Home | Novidades Revistas Nossos Livros  Links Amigos

Patentes, Tecnologia e Ética

 

Bronislaw Polakiewicz
   ( FBT- FCF- USP )

 

Um assunto que não se esgota para os tecnólogos e a comunidade de uma forma geral é, sem dúvida nenhuma, o das patentes. Em outra oportunidade discutimos os aspectos técnicos, a origem das patentes e seu vínculo com a tecnologia (4). Agora o momento parece oportuno para incluir outros elementos na discussão das patentes: o seu  aspecto ético, que será por nós avaliado. Trata-se do seguinte: até que ponto o custo da pesquisa pode ser cobrado de um usuário compulsório de um medicamento ou de um outro bem para a saúde?

Esta é um pergunta muito difícil de responder, mas o assunto pode ser discutido sob vários enfoques. O exemplo de maior importância que mencionaremos encontra-se na área de medicamentos, particularmente nos tratamentos destinados ao controle da AIDS.

É bom lembrar que o Brasil é signatário do acordo de Paris realizado em 1883 e desde essa data vem sendo signatário de todos eles. Em 1996 o Brasil aderiu ao patenteamento de medicamentos e fármacos com grande repercussão em todos os setores da sociedade nos anos que precederam a assinatura da lei 9.279 de 15 de maio de 1996.

Acontece que sempre adotamos patentes, na área de petroquímica, polímeros, insumos para a agricultura e uma série de processos. No entanto, quando se chegou aos medicamentos parece que esta é uma área tecnológica muito vulnerável a atritos devido às suas repercussões sociais. Isto acontece sempre que um produto fruto de desenvolvimento tecnológico interage diretamente com a sociedade. Aí temos os produtos transgênicos, aditivos para alimentos e os medicamentos.

Embora a malária (mosquito), doença de Chagas (barbeiro), a esquistossomose (caramujo) e outras doenças mais sejam muito antigas, atingindo parcelas muito maiores da população brasileira que a AIDS e que no caso da malária e outras parasitoses cheguem a atingir uma grande parcela da população mundial dos países pobres, estas doenças não ocorrem no chamado primeiro mundo e, portanto, não despertam atenção das empresas farmacêuticas a não ser em raros casos. Portanto nos países desenvolvidos o investimento em tecnologia para estes produtos foi irrelevante, e os países pobres como não têm condições de investir em tecnologia alguma deixaram  as populações destes países totalmente desassistidas.

Diferente foi o caso da AIDS: esta virose foi identificada há cerca de vinte anos e tomou vulto na década de 90 também nos países desenvolvidos, em função de sua disseminação, o impulso tecnológico destes países foi voltado pelas empresas farmacêuticas para este novo e promissor mercado.

Como resultado em poucos anos surgiram métodos de diagnósticos através do desenvolvimento da tecnologia de Kits e uma série de anti-virais específicos, fármacos, estes que hoje fazem parte dos famosos coquetéis que não curam mas, prolongam a vida dos pacientes.

Aliás, como estratégia comercial as empresas farmacêuticas dão maior atenção a medicamentos de uso continuado, ou seja, medicamentos que não curam mas prolongam a vida do paciente desde que esse faça uso diário do medicamento. Exemplos: Hipertensão, diabetes, parkinson, depressão e atualmente o grande enfoque é dado aos medicamentos para controle da AIDS. Estes medicamentos estão disponíveis nos países desenvolvidos a custos altos, porém, compatíveis com o poder aquisitivo dos doentes na sua grande maioria.

O alto custo de um novo produto tecnológico é explicável pelo menos em parte para os medicamentos. Os custos da pesquisa de desenvolvimento de processos de síntese são relativamente modestos quando comparados com os custos do desenvolvimento da utilização. Esta fase se constitui de atividades destinadas a estabelecer a segurança e utilização de um produto.

Somam-se a isto uma série de investimentos junto aos orgãos de comunicação como programas de “esclarecimento publico” na televisão e matérias “científicas” nos jornais e revistas semanais de grande circulação além de congressos e “work shops” onde eminentes “professores” opinam  pelo mundo inteiro a respeito das qualidades do produto.

A finalidade disto é tornar o produto conhecido e forçar a população a pressionar os médicos a prescrever o produto.(2,3)

Durante esta fase são preparados todos os detalhes da elaboração da bula que é um documento técnico e jurídico ao mesmo tempo, assim como o é o texto da patente.

Através da aplicação da patente é que as empresas podem recuperar os recursos aplicados no desenvolvimento da tecnologia de um produto, que é cerca de dez anos no caso de um medicamento. Ao comprar o medicamento, a população paga um rateio que inclui o custo da pesquisa mais o lucro da empresa além de futuros investimentos tecnológicos. Isto acontece em todos os casos onde há necessidade de se recuperar os recursos aplicados em pesquisa de desenvolvimento.(1,2)

No entanto no caso dos medicamentos a tecnologia  acaba por fazer o papel de vilão e um exemplo atual disto é  o dos medicamentos para o tratamento da AIDS, inacessíveis a  maior parte dos usuários  do terceiro mundo.

Os inventores do medicamento reclamam que empresas de países em desenvolvimento copiam as suas fórmulas e os vendem mais barato. Alega-se que os inventores dos produtos têm lucro excessivo.

No entanto aquele que simplesmente copia não investe em pesquisa, certamente consegue vender mais barato e no fim das contas também têm lucro excessivo, e neste caso dois são os prejudicados, um é o  inventor do produto e o segundo o usuário que, às vezes, não vê a qualidade e sim o preço, embora em muitos casos a qualidade seja satisfatória.

No entanto, é necessário reconhecer que há aspectos éticos a serem analisados sob a luz do fato de que existem populações que não têm condições econômicas de acesso às inovações que poderiam salvar, prolongar e melhorar a qualidade de vida. Aspectos que têm que ser considerados seriamente devido ao seu aspecto humanitário.

O uso da patente como elemento de proteção dos direitos de propriedade industrial pode ser aplicado irrestritamente a produtos tecnológicos com características supérfluas, no entanto, este mecanismo não pode ser aplicado a inventos como  medicamentos e vacinas.

É necessário que fique bem claro que o tecnólogo - isoladamente ou ligado a grandes instituições - é o criador destes medicamentos e não pode ser responsabilizado por problemas que envolvam o preço injusto ou a dificuldade de acesso a estes produtos pelas populações carentes.

Em todos estes casos é importante que não haja beneficiários econômicos que se locupletem com doenças - inclusive empresas do terceiro mundo que, sem qualquer investimento, possam vir a ganhar muito mesmo vendendo mais barato.

Esta é uma visão imediatista daqueles que querem burlar anos de pesquisa no desenvolvimento de novos medicamentos.

Achamos justo que se cumpra a lei e que os governos  de países menos afortunados negociem com as empresas transnacionais preços diferenciados de medicamentos para as suas populações, porém, evitando negociações com “fabricantes piratas” que não estão aí para colaborar com a saúde, nem as transnacionais, sendo que estas ao menos abrigam os tecnólogos que tornam o mundo materialmente mais confortável, pelo menos para alguns e, talvez amanhã, para  todos.

Bibliografia

1- Bale, H.E. The Pharmaceutical Industry Approaches the New Millenium. Pharmaceutical Manufacturing International. London, pg 6, 1999.

2- Bryant, RJ. Technology, the Key Factor in P.F.C. Production. Pharmaceutical Manufacturing International. London pg 89-93, 1994.

3- Fox  B. Site Location: A Key Decision for Pharmaceutical Manufactures. Pharmaceutical Manufacturing International . London, pg17-19, 2000.

4- Polakiewicz B: Patentes, Presente e Futuro da Tecnologia Química RGEQ n:2, pág  42-52 ,1998