Home | Novidades Revistas Nossos Livros  Links Amigos

Um Experimento Relativamente Simples para Observar a Influência de Fatores na Velocidade de Respiração de Fermento Prensado

 

Walter Borzani  &  Douglas Dalla Justina
Centro Universitário do
Instituto Mauá de Tecnologia,
Escola de Engenharia Mauá,
Praça Maua 1,09580-900,
São Caetano do Sul,
SP.Fax: (11) 4239 3131.
borzani@maua.br

 

Em artigo publicado nesta Revista (Borzani & Piplovic, 2000), após breve referência à indiscutível importância industrial de processos fermentativos aeróbios, foram descritos dois experimentos bastante simples para observar que microrganismos aeróbios, ao respirar, consomem oxigênio, produzem gás carbônico e desprendem calor.

Neste particular interessa, e muito, conhecer a velocidade com que o oxigênio é consumido pelo microrganismo (também chamada velocidade de respiração do microrganismo), velocidade essa que depende do microrganismo e das condições em que as células se encontram.

A citada velocidade é geralmente expressa em massa de oxigênio consumido, na unidade de tempo, por unidade de massa (matéria seca) do microrganismo (mg/g.h, por exemplo).

Em 1912, Warburg publicou seu primeiro trabalho relativo à medida da velocidade de respiração de células e tecidos, utilizando um equipamento proposto, em 1902, por Barcroft e Haldane. Esse equipamento, cuja descrição bastante pormenorizada pode ser encontrada em livros de Bioquímica, é conhecido pelo nome de respirômetro de Warburg ou, segundo alguns autores, aparelho de Barcroft-Warburg.

A medida rigorosa da velocidade de respiração de células implica em um procedimento experimental bastante complexo, via de regra pouco exequível em cursos de graduação de Engenharia Química.

É possível, porém, em alguns casos mais simples, realizar experimentos que possibilitam observar a influência de fatores na velocidade da respiração microbiana, sem pretender medi-la.

A descrição de um experimento com essa finalidade e a apresentação de alguns resultados constituem o objetivo deste artigo.

Equipamento

A Figura 1, representando esquematicamente o equipamento, dispensa esclarecimentos adicionais. Obviamente, os valores numéricos indicados na legenda da Figura 1 não são obrigatórios.

Figura  1

Microrganismo

Utilizou-se fermento prensado de panificação (Saccharomyces cerevisiae). O fermento foi desagregado esfregando-o em uma peneira (malhas de 2mm x 3 mm), obtendo-se grãos de fermento de 2 a 3 mm de diâmetro médio. Convém determinar o teor de matéria seca do fermento, via de regra da ordem de 30%.

Descrição do Experimento

Uma quantidade de fermento, de massa conhecida, é colocada no cesto plástico (Fig.1, nº3) e o conjunto é levado à câmara de temperatura controlada em que se realizará o experimento. O restante do equipamento também é colocado nessa câmara. Decorrido um tempo suficiente para que todo o sistema esteja à temperatura da câmara, procede-se do seguinte modo:

a) suspende-se o cesto contendo fermento ao gancho da rolha (Fig. 1, nº2);

b) com a pinça de Mohr (fig. 1, nº 5) aberta, ajusta-se firmemente a rolha ao frasco de Kitasato (Fig. 1, nº 1);

c) fecha-se a pinça de Mohr e lê-se, na pipeta (Fig. 1, nº 6), a posição do menisco (este será o instante zero do experimento);

d) de tempos em tempos, procede-se à leitura da posição do menisco da coluna de água na pipeta, determinando-se, desse modo, a variação do volume, em função do tempo, da fase gasosa existente no interior do equipamento

Algumas Considerações

1. As células de levedura, em contato com o ar, consomem oxigênio e produzem gás carbônico. Este último, por ser mais denso que o ar, alcança rapidamente a solução de NaOH existente no frasco de Kitasato e reage com o hidróxido. Como conseqüência, a pressão no interior do equipamento decresce e sobe a coluna de água na pipeta. Obviamente, a pressão da fase gasosa no interior do equipamento só será igual à pressão atmosférica no instante em que se inicia o experimento.

2. Por outro lado, a pressão atmosférica pode variar durante o experimento, principalmente se este for de longa duração, afetando o volume da fase gasosa no interior do equipamento. Considerando, porém, que a duração do experimento é relativamente curta (ver, mais adiante, os Experimentos nº 1 e nº 2), as variações da pressão atmosférica, a não ser em casos excepcionais, não são significativas.

3. Lembrando que, nos experimentos relatados neste artigo, o fermento se encontra na forma de grãos de 2 a 3 mm de diâmetro médio, e que 1 g de fermento prensado contém cerca de 1010 células de levedura (Borzani, 1955), cada grão de fermento é um aglomerado de 107 a 108 células. Obviamente, enquanto as células situadas nas proximidades da superfície externa do grão podem respirar normalmente, as mais próximas da região central do grão terão pouco ou nenhum oxigênio disponível. Em outras palavras, a granulometria do fermento afetará o resultado do experimento.

4. Pelo fato de o fermento não ter à sua disposição um meio de cultura que lhe forneça os nutrientes adequados, a respiração acarretará consumo de nutrientes armazenados nas células (é a chamada respiração endógena). Por esse motivo, à medida que a respiração prossegue diminuirá a reserva de nutrientes das células e diminuirá, conseqüentemente, sua velocidade de respiração.

As considerações expostas permitem ter uma idéia da complexidade inerente ao método de medida da velocidade de respiração de células. O que se pretende, com o experimento bastante simples descrito neste artigo, é tão somente observar a influência de alguns fatores na velocidade de respiração de microrganismos, baseados no fato de essa velocidade ser função crescente da velocidade com que aumenta o volume de água na pipeta (Fig.1 ,nº 6) no decorrer do experimento (ver Apêndice).

Cálculo da Velocidade

O primeiro resultado do experimento será uma tabela (ou um gráfico) que indicará, para cada instante t do ensaio, o volume V de água na pipeta.

A partir desses valores, poder-se-ia calcular as velocidades dV/dt por vários métodos, dentre os quais podem ser citados, apenas a título de exemplo, o método gráfico, o método da diferenciação numérica (Sinclair & Cantero, 1990) e o método de Le Duy & Zajic (1973). É preferível, contudo, procurar uma equação empírica que se ajuste aos pontos experimentais, correlacionando V com t e, a partir dessa equação, calcular dV/dt. Como será visto mais adiante, uma equação do tipo da equação (1), em experimentos de duração relativamente curta, pode ser proposta.

                                                                  (1)

Na equação (1), a e b são constantes empíricas que dependem das condições experimentais. A equação (1) conduz à equação (2), que permite calcular dV/dt em cada instante do experimento.

                                                           (2)

Sendo m a massa do fermento (matéria seca) utilizado no experimento, a velocidade v de variação de V, por unidade de massa (matéria seca) de fermento, é calculada pela equação (3).

                                                     (3)

Resultados do Experimento nº 1

Condições experimentais: Temperatura = 6,0±0,5ºC. Pressão atmosférica = 9,33.104Pa (correspondente a uma coluna de mercúrio de 700 mm). Massa de fermento = 12,1 g (m = 3,63 g).

A Tabela 1 e a Figura 2 mostram os resultados obtidos.

A curva da Figura 2 mostra, também, que a equação (4) se ajusta bem aos pontos experimentais.

                                                            (4)

Tabela 1. Resultados do Experimento nº 1

t(h)

Leitura na pipeta

       V(mL)

  0

22,0

0

1,5

18,5

 3,5

3,0

15,0

 7,0

4,5

12,3

 9,7

6,0

10,1

11,9

Figura  2

Resultados do Experimento nº 2

Condições experimentais: Temperatura = 23,5±0,5ºC. Pressão atmosférica igual à do Experimento nº 1. Massa de fermento = 2,0 g (m = 0,60 g).

Os resultados obtidos podem ser vistos na Tabela 2 e na Figura 3. A curva da Figura 3 mostra que a equação (5) se ajusta bem aos pontos experimentais.

                                                              (5)

Tabela 2. Resultados do Experimento nº 2

t(h)

Leitura na pipeta

V(mL)

  0

23,0

0

0,5

21,7

1,3

1,0

20,6

2,4

1,5

19,6

3,4

2,0

 18,75

4,25

2,5

18,05

4,95

3,0

17,55

5,45

Figura 3

Cálculos das Velocidades v

Das equações (4) e (5) obtém-se, respectivamente, as equações (6) e (7) que possibilitam calcular a velocidade v [equação (3)] nos experimentos nº 1 e nº 2. A Tabela 3 e a Figura 4 mostram os resultados obtidos.

Exper. Nº 1:                                                              (6)

Exper. Nº 2:                                                                (7)

           Tabela 3. Valores da velocidade v

t(h)

v (mL/g.h)

Exper. nº 1

Exper. nº 2

  0

0,68

4,71

0,5

----

3,99

1,0

----

3,42

1,5

0,62

2,97

2,0

----

2,60

2,5

----

2,30

3,0

0,57

2,04

4,5

0,52

----

6,0

0,48

----

Figura 4

A Tabela 3 (ou a Figura 4) mostra que, em cada experimento, v decresceu (indicando que diminuiu a velocidade de respiração das células) no decorrer do ensaio. A explicação desse fato foi apresentada no item Algumas Considerações (ver a de nº 4).

Mas o decréscimo de v no experimento nº 2 foi mais acentuado do que o observado no experimento nº 1, como pode ser visto na Figura 5 (na qual v0 é o valor de v no instante t = 0) ou na Tabela 4  (na qual v1 e v2 são, respectivamente, os valores de v dos experimentos nº 1 e nº 2, no mesmo instante). Considerando que o valor de v (e, portanto, da velocidade de respiração das células) era, no experimento nº 2, maior do que o observado no experimento nº 1, o consumo, pelas células, de suas reservas de nutrientes, foi mais rápido no experimento nº 2, o que explica o fato apontado neste parágrafo (ver, no item Algumas Considerações, a de nº 4).

Tabela 4. Valores de v2/v1

t(h)

v2/v1

  0

6,93

1,5

4,79

3,0

3,58

Figura 5

A Tabela 4 mostra que no instante t = 0, isto é, quando as células ainda tinham praticamente intactas suas reservas de nutrientes, o valor de v no experimento realizado a 23,5ºC era quase 7 vezes maior do que o calculado no experimento nº 1, realizado este último a 6,0 ºC. Isto indica que o aumento da temperatura, de 6,0ºC para 23,5ºC, acarretou aumento da velocidade de respiração das células.

A influência de outros fatores no valor de v pode ser estudada realizando experimentos do tipo do descrito neste artigo.

Apêndice

O único objetivo deste Apêndice é mostrar que a velocidade de respiração do microrganismo é função crescente de v. No instante em que tem início o experimento, lembrando que a temperatura é constante, seja:

Va = volume do ar contido no equipamento;

pa = pressão atmosférica

Decorrido um tempo t, seja:

V        = volume de água na pipeta;

h         = altura da coluna de água na pipeta.

Logo, Va - V será o volume da fase gasosa contida no equipamento. Acontece que o volume Va - V se encontra a uma pressão p, menor do que a atmosférica, que pode ser calculada por:

                                                      (8)

sendo r a massa específica da água, g a aceleração da gravidade, e A a área da secção transversal da coluna de água na pipeta.

É possível, então, calcular o volume V*, à pressão pa, que seria ocupado pelo volume Va - V medido à pressão p dada pela equação (8):

                                                  (9)

O volume de oxigênio consumido até o instante t, medido à pressão atmosférica, indicado por Vc, será então:

                                            (10)

A equação (10) dá:

                                       (11)

A diferença Va - 2V é sempre positiva, pois Va é seguramente maior do que 500 mL (e de medida difícil) e 2V será, no máximo, 50 mL.

Por outro lado, a velocidade de respiração do microrganismo (vr) é definida pela equação (12), na qual r0 é a massa específica do oxigênio (à temperatura do ensaio e à pressão pa).

                                                                       (12)

Substituindo, na equação (11), o valor de dVC/dt tirado da equação (12) e o valor de dV/dt tirado da equação (3), chega-se à equação (13), equação esta que mostra que vr é função crescente de v.

                                  (13)

Se o maior valor de V, medido no experimento, for suficientemente pequeno quando comparado com Va, isto é, se Va -2V@Va, a equação (13) mostra que vr será praticamente proporcional a v. Neste caso se enquadram os experimentos citados neste artigo.

Referências

Borzani, W. 1955. Concentração de leveduras no fermento prensado. Engenharia e  Química, vol. 7, nº. 2, pp. 5-7.

Borzani, W. & Piplovic, R. 2000. Dois experimentos relativamente simples para observar alguns fatos ligados à respiração de microrganismos. Revista de Graduação da Engenharia Química, vol. 3, nº 5, pp, 9-14.

Le Duy, A. & Zajic, J.E. 1973. A geometrical approach for differentiation of an experimental function at a point applied to growth and product formation. Biotechnology and Bioengineering, vol. 15. pp. 805-810.

Sinclair, C.G. & Cantero, D. 1990. Fermentation modelling. In: Mc Neil, B. & Harvey, L.M. (Ed.), Fermentation: a practical approach. IRL Press, Oxford.