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Oportunidades Profissionais
na Gestão Ambiental

 

Manfred Fehr
Universidade Federal de Uberlândia
fehrsilva@lycos.com

Resumo - Analisa-se a viabilidade de determinar graus de liberdade de ação ambiental disponíveis para unidades sociais independentes, tais como uma empresa, uma instituição, um município ou um indivíduo. Os graus de liberdade são derivados de princípios básicos da Engenharia Química, e limitam a extensão de decisões independentes relativas ao meio ambiente. Constróem-se e verificam-se modelos gerenciais matriciais para ilustrar as responsabilidades ambientais de cada pessoa na organização. Os modelos mostram o fluxo de decisões e o retorno de informação. Usa-se o controle de processos químicos como analogia do fluxo de decisões nos modelos. Apresenta-se a gestão ambiental como área lógica de atuação futura de engenheiros químicos. O significado do exercício encontra-se na necessidade para todo profissional  de se situar na matriz gerencial ambiental e de aceitar as responsabilidades correspondentes.

Palavras-chave: engenharia ambiental, sustentabilidade, graus de liberdade ambiental, gestão ambiental, engenharia química, modelo gerencial.

Introdução

Uma consideração dos fatores que contribuem à sustentabilidade abre opções para o envolvimento ativo de engenheiros químicos na gestão ambiental. Graus de liberdade de ação, tanto na engenharia química, quanto na gestão ambiental, têm a ver com estratégia de controle para processos produtivos e administrativos, com balanços de material e energia, inclusive reciclos, com viabilidade termodinâmica e com interações profissionais e ambientais. Todo engenheiro químico que tenha a visão de enriquecer sua competência técnica com talentos básicos de administração e relações públicas pode ser um gestor ambiental. O propósito da gestão ambiental em todas as suas formas é a manutenção da sustentabilidade da vida.  A vida e o progresso são sustentáveis à medida que englobem o futuro e garantam oportunidades iguais às atuais para as próximas gerações. Sustentabilidade, assim como a engenharia, é uma ciência exata. Não vale adivinhar ou estimar. Uma empresa ou uma comunidade ou é sustentável ou não é. Como a sustentabilidade aparece na profissão do engenheiro químico e como pode ser gerenciada? Ao conhecimento do autor, os currículos de engenharia química ainda não atendem essa questão com profundidade. Existe espaço para estratégias criativas no limiar do segundo século da engenharia química (1).

Este estudo dirige-se ao envolvimento do engenheiro químico como gestor ambiental nas atividades relacionadas com o controle de qualidade total, a segurança de todas as situações, o gerenciamento de resíduos, energia e água, a ocupação do espaço, a terceirização de serviços e as relações comunitárias. Persegue-se o propósito de usar as analogias do controle de processos e da bola volante para determinar os graus de liberdade de ação do gestor em todos esses contextos administrativos e técnicos. Apresentam-se matrizes do fluxo de decisões e de informação para unidades sociais que auxiliem o gestor ou o engenheiro a visualizar os efeitos e os possíveis retornos de suas ações. Os modelos matriciais são desenvolvidos por engenheiros não previamente expostos a esse tipo de trabalho, e são aplicados a uma usina fabril, um município e uma empresa pública de utilidades. Os modelos são derivados de relações causa-efeito e de princípios fundamentais típicos da engenharia química. Espera-se que tal tratamento multi-disciplinar da sustentabilidade possa abrir novas fronteiras e novos desafios para a profissão do engenheiro químico no futuro. A abordagem é admitidamente subjetiva e influenciada pelos muitos anos de atividade educacional do autor. Pretende-se esboçar um conjunto ilimitado de oportunidades para engenheiros químicos que no segundo século de sua profissão ousam transpor os limites de bateria de sua competência estritamente técnica.

A extensão da gestão ambiental integrada

Os pioneiros da gestão ambiental em todos seus aspectos têm documentado princípios gerais e ações desejáveis em forma de normas e comprometimentos que agora estão sendo usados amplamente. Tais documentos considerados em conjunto descrevem  de maneira envolvente a extensão da gestão ambiental integrada. Como guias, levam qualquer profissional a enxergar suas áreas de atividade e de  responsabilidade, quando atingirem uma posição gerencial. Os documentos básicos aqui mencionados são as normas da ISO relacionadas geralmente com qualidade total, consciência ambiental e segurança de trabalho, e o compromisso de atuação responsável específico da indústria química. A partir da abrangência dos aspectos ambientais contidos nesses guias, os engenheiros ou gestores ambientais encontram o desafio de incorporá-los na estratégia corporativa. Esse passo já foi dado por muitas entidades e agora faz parte de sua rotina gerencial. Isso não significa que cada engenheiro ao entrar no mercado de trabalho conhece a extensão de desafios administrativos que o aguardam.  As corporações treinam e guiam seus talentos para que eles possam encarar as expectativas e exigências ambientais a eles atribuídas. Um engenheiro individual antes ou logo depois de se formar não tem esse tipo de treinamento. O estudo aqui apresentado pretende cobrir o vão e ajudar ao indivíduo a apreciar corretamente suas atividades e desafios profissionais futuros, e os limites correspondentes de sua liberdade de ação. O sucesso do estudo será medido pela maneira em que engenheiros químicos jovens percebam que a gestão ambiental é uma de suas funções normais, ou até uma opção específica de careira.

Porque é importante insistir nos aspectos ambientais da engenharia química com o formando? A resposta é que todos estes essencialmente requerem o gerenciamento de gente, enquanto o currículo tradicional se limita ao gerenciamento de equipamentos. Nenhum profissional atual pode ser efetivo sem saber gerenciar ambos, equipamentos e gente.

A série ISO 9000 quando aplicada corretamente cria uma filosofia de qualidade tanto para corporações quanto para indivíduos. Estabelece princípios de interação e autodisciplina. A filosofia simplesmente reza que não é apropriado passar para frente um serviço ou um produto, a um cliente interno ou externo, que não conforme com as especificações e que não represente o melhor trabalho possível no momento da execução (2). Ao fixar tal filosofia na mente de alunos de graduação, é possível criar uma atitude e uma relação com o meio ambiente completamente novas, incluindo equipamento e pessoas. Acima de tudo, o indivíduo começa a exigir mais de si mesmo e deixa de improvisar ou colar. Quantos de nós já usamos a idéia atrás da ISO 9000 para essa missão: estabelecer e praticar escalas de valores pessoais para indivíduos e para suas interações com terceiros?

A série ISO 14000 pode ser entendida da mesma forma. Ela cria uma filosofia corporativa ou pessoal para interações com um terceiro específico: o meio ambiente (3). Os efeitos da atividade corporativa sobre solo, ar, água e vida silvestre são documentados, e as ações correspondentes são planejadas. Os graus de liberdade disponíveis para tais ações dependem da legislação existente, e dependem também de comprometimentos específicos da corporação. Mais uma vez, a tarefa de documentar completamente  os efeitos ambientais de uma atividade industrial específica é uma função gerencial não presente na mente de um formando em Engenharia Química. A visualização desse tipo de função pode abrir um leque de oportunidades profissionais novas ao formando.

A série ISO 18000 simplesmente requer a extrapolação da filosofia de interação à segurança no trabalho. O efeito final da compreensão profunda dessa norma é, como nos casos anteriores, a formação de uma escala pessoal de valores referentes à segurança. Os graus de liberdade de ação obedecem aos princípios e às regras estabelecidas na documentação pertinente. A adequação da conduta torna-se um sexto sentido para o indivíduo dedicado. Uma nova profissão chamada de Engenharia de Segurança está entrando no mercado de trabalho, e engenheiros químicos são candidatos em potencial.

O compromisso da Atuação Responsável vigente hoje na indústria química contém todas as idéias básicas das três normas da ISO mencionadas, e adicionalmente as regras de relacionamento comunitário, de responsabilidade do transporte de produtos, e da saúde do trabalhador. Em termos gerais, o compromisso toma a forma de gestão sustentável de produtos (4).

Resumindo os argumentos aqui expostos, a gestão ambiental integrada se refere ao esforço coordenado de gerir todas as interações de uma unidade industrial ou social com o meio ambiente no intuito de tornar a unidade sustentável. Inclui a gestão de escalas de valores, qualidade, segurança,  resíduos, energia, relações comunitárias, água e esgoto, espaço e saúde. Se a profissão da engenharia química quiser ter um futuro, precisa transpor os limites de bateria dos processos e ajustar suas atividades às expectativas do mundo exterior. O segundo século da engenharia química será essencialmente dedicado a esse passo.

A mobilidade de matéria e de energia

Os princípios da termodinâmica e dos balanços de massa e energia formam a base da prática de engenharia química. No entanto, eles são tratados e compreendidos em escala microscópica em contextos industriais tais como um reator, uma unidade de processamento ou os limites de bateria, e também na educação de engenharia química. Até hoje, nossos alunos trabalham com volumes de controle para preparar seus balanços. Eles sabem que para um volume de controle em particular, toda matéria que entra ou acumula-se ou sai. De maneira semelhante, a primeira lei da termodinâmica reza que a quantidade total de energia em um sistema é constante, muito embora possa assumir formas diferentes. Dois aspectos do progresso social e científico evidentes nos últimos 30 anos colocaram limitações significativas sobre esses princípios. São eles a globalização dos mercados e a consciência ambiental. Ambos aspectos precisam ser geridos para que o progresso possa ser sustentável. As noções de limites de bateria e de volumes de controle não mais são adequadas para lidar com as novas limitações. Na medida em que a terra torna-se uma aldeia global, todos os volumes de controle interagem intensamente. Todo material que deixa um volume necessariamente entra em outro. Inversamente, todo material requerido por um volume precisa ser extraído de outro. Balanços de massa e energia tornam-se operações de cadeia. Alguns exemplos ilustrarão.

Resíduos sólidos de diferentes tipos produzidos por qualquer unidade industrial aparecem no balanço de massa local como saída, e o balanço fecha. No novo contexto de consciência ambiental, um destino precisa ser definido para esses resíduos. Se fossem dirigidos a uma operação externa de reciclagem, seriam entradas do volume de controle correspondente. Na maioria dos casos, resíduos sólidos são depositados em aterros que representam um tipo muito especial de volume de controle. Não têm saída. Todo material que chega simplesmente acumula-se. Se fosse cogitada a escritura de balanços de massa que tenham sentido para essa situação, o volume de controle teria que ser um estado ou uma província, mas no futuro próximo teria que ser um país, logo um continente e finalmente o planeta. A soma de todos os aterros e lixões foi batizada Planeta Lixo por este autor (5). Material é extraído do Planeta Terra e depositado no Planeta Lixo indefinidamente e não retorna no futuro previsível. Se for treinado para tal, o engenheiro químico poderia visualizar a mobilidade unidirecional de matéria em escala macroscópica, e perceber a falácia dos balanços locais de massa que orgulhosamente preparava no passado.

Engenheiros químicos ativos no Terceiro Mundo têm aprendido por muitos anos que não é lucrativo exportar matérias primas e importar produtos acabados. O balanço econômico não fecha. O aspecto ambiental adicionou outro cálculo muito simples a esse balanço aberto. Quando se exportam madeira nobre ou minerais, sobra terreno devastado. Após importar os produtos acabados, requer-se espaço para guardar os resíduos sólidos resultantes de seu uso. A imaginação e uma simplificação mental poderiam levar à solução óbvia de depositar os resíduos nos terrenos devastados anteriormente. Como resultado, não apenas o balanço econômico, mas também o balanço ambiental permanece aberto para sempre. Recursos continuam saindo e lixo continua chegando. Esta é uma perspectiva assustadora para limites de bateria do tamanho de um país. Mesmo assim, a situação ajuda a aplicar à noção da sustentabilidade uma prioridade alta nos currículos de estudo e na prática de Engenharia Química, e obriga os engenheiros químicos a refletirem sobre seus graus de liberdade de ação.

Raciocínios semelhantes podem ser aplicados aos balanços de água e de energia. Qualquer indústria química opera essencialmente com água, muita água. Para o balanço nos limites de bateria, basta mostrar que a água entra e evapora ou sai, e o balanço fecha. Este autor opina que os alunos de engenharia química sabem que sua usina precisa de uma fonte de água, idealmente uma fonte ilimitada, mas normalmente não fazem idéia do ecossistema que serve não só de fonte mas também de pia para a água de processo. Existe uma probabilidade enorme de que nunca foram chamados a escrever um balanço material ou energético da bacia hidrográfica que fornece água fresca a muitos usuários, industriais tanto quanto rurais e municipais, e que como retorno recebe todos os efluentes desses mesmos usuários. Esse exercício transmitiria uma noção razoavelmente precisa a qualquer engenheiro de processamento ou aluno de engenharia a respeito de seus verdadeiros graus de liberdade de ação num contexto macroscópico. A água na bacia não é tradicionalmente considerada o equivalente líquido de um aterro por alunos e engenheiros de processamento? Os poluentes provenientes das indústrias e dos municípios continuam entrando na bacia e simplesmente acumulam. Não existe saída. O Planeta Lixo tem seu componente líquido também.

Quando chegar o momento de escrever o balanço para o volume de controle chamado ar para respiração, mister se faz evitar a cegueira causada pela extensão e pela mobilidade desse ar. Os poluentes provenientes de uma chaminé industrial, de um motor de caminhão desregulado ou de um incinerador de lixo parecem dissipar-se facilmente no vasto espaço acima. Uma boa porção de disciplina de engenheiro é necessária para somar os poluentes gasosos e os gases de estufa do globo terrestre no intuito de determinar os graus de liberdade remanescentes se o progresso sustentável for cogitado como alvo. Quanto da atmosfera terrestre já pertence ao Planeta Lixo?

Princípios termodinâmicos, tais como a energia de mistura e o valor relativo da exergia, podem ser invocados, mesmo qualitativamente, para explicar a dificuldade, ou até a impossibilidade, de conter o crescimento contínuo do Planeta Lixo às custas do Planeta Terra. Essas são os tipos de contribuições que engenheiros químicos têm condições de fazer  à ciência da sustentabilidade, onde precisam trabalhar em equipe com geógrafos, biólogos, químicos, educadores e economistas, no intuito de produzir melhorias visíveis da consciência ambiental atual. O fato que sempre reaparece é que, para o engenheiro químico do novo século, existem tantos desafios fora quanto existem dentro dos limites de bateria de sua fábrica.

Tabela 1  -  Graus de liberdade fora dos limites de bateria

entradas de outras unidades unidade em questão saídas para
outras unidades
     
matéria, energia, talento, espaço

compete por lucros, progresso, mercado, bem estar, crescimento, poder

Planeta Terra: produtos, serviços, riqueza

    Planeta Lixo: esgoto, lixo, poluentes, calor, rejeitos, espaço devastado

Os graus de liberdade ambiental

No pensamento atual, a chave de uma qualidade aceitável de vida no futuro é a exploração sustentável de recursos. Assim, sustentabilidade é uma questão de comprometimento individual e corporativo que determina os graus de liberdade de ação disponíveis em todas as circunstâncias e em todos os contextos sociais e fabris. Nas escalas local e global, legislação e policiamento do tradicional modelo de comando e controle terão que ceder seu espaço às restrições auto-impostas por conhecimento de causa, de um modelo de consenso para o progresso sustentável. Um empreendimento industrial é apenas um exemplo das muitas situações onde engenheiros químicos podem exercer sua influência como gestores ambientais. Instituições sociais e educacionais podem se beneficiar do mesmo conhecimento e do mesmo comprometimento, sejam elas agências ambientais, organizações de pesquisa, escolas de todos os níveis ou organizações não governamentais. Filosofias políticas continuarão a emergir de entidades governamentais e intergovernamentais, desde administrações municipais até as Nações Unidas. Em todas as etapas, graus de liberdade ambiental precisam ser determinados e espera-se que um engenheiro químico esteja presente para dar sua contribuição.

Os graus de liberdade providenciam uma resposta à pergunta: Até onde eu, como administrador de minha unidade ou de meu volume de controle, posso ir na busca de lucro e domínio espacial sem violar os direitos e graus de liberdade das unidades vizinhas? Graus de liberdade significam autonomia. Necessariamente, uma fronteira envolve o que pode ser real ou imaginário.  O limite traçado pela fronteira representa a linha crítica onde minha autonomia começa a interferir naquela do vizinho. Experimento, argumento, conhecimento e cultura determinarão a posição exata dessa linha. Na analogia da bola volante, uma bola é lançada em todas as direções e voa até encontrar um obstáculo e voltar. Sua liberdade de movimento termina no obstáculo, porque atrás dele começa a liberdade de outra bola.  Competição honesta é uma filosofia capitalista sã. O conhecimento dos graus de liberdade ambientais evitará que a competição se torne agressiva e predatória. Em um enunciado simplificado, graus de liberdade determinam quanto de água, ar, matéria prima, espaço, vida silvestre, energia e talento uma unidade social ou fabril pode retirar do Planeta Terra, e quanto de lixo, esgoto, poluentes, calor e rejeitos pode descartar no Planeta Lixo, sem exceder a variação admitida do tamanho relativo dos dois planetas.

Essa noção da relatividade é dinâmica e ainda desafio o consenso. Quantos de nós arriscaríamos citar um número, hoje, daqui a cinco anos, daqui a uma geração? A ciência da contabilidade ambiental não tem avançado ao ponto onde o custo de oportunidade do crescente Planeta Lixo pode ser incorporado definitivamente na estrutura de preços e impostos. Somente quando esse ponto for atingido, os graus de liberdade ambiental presentes e futuros poderão ser estipulados com precisão razoável. Em termos de um exemplo macroscópico, este autor confessa sua decepção com o futuro duvidoso do programa brasileiro de álcool que teve um passado glorioso. Pelos métodos contábeis do passado, esse álcool não tem sido competitivo no mercado da gasolina derivada de petróleo. A contabilidade correta do custo de oportunidade da extinção das fontes de petróleo provavelmente mudaria esse cenário. Um deslocamento dos graus de liberdade ambiental de gasolina para álcool como combustível automotor melhoraria a sustentabilidade do modelo energético ao impedir o crescimento do Planeta Lixo em pelo menos uma direção.

O exemplo do uso da água pode também ser citado novamente para ilustrar. Quanta posso captar no rio, e quanta devo devolver? Quais modificações de propriedade podem ser toleradas entre captação e devolução? É necessário conhecer a capacidade de regeneração biológica do rio e o efeito combinado de todos os usuários de água. Um grau de liberdade existente no rio A não necessariamente existe no rio B. O tamanho do volume de controle entra novamente na discussão. A Tabela 1 mostra as interações de unidades concorrentes em forma conceptual. A unidade cogitada pode assumir qualquer forma, desde uma fábrica produtiva ou uma usina de geração de energia até um cidadão individual. Ao comparar a contribuição da unidade aos dois planetas concorrentes, e ao fixar um limite voluntário dessa relação, os graus de liberdade ambiental podem ser determinados.

Como o engenheiro individual determina seus graus de liberdade? As seguintes atividades típicas relacionadas com o meio ambiente formarão o pano de fundo dessa determinação.

Controle de qualidade. Um empreendimento e seus funcionários estão comprometidos com as exigências da certificação ISO. Todas as atividades e todos os resultados são documentados. Os únicos graus de liberdade disponíveis referem-se à melhoria do serviço ou do produto no molde dos compromissos assumidos, e existem oportunidades amplas nesse sentido.

Segurança. O mesmo raciocínio aplica-se à segurança. No molde da certificação ISO, os empregados não gozam de liberdade para correr riscos ou causar acidentes. A analogia da bola volante ilustra os limites. Toda atividade precisa ser parada ou redirecionada tão pronto logo seja percebido o risco de um acidente ou desastre, no local de trabalho ou na comunidade vizinha.

Gestão de resíduos, de energia e de água. A certificação ISO determina os limites do descarte de resíduos, sejam eles sólidos, líquidos ou gasosos. Não existem graus de liberdade além desse compromisso que é qualificado e quantificado na empresa. A Tabela 4 a ser discutida mais adiante sugere os graus de liberdade dos engenheiros na empresa: conformar, convencer e dar exemplos. Em termos de energia e água, um objetivo gerencial típico é o de reduzir o consumo por unidade de produto fabricado ou serviço prestado a uma taxa especificada. Empregado nenhum goza de liberdade para consumir energia ou água a vontade. Esse exemplo se presta para extrapolação além dos limites da corporação. Pessoas treinadas para conformar com restrições no trabalho, naturalmente extrapolam suas atitudes à vida particular e a vida comunitária. Em um estudo recente sobre as perspectivas de progresso apesar de penúria de água, foi desenvolvido um modelo que determinou a redução anual do consumo necessária para evitar o colapso do município (6). Um esforço educacional intenso é requerido para restringir com sucesso graus de liberdade costumeiros em larga escala. Os desafios da sustentabilidade são desse tipo.

Ocupação de espaços. Este termo simples tem implicações que atualmente desafiam a compreensão de muitos técnicos. Quando for possível e praticável definir os limites de crescimento do Planeta Lixo a escala mundial, os graus de liberdade resultantes tornar-se-ão evidentes. A área ocupada por aterros representa apenas uma pequena parte desse Planeta. Rios e lagos poluídos aumentam a área, e o ar poluído das cidades adiciona sua dimensão própria. Quanto espaço verde é necessário para garantir a presença de oxigênio em escalas local, regional e global? Dessas considerações, os graus de liberdade disponíveis para a ocupação do espaço são determinados pela qualidade de vida que a sociedade desejar.

Neste ponto, a bola volante bate em seu obstáculo maior: a resistência da sociedade. Efetuar os cálculos e fixar as restrições desejáveis para os graus de liberdade individuais ou corporativos é uma tarefa técnica de curto prazo. Ela é insignificante quando comparada ao esforço educacional de longo prazo requerido para alcançar uma situação de observância voluntária de todos os agentes econômicos ativos. O maior desafio da sustentabilidade é a educação necessária para conseguir mudanças culturais em geral e gestão de comportamento em particular. Como tentativa de chegar a uma definição geralmente válida dos graus de liberdade ambiental, propõe-se que eles compreendam todas as liberdades civis compatíveis com a competição honesta e sustentável.

A perspectiva de progresso no contexto dos graus de liberdade

Como pode ser conferido, o Planeta Lixo faz parte de nosso estilo de vida. Não pode ser extinto sem regressar no tempo, muito tempo. Esse é um resultado significativo do processo de pensar da Gestão Ambiental. O Planeta Lixo existe. O propósito da Gestão Ambiental é mantê-lo sob controle, e é esse o desafio de muitas gerações futuras de engenheiros químicos e gestores ambientais. Como pode ser controlado? Quais são as melhores opções? A qual distância elas penetram no futuro? Quantas mais gerações podem ser sustentadas no Planeta Terra? Qual é a tendência sustentável do tamanho relativo dos dois planetas que competem pelo mesmo espaço, e por quanto tempo? Como o Planeta Terra teria que ser gerido para prover uma qualidade de vida aceitável ao crescente número de habitantes apesar de menos espaço e menos recursos?

Obviamente, não temos as respostas em escala macroscópica. No entanto, podemos começar em escala local e procurar respostas a perguntas semelhantes relativas a nossos limites de bateria. Parece que estivemos rodando em um círculo, mas ao voltarmos à escala microscópica agora depois da excursão às dimensões e aos argumentos globais, ficamos mais sábios, mais instruídos e menos egoístas. Podemos estabelecer padrões de referência. Podemos começar a desenvolver ferramentas para gerir os graus de liberdade ambiental de nossa unidade social. Uma dessas ferramentas é a matriz gerencial ambiental.

Tabela 2 - Matriz ambiental esquemática para um município e analogia de sistema de controle

Matriz ambiental esquemática para um município
lado ativo
 
 
 
 
 
lado passivo
Alvos atores ações (exemplos) resíduos (exemplos) Retorno (exemplos) sistemas resultados
 
 
 
 
 
 
 
satisfação dos cidadãos administra-ção pública destino do dinheiro público satisfação dos passageiros Qualidade da frota transporte público qualidade de vida
valores intrinsicamente pequenos da poluição residual instituições sociais
 
 
 
manejo de resíduos sólidos conforto
 
população em geral
 
 
 
manejo de efluentes líquidos
 
 
instituições médicas
 
 
 
monitora- mento do ar
 
 
indústria local
 
 
 
fornecimento de água potável
 
 
setor local de serviços
 
 
 
educação pública
 
 
instituições educacionais
 
 
 
serviços de saúde pública
 
 
 
 
 
 
manifesta-ções culturais
 
 
 
 
 
 
fornecimento de energia
 
 
 
 
 
 
manutenção de parques
 
analogia do sistema de controle de processos
Objetivos operacionais engenheiros de controle pontos de ajuste Erros medidas variáveis manipuladas Variáveis controladas

A matriz gerencial ambiental

A noção da sustentabilidade determinada pelos graus de liberdade existentes implica em um comprometimento em toda entidade social. Uma das ferramentas pertinentes para gerir os graus de liberdade é a matriz gerencial ambiental descrita aqui. Ela reflete uma rede de gestão integral que relaciona qualitativamente alvos e realizações ambientais. Sua concepção e aplicação a uma cidade já foram detalhadas na literatura (7). No contexto atual, a matriz será aplicada a uma unidade industrial e a uma unidade pública de utilidades. Em ambos os casos, a matriz pretende definir responsabilidades corporativas e individuais relativas ao meio ambiente e à sustentabilidade. A matriz pode ser construída para qualquer aplicação, por pessoas interessadas que não necessariamente são peritos em administração e logística. A matriz ambiental é baseada  na analogia do controle automático industrial, muito familiar aos engenheiros químicos, como mostrada na Tabela 2. As colunas são os vetores que integram a matriz. Decisões e informação escoam horizontalmente de coluna a coluna: decisões da esquerda à para a direita, informação da direita à para esquerda. Esse fluxo de sinais torna-se mais claro quando se considera a analogia do controle. Engenheiros de controle conceituam a instrumentação de maneira a permanecer no comando, a dominar o processo completamente. Pontos de ajuste são impostos aos laços de controle que levam ao valor correto das variáveis controladas

Tabela 3 - Matriz gerencial esquemática do fornecimento de água potável por uma empresa municipal, sugerida em atividade de treinamento de funcionários (uma matriz adicional está disponível para o tratamento do esgoto)

lado ativo           lado passivo
Alvos Atores atos (exemplos ) vetor residual (exemplos) retorno medido (exs.) Sistemas (exemplos) realizações
             
Abastecer a população  água potável Divisão de captação e exploração monitorar o rio a montante Captação insuficiente qualidade e quantidade água captada estação de captação satisfação clientes com o serviço
  Divisão de tratamento potabilizar a água qualidade da água tratada insatisfatória resultados das análises de rotina estação de tratamento  
  Divisão de distribuição monitorar a rede de distribuição ocorrência de perdas na rede pressão correta nas torneiras reservatórios e rede de distribuição  
  Divisão de manutenção manter as instalações em condições ótimas ocorrência de interrupções do fornecimento defeitos detectados na rede oficinas de manutenção  
  Divisão financeira emitir balancetes detalhados Inadimplências e outros prejuízos apuração dos resultados financeiros tarifação, contabilidade cobranças  
  Divisão de atendimento ao cliente disponibilizar talentos e infra-estrutura para atendimento quantidade de reclamações não atendidas quantidade e qualidade consultas recebidas equipe treina da com infra-strutura  
  Divisão de planejamento previsão de oferta e demanda Futura insuficiência de oferta consumo por habitante equipes de educação e divulgação  
  Diretoria Supervisionar todas as divisões Iniciativa insuficiente dos funcionários distribuição correta de responsabili-dades existência de liderança  

pelo ajuste adequado das variáveis manipuladas. Os atores ambientais são os mestres da situação, enquanto os sistemas ambientais são os servos. Nessa relação hierárquica, os atores tomam certas decisões ou executam certos atos no intuito de impor sua vontade aos sistemas. Esses, em retorno, modificam suas propriedades para responder aos atos e atender as decisões. O resultado é o vetor de resíduos, ou da poluição residual, que é uma medida do conforto de vida. A matriz aqui proposta é dinâmica no sentido em que pode ser modificada, expandida ou reduzida para atender as situações específicas de cada unidade social. Além disso, as interações entre atores e sistemas são recíprocas. Causas e efeitos podem-se inverter. Em uma rede completamente definida e controlada, a propagação de fatos e iniciativas seria da esquerda à para direita na Tabela 2: do lado ativo para o lado passivo da matriz. No mundo real, o fluxo é bidirecional, porque acontecimentos nos sistemas podem preceder a intervenção dos atores e assim tornarem-se causas. Como guia pragmático de uma situação ótima, sugere-se que uma unidade social atinge a sustentabilidade quando a poluição residual definida por todos os elementos do vetor de resíduos, é tão baixa quanto praticável. Poluição residual zero corresponderia à perfeição do conforto de vida. Se a qualidade fosse definida como a aproximação relativa da perfeição, a qualidade de vida na unidade social seria inversamente proporcional ao valor total do vetor de resíduos. A escala de referência para medir os resíduos faz parte da dinâmica de modelagem e tem que ser estipulada por cada unidade social.

Tabela 4 - Matriz ambiental esquemática para uma unidade de manufatura sugerida por pessoal em atividade de treinamento

lado ativo           lado passivo
Alvos Atores atos (exemplos) vetor residual (exemplos) retorno medido (exemplos) sistemas (exemplos) realizações
             
Produzir com selo verde diretoria delegar, supervisionar liderar aproximação do credencia-mento status do credencia-mento processo de credencia-mento todos os produtos possuem o selo verde
Manter credencia-mentos ISO 14000 e Atuação Responsável centros de resultados decidir, coordenar, fixar objetivos, aperfeiçoar, fiscalizar efluentes fora de especificação taxas e característi-cas dos efluentes monitora- mento de efluentes Credencia-mento ISO 14000 e Atuação Responsável operantes
zero acidentes indivíduos conformar, convencer, dar exemplos participação insuficiente de funcionários iniciativas espontâneas de indivíduos treinamento de funcionários baixa freqüência de acidentes
      quantidade de acidentes compartilhar responsabili-dades atitudes dos funcionários  
      paradas de produção disponibilidade das instalações oficinas de manutenção  

Estudos de caso

Os vetores listados na Tabela 2 são típicos da gestão ambiental em uma administração municipal. No contexto da educação continuada, a tarefa de desenvolver uma matriz gerencial para a autarquia municipal de água e esgoto foi passada aos profissionais da autarquia de uma cidade típica brasileira, muitos dos quais eram engenheiros químicos. O exercício seguiu a discussão geral dos graus de liberdade ambiental e inspirou os participantes a perceberem e compreenderem as responsabilidades gerenciais corporativas. Eles definiram facilmente sua inserção individual nessa matriz e absorveram a idéia da participação individual no desempenho ambiental da autarquia. A Tabela 3 mostra em forma resumida a matriz gerencial produzida para a autarquia pelos profissionais que participaram do exercício. Simulações feitas pelos próprios participantes verificaram e aprovaram a funcionalidade do modelo.

Em outro exercício, a mesma tarefa foi passada aos profissionais de uma unidade de manufatura, muitos dos quais novamente eram engenheiros químicos que não tinham sido expostos previamente a esse tipo de exercício. Uma forma resumida da matriz resultante é mostrada na Tabela 4. Todos foram capazes de se localizar nos elementos apropriados da matriz e assim definir suas responsabilidades ambientais na empresa.

Esses exercícios e outros semelhantes ajudam a determinar os graus de liberdade ambiental de indivíduos e de empresas, e a gerenciá-los pela alocação das responsabilidades pertinentes a todos os profissionais da empresa. É isso que nos levará a ganhar o jogo da sustentabilidade, e os engenheiros químicos terão participação destacada.

O papel do engenheiro químico

Depois de concluir o exercício de determinar e gerir os graus de liberdade ambientais, convém apreciar a expansão de horizonte do Engenheiro Químico que ocorreu com a entrada em cena da Gestão Ambiental. As exigências de envolvimento ambiental feitas ao engenheiro individual o têm elevado muito acima dos aspectos técnicos nos limites de bateria da unidade fabril. O modelo da cebola para o projeto de processos proposto por Smith (8) tem sido expandido. A parte da concepção técnica dos reatores, dos sistemas de separação e de reciclo, da rede de troca térmica e das utilidades, níveis adicionais de atividade naturalmente completaram o modelo. Eles dizem respeito à interação da unidade fabril com seu ambiente físico, biológico e humano, e à gestão de todos os graus de liberdade ambiental no intuito de atingir a sustentabilidade. O modelo da Atuação Responsável já tinha incorporado esses aspectos na sua definição da gestão sustentável de produto. O modelo da cebola ampliado confirma e ilustra a expansão de horizonte do Engenheiro Químico.

Este é uma ocasião conveniente de reproduzir a opinião de um executivo de empresa quando este autor ainda era estudante: Logicamente,  é importante que nossos engenheiros saibam como fazer nosso produto, mas alguém tem que gerir a empresa. Pode ser falta de sorte que a empresa em questão fechou suas portas alguns anos depois, mas também pode ser que não tenha escolhido as pessoas certas para dirigi-la. Os Engenheiros Químicos da empresa desempenharam suas funções técnicas corretamente, e se interrogaram sobre o que tinha dado errado. Hoje, fica claro ao observador objetivo que o horizonte profissional tinha muito a ver com o que aconteceu. A necessidade de Gestão Ambiental aumentou consideravelmente as exigências técnicas de todos os funcionários, inclusive dos Engenheiros Químicos. Uma responsabilidade pesada corresponde ao setor acadêmico, que tem de conceituar o melhor currículo de curso na era de limitações de tempo e de explosão de informação.

Conclusões

A sustentabilidade determina os graus de liberdade ambiental. É um comprometimento. A matriz ambiental gerencial gere os graus de liberdade ambiental. É uma ferramenta. Ambos, o comprometimento e a ferramenta foram descritos. Oportunidades fascinantes de carreira  para engenheiros químicos na área da gestão ambiental foram sugeridas. A noção de limites de bateria foi indicada como ultrapassada, tanto na prática industrial quanto na educação de engenharia. O Planeta Lixo foi introduzido como um fenômeno novo nos balanços de massa e energia. O crescimento do Planeta Lixo é inversamente proporcional à sustentabilidade do conforto de vida em volumes de controle do tamanho de países e continentes. Estudos de caso mostraram que é necessário e possível para engenheiros químicos participarem da determinação e da gestão dos graus de liberdade de sua entidade aceitando sua parte das responsabilidades. Se complementarem seus conhecimentos técnicos com perícia gerencial, engenheiros químicos podem ser excelentes candidatos a posições de gestão ambiental.

Agradecimentos

O CNPq forneceu infra-estrutura operacional ao autor através do processo 40.0040/96-4.

Bibliografia

1 Roberts, D.V. (1996), 'World Engineering Partnership for Sustainable Development', World Congress of Engineering Educators and Industry Leaders, Paris 1996 07 02 to 05, Final Report pp. 139-143.

2 Sommer, E. (1993), 'Basic Principles of Service Quality in the Enterprise' (in German), Chemie-Ingenieur-Technik, Weinheim, 65 (12): 1457-1464

3 Thomas, W.L. (1997), 'Use ISO 14001 as a Manager for Process Risks', Hydrocarbon Processing, Houston, 76 (11): 109-118

4 Strube, J. (1996), 'VCI Report on Responsible Care' (in German), Association of the German Chemical Industry, Frankfurt

5 Fehr, M. (1999), 'The dynamic nature of MSW management', Journal of Environmental Systems, Amityville, 27 (1): 1-13 

6 Fehr, M. et al (2001), 'Toribaté 2025 - a retrospective of the construction of a sustainable  water scenario' (in Portuguese), 4th Inter-American Dialogue on Water Management, Foz do Iguaçu, 2001 09 02 to 06, proceedings

7  Fehr, M. (1998), 'An integrated environmental matrix for a social unit', Resources, Conservation and Recycling, Exeter, 22: 193-202

8   Smith, R. (1995), 'Chemical Process Design', McGraw-Hill, New York, 459 p.