecado, comendo. Três dias defecado! Imaginem isso. Numa cama... Tendo que comer ali porque as pessoas não tinham coragem de dar banho nele. Imagine você comer numa cama três dias defecado. Mas aí é o grito do Evangelho; aí é a Boa-Nova; aí é o Evangelho anunciado. Eu sei que muitos, hoje, com muita facilidade, pegam a Bíblia e ficam pregando, falando, gritando, dizendo. E eu não quero dizer isso por uma defesa pessoal. Estou dizendo isso porque é preciso que nós, cristãos – independentemente de denominação, de igreja – nós cristãos precisamos anunciar o Evangelho com a vida, com a própria vida. Sair, ir, buscar, ir atrás... Abrir o coração, como diz o profeta Joel: “Tira o coração de pedra e põe um coração de carne”; escuta, obedeça...

Hoje o grande veneno das faculdades é a incredulidade, é o ateísmo. A faculdade tem formado burros na fé – incrédulos. Eu estive pregando em Itápolis, interior de São Paulo, onde o índice de suicídio da juventude é assustador. Jovens que têm psicologia, jovens que têm sociologia, jovens que têm medicina, mas não têm o Senhor.

Mas a minha alegria é o testemunho de uma jovem. O professor chegou à faculdade e disse assim: “Pois é, Jesus..., a hóstia consagrada é uma ilusão”. Com que autoridade ele chega à sala de aula e fala isso? Graças a Deus, a jovem se levantou e disse: “Professor, com licença, o senhor não tem o direito de fazer isso. O senhor está maculando a fé católica”. Independentemente do credo religioso que se tenha, tem-se que respeitar. Mas hoje ninguém respeita, principalmente a Igreja Católica. Há um desrespeito à fé católica. É claro que todas as doutrinas merecem respeito, mas, infelizmente nas faculdades... Eu estudei em faculdade, claro, fiz quatro anos de Filosofia na PUC de Campinas, estudei em São Paulo também, mas é dolorido. Quantas vezes eu busquei jovens ali, morrendo, porque, infelizmente, os professores conseguiram – conseguiram! – jogar o ateísmo na vida daquele irmão. Mas não quero sair do tema. Eu paro por aqui. (aplausos)

Prof. Jean Lauand (org. do Seminário): Padre Roberto, este evento se insere nos quadros de um curso de História da Educação Medieval, no qual, entre outras figuras relevantes, é estudado São Francisco de Assis. Portanto, parece-me importante para os nossos alunos que o senhor contasse como foi sua vocação pessoal, como o senhor descobriu esse caminho.

Pe. Roberto: Bom, eu tenho atualmente 39 anos de idade. Eu conheci, tive a minha experiência vocacional com 19 anos. De que modo? Até os 19 anos eu não conhecia ao Senhor Jesus Cristo, nem a Igreja Católica. Eu era católico, como tradição, mas não tinha feito nem a minha Primeira Comunhão com Nosso Senhor Jesus Cristo, não havia feito nem o Crisma..., nenhum sacramento. Fui batizado, claro, e mais nenhum sacramento.

A minha vida até os 19 anos era uma vida de estudante. Estudei no SENAI, tenho o curso de ferramenteiro, desenhista-mecânico, fiz curso no SENAI. Porque não gostava de estudar, minha mãe falou: “Então vai pro SENAI (risos), porque você faz o curso profissionalizante”. E assim eu estudei naquele SENAI lá na Móoca, na rua da Móoca, Escola Morvan Figueiredo, onde fiz o meu curso de ferramenteiro. E trabalhei na Colméia Radiadores, ali no Tatuapé, na Salim Maluf. Trabalhei lá 5 anos e, ali, pela Providência de Deus, eu fui trabalhar perto do Parque São Jorge (risos). Para quem conhece o Tatuapé, virando a rua Osvaldo Cruz, andando três quarteirões, na rua São Jorge, encontra-se o grande Sport Clube Corinthians Paulista. Grande clube da Marginal do Tietê. (alguns aplausos e algumas vaias). Olha os palmeirenses aí...

Pois é, ali eu trabalhava, estudava e jogava minhas peladas à noite. E foi numa dessas peladas que, jogando no Botafogo da Penha, fui convidado a jogar no aspirante pelo Silvio Pirillo, então treinador dos aspirantes – naquela época, o nome era aspirantes –, e eu fui convidado a jogar nos aspirantes do Corinthians.

Bom, pra mim foi uma grande alegria, porque eu era gavião da Fiel àquela época. Entrei na Gaviões da Fiel com 15 anos. Meu pai, palmeirense roxo, Palestra Itália...; meu avô, italiano; meu pai, palmeirense roxo, me levava ao Parque Antártica desde garotinho: “Você é palmeirense, você é palmeirense”. Me levava ao Parque Antártica e eu via aquele jardim suspenso... Meu pai dizia: “Este é o campo mais belo do mundo, este é o único campo suspenso do mundo, o Parque Antártica”. Aí ele me levou para ver Palmeiras X Guarani. O Palmeiras estava jogando de branco e o Guarani, de verde. O Guarani fez um gol e eu pulei, né? Meu pai:

- Não é o Palmeiras.

- Ô pai, mas não tá de verde?

- Não, é que hoje trocou.

Toda a minha família palmeirense..., mas, quando eu atingi a razão futebolística (risos), eu optei por torcer para o time dos sofredores. Naquela época, o que se ouvia era: “18 anos sem ganhar campeonato”,time da Marginal”, “time dos pobres”,” não ganha campeonato há 15, 18 anos...” Ah, toda aquela história: “time de sofredor”, “Rivelino maldito”... mas eu me tornei corintiano. Vejam como eu já tinha carisma com os sofredores, né? (risos). Eu fiquei corintiano e meu pai respeitou. Minha mãe ficou são-paulina, para não ir nem para um lado nem para o outro.

Bom, aí fui Gaviões da Fiel. Hoje, o presidente, que é o Dentinho, eu conheci criança. Com os Gaviões da Fiel conheci o Brasil inteiro, corri o Brasil inteiro. Conheço todos os pontos do Brasil: Beira-Rio, Fonte Nova, Maracanã, enfim, tudo... Eu era o diretor de bandeiras da torcida, era quem organizava onde ficavam as bandeiras. Naquele tempo podia entrar de bambu, podia guardar os fogos dentro do bambu (risos), podia encher o surdo de fogos. Sabe o que é surdo, né? Tum-tu, dugundum, dugundum... Então você entrava no estádio...

Aí eu me tornei Gaviões da Fiel... fui um dos protagonistas do bloco “Gaviões da Fiel”. O nosso primeiro... acho que o segundo samba-enredo foi este aqui:

Oh, vovó, abre a janela,

A avenida hoje está tão bela,

Gaviões, Gaviões da Fiel...  

Palmas aí, eu canto bem. (aplausos)

Pois é, era o samba-enredo. Naquele tempo era o Biro-Biro, era o Dentinho... A gente chegava lá na quinta-feira de carnaval – nem sexta era – à noite, nem era Tiradentes ainda. Mas, hoje... O professor Jean, agora há pouco, me deu o enredo da Gaviões no ano passado (para ouvir: http://jean_lauand.tripod.com/2001.mp3), que fala da criação (letra do samba e comentário de Jean Lauand: http://jean_lauand.tripod.com/page13.html#11), e eu fiquei muito contente...

Gaviões da Fiel. Vi o meu time ser campeão em 77, vi o meu time ser campeão em 79, 81, 83, campeão brasileiro (já estava no seminário, dei minha vibradinha escondido do reitor, porque era palmeirense...). 

Nós cantávamos o hino dos Gaviões da Fiel com muita alegria. Porque gavião era uma honra. E eu... imaginem: Gaviões da Fiel e jogar no Corinthians... E nós cantávamos:

Veja só a poeira

Que sobe pro céu.

Balança a bandeira,

Gaviões da Fiel.

É o amor, muita fé... (olha que hino católico, hein?)

É o amor, muita fé e esperança,

É uma chama que inflama o país,

É o amor que floresce de criança,

E desabrocha neste canto tão feliz.

É o campeão dos campeões,

Eternamente em nossos corações.

Esse é o hino da Gaviões da Fiel Torcida Unida.

Bom, aí veio o milagre. Eu fui convidado - eu jogava bem futebol de salão e futebol de campo - eu fui convidado a fazer um encontro de jovens, naquele tempo, TLC. Nesse encontro, eu encontrei Jesus no mistério do Santíssimo Sacramento. Eu encontrei Nosso Senhor no mistério do Altar, o santo sacrifício da missa. Esse encontro pessoal com Jesus mudou a minha vida. Dezoito de setembro de 1983, um domingo à tarde. Naquela Santa Missa eu encontrei Jesus para nunca mais abandoná-lo. Naquele dia... eu não sabia o que era ser padre. Corri na paroquia e falei:

- Eu quero mudar o pão no corpo de Deus. Como é que faz? Quanto tempo leva? Uma semana, um mês?

- Dez anos.

Eu falei:

- Nossa! Dez anos para ficar padre?

- É, você precisa fazer colegial, meu filho, precisa fazer Teologia, Filosofia.

Eu falei:

- Eu pensei que para ficar padre eram 2 meses, 3 meses e eu já podia mudar o pão no Corpo de Cristo, que era o meu sonho.

Aí eu fui para o seminário... fiquei 12 anos no seminário – doze anos!

Respondendo à pergunta do professor Jean, essa minha experiência com Jesus sacramentado, que mudou a minha vida... aí já me voltei para os pobres, e o primeiro irmão de rua que conheci, Ademir, mora comigo, graças a Deus. Aí comecei a cuidar dos pobres, me ordenei sacerdote.

Dois anos antes de ficar padre, nasceu a Toca de Assis. A juventude, vendo o testemunho de eu estar na rua com os pobres, comendo com eles, fazendo curativo, comendo pão com mortadela, colocando minha mão na ferida deles, amando, cuidando... a juventude veio. Porque o testemunho é fundamental. E sempre será. Veio, veio... e hoje, Deus Nosso Senhor me dá a graça de ter quase 600 jovens caminhando, 45 casas no Brasil... Estamos caminhando para a Itália, para Assis, e, se Deus quiser, com os frades capuchinhos em Assis. Estamos indo ao Chile e, se Deus quiser, a Portugal.

Na Fraternidade os jovens não podem estudar estudo nenhum. Eles vêm para amar os pobres, amar os pobres e adorar Jesus. Só isso. A vida deles é isso, é entrega total. Total. Não é para padres, é para irmãos consagrados terem uma vida de entrega total. Total, total. Isso tem trazido, claro... ainda conversava com um bispo e ele me disse:

- Padre, segura um pouco as vocações.

Eu falei:

- Como é que faz isso?

- Porque as famílias estão ficando apavoradas. A juventude...

- E que que eu vou fazer? Não sou eu, compreenda isso.

Aí ele botou a mão em minha cabeça e falou:

- Então vai, filho...

Eu falei:

- Graças a Deus.

Beijei o anel dele e perna, pra que te quero, antes que ele mude de opinião. (risos).

Mas é assim. Assim nasceu minha vocação, assim nasceu a Toca e peço a oração de vocês, oamor, o carinho, a ajuda, o afeto.