PARTE 3 - O Bom Humor no Novo Testamento


No Novo Testamento, o humor manifesta-se no modo de falar de Cristo (por exemplo, Lc 11, 5 e ss., a parábola do vizinho importuno, que insiste em acordar o amigo à meia-noite para que lhe empreste três pães, narrada de viva voz, oferece imenso potencial cômico) e, sobretudo, em Cristo ressuscitado, que aparece a discípulos que não O reconhecem. Com divertida ironia, deixa que Cleofas e seu companheiro (Lc 24) Lhe expliquem longamente o que aconteceu a Jesus de Nazaré... (- "Tu és o único forasteiro em Jerusalém que não sabe de Jesus Nazareno? - "Ah é, é? O que foi, hein?").

Bom humor também nos gestos de Jesus. Ele - que foge quando querem fazê-lO rei (Jo 6, 15), após a multiplicação dos pães - finalmente, no Domingo de Ramos, deixa-se aclamar como rei e o faz em tom de humor: entrada triunfal em Jerusalém, montado num burrinho!!! (os discípulos que tomavam a sério a idéia de um reinado temporal "não compreenderam isto", Jo 12, 16).

O antigo costume oriental de responder a uma pergunta com outra - costume inaugurado por Caim (à indagação de Iahweh: "Onde está teu irmão?", ele responde: "Acaso sou eu o guarda de meu irmão?) - é, ainda hoje, uma marca do humor judaico (interpelam o judeu: "Por que vocês só respondem com outra pergunta?". Ele responde: "E por que não?"). Jesus, mais do que qualquer outro personagem bíblico, vale-se desse estilo, frequentemente, para reduzir ao silêncio as insidiosas indagações dos fariseus, até que não se atrevessem mais a perguntar-Lhe coisa alguma (Lc 20, 40).

Humor também no agudo Lucas. Em Atos 12, não deixa escapar a fina observação psicológica da reação da criada Rode ao reconhecer que é Pedro (que acaba de escapar da prisão) quem está batendo à porta: "ficou tão alegre que não lhe abriu" e, em vez disso, foi, alvoroçada, contar aos que estavam na casa. Estes discutiam com ela ("Não é possível, Pedro está na prisão!", "Tenho certeza, é ele mesmo"), mas abrir que é bom, ninguém abria. Pedro, porém, desesperado, continuou batendo até que, finalmente, deixaram de discutir e lembraram-se de lhe abrir a porta.

Já em Atos (19, 13 e ss.) descreve aquela passagem em que os ridículos sete "exorcistas" ambulantes, filhos de um judeu chamado Cevas, que, vendo como Paulo expulsava demônios e fazia milagres extraordinários, acharam que também eles poderiam imitar seus exorcismos: "Sai, demônio!, Sai, demônio! Sai em nome de Jesus, a quem Paulo prega!". Mas, como exorcismo não é para quem quer (mas para quem pode...), o espírito mau responde-lhes: "Jesus, eu conheço; Paulo, eu sei quem é; mas, vocês, quem são?". Ato contínuo, o possesso salta sobre eles e dá-lhes uma surra memorável (quando conseguem fugir, estão nus e cobertos de feridos).

Ainda Atos 19 descreve um típico fenômeno de massas. Tudo começa com os temores de um certo Demétrio, presidente do sindicato dos artífices de prata (fabricantes de nichos para as imagens da deusa Ártemis), em "piedoso" e muito lucrativo serviço da deusa. Ele reveste-se de zelo "religioso" contra a pregação anti-idolátrica de Paulo. Reúne os colegas do "ramo religioso" e vai direto ao assunto: "Amigos, sabeis que é deste ganho que provém o nosso elevado padrão de vida" e explica-lhes o perigo que Paulo representa também para o culto da deusa. Os ourives põem-se a gritar: "Grande é a Ártemis dos efésios!".

Em pouco tempo provocam um tumulto geral: a cidade toda acorre ao teatro, gritando ("a assembléia estava totalmente confusa e a maior parte nem sabia por que motivo estavam reunidos"). E puseram-se a gritar o slogan - por quase duas horas!! - "Grande é a Ártemis dos efésios!". O escrivão - querendo a todo custo acalmar o tumulto e evitar a acusação de sedição - finalmente consegue um pouco de silêncio, e tem a idéia genial de dirigir-se ao povo, manifestando o ridículo da cena. Diz-lhes: "Sim..., sem dúvida, Ártemis é grande (frase seguida, provavelmente, de uma pausa e do complemento: "Há alguém aqui que acha que não?"). E é óbvio também que é a guardiã da cidade! (pausa)". Ao dizer estas palavras, meia vitória já está conquistada. O desfecho é não menos evidente: "Se Demétrio e os ourives têm alguma queixa, para isto existem os tribunais; não seja que sejamos acusados de sedição. E como todo o mundo sabe que Ártemis é a maior, agora é melhor cada um voltar para sua casa".

Finalmente, não escapam a Lucas detalhes irônicos, tais como o da fala do sumo sacerdote, interpelando os apóstolos (At 5, 28): "O que é que quereis? Fazer recair sobre nós o sangue desse homem (Jesus)? Expressamente vos ordenamos que não ensinásseis nesse nome. No entanto, enchestes Jerusalém com a vossa doutrina". Ora, precisamente o Sinédrio - ainda há pouco tempo, por ocasião do processo de Jesus - havia incitado o povo a dizer: "Caia seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos".

jeanlaua@usp.br