Seção Educação e Reflexão -

O Homem Medíocre

 

Rafael Ruiz González
(Mestre em Direito - FADUSP)

 

          É curioso constatar como, juntamente com a proliferação de cursos de excelência e qualidade total, tem se desenvolvido uma argumentação pseudo-psicológica que justifica e acalma a consciência para ações, omissões e atitudes que pouco ou nada tem que ver com a qualidade: desempenho escolar medíocre, prazos perdidos injustificadamente, absoluta despreocupação com os compromissos assumidos...

          Parece como se, juntamente ao fenômeno de desmitificação dos ideais e decapitação dos heróis - tão na moda nestes últimos tempos na mídia e nos meios intelectuais - fosse surgindo um movimento paralelo para desculpar toda e qualquer mediocridade, para justificar a expansão universal daquele "homem sem qualidades" de Robert Mussil: é como se um gigantesco pacto de mediocridade fosse se alastrando pelas malhas da sociedade.

          É evidente que perceber quão pouco se vale é profundamente desestimulador. É facilmente constatável que tomar consciência da mediocridade pessoal conduz quase que inevitavelmente ao desânimo, por não dizer ao desespero. É compreensível um certo medo diante de medidas um pouco mais duras - por exemplo, uma prova (se é que se pode chamar a isso de "medida mais dura"). Mas o que não se pode admitir é continuar a viver no "Reino do faz de conta", onde alguns fingem que trabalham, outros fingem que cobram e todos fingem que são felizes.

          Todos, jovens e menos jovens, precisamos de ideais grandes, horizontes largos. É preciso saber mostrar como, ao longo da História, sempre houve pessoas que souberam impor-se ao próprio ambiente e lutar contra o conformismo e o acomodamento cultural, econômico, político e humano.

          Porém, na opinião dos pseudos-sociólogos e pseudo-educadores de plantão temos de ser mais realistas e assumir que não valemos quase nada - aliás, não há quase ninguém verdadeiramente de valor -, assumir que, no fundo, não há sequer uma noção única e verdadeira de valor. E, para evitar o desânimo e a frustração, nada melhor do que altas doses de auto-confiança e auto-estima: conseguir que as pessoas se sintam bem consigo mesmas.

          Contudo, é preciso parar e refletir por um instante: não será precisamente esse um dos motivos pelos quais estamos tendo tanta dificuldade para enfrentar a realidade tal como ela é?

          Se fomos educados, por anos a fio, de forma condescendente, sem nenhuma orientação sobre o certo e o errado, sem nenhuma referência sobre o que é e o que deveria ser, sobre o que somos e o que podemos ser; se, mesmo diante das nossas idéias mais absurdas, dos nossos erros mais vulgares, dos nossos fracassos - que palavra mais cretina! - mais elementares, sempre encontramos: "não se preocupe, tudo é válido"; "não desanime, o importante é você se sentir bem"; "não ligue, faça o que quiser e não se preocupe com o resultado"...; o que podemos esperar quando constatamos na própria pele que a realidade não é bem assim?

          Fomos enganados! Tanto os alunos quanto os pais dos alunos! Como é duro constatar que, apesar de todas as teorias educativas, pedagógicas ou psicológicas, há pessoas que valem mesmo, e muito mais do que nós; que nossas idéias são completamente inadequadas; que os problemas são de maior envergadura do que gostaríamos; que não há uma solução mágica para resolver as dificuldades da vida... Enfim, como é doloroso perceber, com o passar dos anos, que fomos educados por Alice no País das Maravilhas e que a realidade é muito, mas muito mais diferente do que nós imaginávamos.

          Na opinião de Lucy Sullivan, pedagoga e pesquisadora do Centro para os Estudos Independentes (CIS) de Sydney: "Durante muitos anos as escolas ensinaram aos seus alunos que tudo o que fazem é maravilhoso, mesmo sendo medíocre. Isto deixa os jovens numa posição vulnerável. Sentem-se profundamente defraudados quando, finalmente, se chocam com a realidade".

          Parece que é chegado o momento de voltar aos clássicos, àqueles que nos ensinaram que as dificuldades da vida estão aí precisamente para que, forjando o nosso caráter, as superemos. É necessário encontrar montanhas e trilhar caminhos durante os anos escolares. É assim que aprendemos a marcar os nossos próprios passos na vida. É fácil lamentar-se e ficar com dó de si próprio e, mais ainda, quando tudo, absolutamente tudo - pais, mídia, ensino, sociedade... - afaga-nos e aquieta-nos a consciência, fazendo-nos acreditar que não há problemas, que somos bons, até ótimos, fazendo o que fizermos, independentemente do conteúdo, sempre que consigamos sentir-nos com a consciência tranqüila, pois o importante é sentir-se bem consigo mesmo.

          Como dizia Fernando Pessoa: Navegar é preciso! Passar além do Bojador é preciso! E, para quem não saiba mais o que isso significa, é preciso passar além da dor. Ou, como diz a própria Sullivan: "Se ensinarmos aos jovens a esforçarem-se para conseguir a excelência acadêmica e as virtudes, a auto-estima virá sozinha. E se não conseguirem alcançar suas metas, pelo menos estarão vivendo no mundo real".