Patentes: Presente e Futuro
daTecnologia Química

 

Bronislaw Polakiewicz
(FCF-USP)

 

          Durante os últimos oito anos muita gente foi contra, a favor e por fora da chamada Lei das Patentes.

          Tal polêmica foi um exemplo de como um assunto técnico, com repercussões sócio-econômicas, ao ser tratado no âmbito da mídia e da ideologia, pode ter muitos de seus aspectos seriamente distorcidos.

          Concluiu-se muito a partir de chavões, frases de efeito e manchetes porém pouco se estudou a idéia.

          Como uma das áreas de atuação da Engenharia Química é a indústria química e a indústria de alimentos – diretamente atingidos pela atual Lei de Patentes – comentaremos alguns aspectos dessa lei e o que ela representa para a tecnologia.

          O fato é que o homem desde sempre tem dado valor ao conhecimento. Informações consideradas preciosas sob vários pontos de vista sempre foram escondidas e eram objeto de negociações.

          Não podemos esquecer que a sonegação da informação sobre o caminho das Índias – os árabes procuravam preservar seu monopólio de conhecimento – levou os europeus à navegação com a conseqüente descoberta das Américas.

          A história nos diz que em Veneza houve proteção comercial para quem se dispusesse a produzir vidros e espelhos em seus domínios. Mas a primeira patente de invenção foi concedida em Florença, no ano de 1421, ao engenheiro Felippo Brunelleschi que inventou um dispositivo para transportar mármore. Teve três anos de duração.

          Da Itália tal procedimento se espalhou pela Europa, atingindo tanto a indústria como o comércio. Acontece que os monopólios se tornaram longos e desregulamentados e em 1623 o Parlamento Inglês criou o Estatuto dos Monopólios.

          Passado um tempo, os Estados Unidos aprovaram o princípio de patentes em 1790 e a França em 1791, no início da era industrial. E em 1883 é realizada na França a primeira Convenção, que teve várias revisões periódicas, até que, em 1977, é criado a European Patent Office.

          É preciso entender antes de tudo que a patente é um documento técnico e jurídico ao mesmo tempo que ainda não faz parte plena da cultura dos nossos tecnólogos por ser uma novidade em certas áreas.

          É muito difícil aceitar no nosso meio que copiar um livro constitui roubo de propriedade intelectual, vinculada a direito autoral, bem como copiar programas de computador.

          Resumindo, tudo começa com a invenção. O inventor recebe por parte do estado uma proteção para seu invento e para sua industrialização. Essa proteção chama-se patente que é definida como "um direito temporário que o estado dá em troca de uma revelação".

          Este direito consiste no monopólio comercial da invenção durante um prazo de vinte anos. Para o depósito de uma patente não há nenhuma exigência quanto a qualificação do profissional.

          O escritório de patentes se encarrega de descrever a invenção.

          Vamos, a seguir, comentar alguns exemplos usados e simular alguns casos práticos.

          Para algo ser patenteado a primeira exigência é a novidade; a segunda, sua aplicação industrial.

          É necessário observar o seguinte: descoberta não é invenção, nem é possível patentear uma teoria. Mas a aplicação da descoberta ou da teoria podem ser patenteadas. A termodinâmica é um princípio de funcionamento de máquinas térmicas: você não pode patentear a termodinâmica, mas pode patentear modelos mais eficientes de motores. Você pode descobrir uma nova planta na Amazônia mas não a pode patentear, no entanto, sim, pode-se patentear o processo de transformar esta planta em um remédio, em um aditivo para cosmético, em um plastificante etc.

          A atual Lei de Patentes (Lei 9.279 de 14 de maio de 1996) contempla duas modalidades de patente: a patente de invenção e a patente de modelo de utilidade.

          A lei apresenta algumas restrições sobre o que não é considerado invenção nem modelo de utilidade.

          Seguem alguns exemplos.

          Não se considera invenção nem modelo de utilidade:

Descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos, concepções puramente abstratas, esquemas, planos, princípios ou métodos contábeis financeiros, comerciais, educativos, publicitários, etc;

Obras literárias ou quaisquer criações estéticas; e programas de computador em si (estes casos são protegidos por direito autoral).

          Da mesma maneira não será patenteado:

O que for contrário a moral, aos bons costumes, à segurança, à ordem e à saúde pública.

Todo ou parte de seres vivos exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade, novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

          Esta lista não está completa mas reúne exemplos para ilustrar alguns artigos da atual Lei de Patentes.

          Um dos grandes problemas das patentes é o seu aspecto ético na relação entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Questiona-se se é lícito pagar royalties durante 20 anos por um medicamento, que, em princípio, pode ser indispensável para a humanidade.

          Pelo lado oposto questiona-se a respeito de quem se envolveria durante anos na pesquisa para o desenvolvimento de tal medicamento, investindo recursos materiais e humanos, sem uma expectativa de remuneração.

          É importante lembrar que de longa data as indústrias se servem do sigilo industrial não regulamentado e anterior à patente.

          O sigilo industrial tem duração indefinida mas é vulnerável a vazamentos do segredo por várias vias. O sigilo industrial está mais voltado a área de pequenos "macetes" como preparação de certos queijos, vinhos, licores e alguns processos industriais e biotecnológicos.

          As vezes usa-se o sigilo industrial para algumas formulações, métodos analíticos e técnicas para que um produto patenteado atenda a determinadas especificações.

          A aceitação de patentes em um determinado país é uma questão de política nacional, mas é necessário ponderar os interesses comerciais do país em termos globais no caso de aceitar as patentes de maneira parcial ou total.

          Foi o que aconteceu em 1945, quando Getulio Vargas, então presidente do Brasil, suspendeu o reconhecimento de patentes na área farmacêutica, quimiofarmacêutica e alimentos. A idéia é a de que a indústria nacional, assim protegida, se capacitasse para concorrer com as empresas multinacionais.

          O fato é que durante estes cinqüenta anos, por vários motivos, as empresas nacionais não conseguiram o desenvolvimento esperado. Isto e mais outros fatos levaram ao reconhecimento de patentes em 1996 através da atual lei de 14 de maio.

          O não reconhecimento de patentes em caráter temporário por parte do Brasil não foi um fato isolado, mas muito comum em vários países durante algum estágio do desenvolvimento industrial.

          A adoção de patentes está longe de ser um assunto resolvido, pelo contrário: suscita discussões até nos países mais avançados neste campo, como qualquer outro assunto que envolva aspectos éticos, econômicos e sociais.

A invenção na relação empregado-empresa

          Esta é uma situação muito comum, onde o técnico da empresa participa em conjunto ou é autor exclusivo da invenção.

          Nos países que já tem tradição nesta área a participação dos funcionários ou participantes é prevista em lei, como no caso dos Estados Unidos, Japão, Alemanha, e outros países da Comunidade Européia.

          No Brasil, a invenção e o modelo de utilidade pertencem ao empregador podendo este oferecer uma participação ao empregado.

          Se a invenção ocorrer sem a utilização das instalações e recursos dos empregados e estiver fora do contrato de trabalho pertence exclusivamente ao inventor.

          Qualquer invenção para ter direito a patente não pode de forma alguma ser exposta ao conhecimento público por palestras, artigos etc. Somente após o pedido de patente é que pode haver divulgação. Esta data serve para a contagem do tempo de duração da patente. Se houver interesse, o inventor tem prazo de 12 meses para depositar o pedido em país estrangeiro, sendo válida a data original, a que foi efetivada no Brasil.

          No caso da invenção ser conseqüência de pesquisa na Universidade, o direito sobre a mesma será estabelecido por normas da Instituição, que no caso da USP é de 50% para o inventor e 50% para a USP, que reverte parte para a instituição de origem do pesquisador como incentivo.

          A atual lei de patentes dá ampla possibilidade aos inventores nos mais diversos segmentos de atividade tecnológica e esperamos que isto sirva de incentivo ao leitor.

          Para maiores informações sugerimos uma consulta ao Diário Oficial da União DOU pp. 8353-8366 de 15 de maio de 1996, referente a lei 9279 de 14 de maio de 1996.

 

Referência:

Bertera A.L. Pharmaceutical Manufacturing International, pp. 19-22, 1996.