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PIADA E PRECONCEITO: PORTUGAL X BRASIL
- uma pesquisa nos sites da rede -
(as citações foram extraídas, em geral, sem alterações dos originais e foram mantidas também a ortografia - ou a falta de... - e mesmo algumas formatações) A dinâmica interna do repertório de piadas de cada país (ou de cada comunidade) promove necessariamente a criação de tipos caricaturescos. A tipologia, assim criada, permite não só a organização e a memorização das piadas, mas também a própria criação de novas: a realidade (e também a realidade do humor...) é apreensível na medida em que a linguagem dispõe de referenciais concretos para o pensamento. O problema está quando estes tipos não são inocentes personagens de ficção - como é o caso dos "Joãozinho", "Juquinha", "Jaimito" ou "Pierino" das piadas de moleque ou de escola - mas identificados com membros de comunidades reais: o português, o negro, etc. (e, mais recentemente, na Europa e, sobretudo em Portugal, o brasileiro!!). Aí já não há humor, mas os maus humores do escárnio, do preconceito, fonte de ressentimentos e de ódios. Há mais de setecentos anos, Santo Tomás de Aquino, em seu Tratado sobre o lúdico, ao fazer o grande elogio filosófico do humor, não deixa de denunciar as disfunções do humor que se torna agressão e ofensa: há quem tudo sacrifique no altar da pilhéria e, invertendo a sabedoria do antigo provérbio, perde o amigo mas não perde a piada; ou, pior ainda, há quem queira mesmo ofender e vale-se da covarde arma da piada para esse fim. Em qualquer caso, a piada discriminatória é, no fundo, um tolo narcisismo que busca afirmar-se a custa do "bem-humorado" rebaixamento do outro. O caráter destruidor (e, sobretudo auto-destruidor) do escárnio foi já analisado pelo grande filósofo contemporâneo C. S. Lewis (veja-se, por exemplo, Bretzke, G. G. C. S. Lewis, o humor na medida certa). Como se sabe, no anedotário de cada país há um lugar especial, reservado para o tipo que vai encarnar o papel de tolo: pode ser um imigrante, o natural de um país vizinho, ou de uma região do país, um determinado tipo de profissão; personagens de ficção etc. São os portugueses, alentejanos, belgas, poloneses, irlandeses, leperos, atlantes, os policiais (carabinieri) na Itália, as loiras etc. O enraizamento da estigmatização do português pelo brasileiro tem sua origem (ou uma delas...) no choque cultural de lógicas: o português é mais formal e literal: complicado (ao menos, para nós...). Emblemático, neste sentido, é o fato de que, no Brasil, a fruta Diospyros Kaki, ficou conhecida por caqui, enquanto, em Portugal, ela se chama dióspiro. Mário Prata, em seu Schifaizfavoire - Dicionário de Português (São Paulo, Globo, 1993, 7a. ed.) aponta algumas características dessa diferença de lógicas: "A lógica deles é única, e a nossa, uma mistura de lógicas negras, portuguesas, índias, italianas, francesas, americanas, alemãs, japonesas etc. etc. etc." (p. 63-64). "Como é dif'rente o humor em Portugal" (diríamos, parafraseando o cardeal português da peça de Júlio Dantas). A real criatividade do brasileiro (1) dificulta a tentativa lusa de "devolver na mesma moeda" as "piadas de português", simplesmente trocando "o português" por "o brasileiro" ou o Manuel/Joaquim por, digamos, um Tonho ou Zé (que parecem ser algumas das tímidas tentativas lusas de transposição: de nomes para personagens brazucas que - como eles bem o sabem pelas novelas - não são tão fáceis assim de cristalizar como o reduzido elenco de nomes existentes em Portugal...), ou imitando o sotaque da língua falada no Brasil (o português mal falado, "pretuguês"), ou chamando o outro de "ó cara" etc. ... Aliás, é muito significativa a própria realidade de que algumas piadas lá (e mesmo em "anedotas de brasileiro"...) tenham de ser explicadas!! A propósito dos nomes, cabe aqui a observação de Mário Prata sobre
os nomes próprios em Portugal: "Há uma lei dizendo os nomes que podem ser dados às
pessoas que nascem em Portugal. São pouquíssimos os nomes. Por isso, todos são Manuel,
Joaquim, Antônio, José, Luiz, Nuno Vasco, Paulo, Fernando e mais uns dois ou três. E as
mulheres são todas Maria. Maria alguma coisa, mas Maria. Em dois anos morando em
Portugal, conheci seis Antônio Reis (dois deles irmãos), quatro Fernando Gomes, três
Francisco Manso e dezessete Maria João" (pp. 17-18). Já do ponto de vista de
Portugal, ridícula é a "criatividade" nossa para dar nomes, estigmatizada na
fulminante anedota de brasileiro: Dois amigos encontram-se depois de muito tempo. http://alfa.ist.utl.pt/~l39343/VARIAS3.HTM
Um par de namorados, brasileiros, está num banco do jardim. Ele
está amuado. Ela muito meiga, muito dengosa: http://www.nca.pt/individual/nunoroberto/anedotas/home0.htm http://alfa.ist.utl.pt/~l39343/EPOCVID.HTM Uma conhecida piada, em versão brasileira: O filho de um rico empresário havia sido sequestrado por um português. Por ordem da policia, ele foi à televisão e falou que seu filho tinha sido sequestrado mas que ele não ia pagar resgate coisa nenhuma. No dia seguinte o empresário recebe uma carta do sequestrador que continha os dizeres:"Isto é para mostrar que não estou bricando." Olhando dentro do envelope, o empresário viu muito sangue e duas orelhas. Apavorado teve quase um ataque cardíaco, mas relaxou quando viu outro bilhete dentro do envelope que dizia: "Não se preocupe, estas orelhas são minhas, mas as próximas serão do seu filho!!!" http://www.matrix.com.br/diogoney/piada.htm Transposição portuguesa "com certeza" (com direito ao eufemístico "por acaso" que, em Portugal, freqüentemente significa "não por acaso"): Apos meses de espectativas e de muitos planos um homem, que por acaso se chamava Ze conseguiu sequestrar a filha de um empresario riquissimo. A familia da menina estava ja preocupadissima pois o sequestrador, a dois dias do sequestro ainda nao havia entrado em contacto com a familia da vitima. Foi quando receberam um pacote contendo uma mao "decapitada" dentro e o seguinte aviso do sequestrador : " esta e minha mao, a proxima e a da sua filha". Pra provar que o homem nao estava para brincadeiras (grifo nosso). http://camoes.rnl.ist.utl.pt/~amlm/geral.txt De passagem, damos mais um exemplo de narrativa de anedota com explicações: Num congresso de medicina todos os participantes contavam histórias
de pasmar : (Os outros médicos bateram palmas... ) (grifo nosso) http://grupo.bfe.pt/clientes/nuno.ramos/pag12d.htm Nessa mesma linha, mais algumas observações de Mário Prata (op. cit.): "Cuidado ao fazer trocadilhos em Portugal. É o tipo de humor a que eles não estão habituados" (p. 133). "E por falar em explicações, evite pedi-las na rua aos portugueses. Eles são tão solícitos e amáveis que você acaba não entendendo nada" (p. 47). Sobre a literalidade lusa: "Você chega num balcão de bar e pergunta: Tem café? Respondem: Tem. E acabou a conversa. Jamais deduzirão que você quer tomar o café. E tem a sua lógica. Você não pediu um café, perguntou se tinha. Tinha" (p. 47). É por essas e por outras que, no outro dia (em um programa particularmente vertiginoso...), nossa dupla de comediantes Luiz Fernando Guimarães/Pedro Cardoso pediu desculpas ao eventual espectador português pela velocidade e sutilezas das insinuações... Compare-se, por exemplo, a narração de futebol (ou esportiva em geral...) do Brasil (digamos, de um Sílvio Luiz ou mesmo de um Galvão Bueno...) com a portuguesa. O besteirol de Gabriel Alves - para tomar como exemplo um dos mais conhecidos "comentadores desportivos" - é antológico, mesmo para os próprios portugueses (p. ex.no site: http://students.si.fct.unl.pt/users/dms/futebol.htm) Jogo da Supertaça 95 (Sporting- Porto) em Paris: Um jogador recebeu a bola e passou-a outro jogador. Durante o Euro96, no primeiro jogo Alemanha-X Bulgaria, G. A. afirma
entusiasticamente: Justiça seja feita, há infinitas bobagens do mundo do futebol, também no Brasil: em declarações de jogadores e dirigentes, divertidas principalmente pela agressão à gramática ("comigo ou sem migo...", "fiz que fui, não fui, acabei fondo", "agradeço aos sócios do Corinthians, que naufragaram meu nome", "O Sócrates é invendível e imprestável..." etc.). E, certamente, os exemplos de Gabriel Alves foram tomados de sites de calinadas (besteirol -"calinadas" são "pérolas", que se assemelham às do Calino, personagem tipo do tolo de uma antiga revista portuguesa). O surpreendente é que eles considerem também calinadas (a
dificuldade lusitana de superar o plano denotativo e literal ...), tiradas como as
seguintes: .Jogo do Sporting. "De facto foi golo, com a bola a bater A MAIS DE 2 METROS para lá da linha de golo" E aí se abre uma possibilidade metodológica de analisar as diferenças culturais entre Brasil e Portugal: aquilo que nos surpreende no humor português é um precioso indicador das culturas. Em contato com o imigrante português, o brasileiro descobre (e se embevece...) com a sua relativa criatividade, seu sentido de improvisação, sua faca de dois gumes: "o ser ishpérrto", sua "lei de Gérson" etc. E realiza sua necessidade imatura de auto-afirmação em cima da alteridade das caricaturas: Manoel e Joaquim, que passam a encarnar não já a relativa complicação formal lusitana, mas a tolice em geral. Como identificar, dentre as centenas de piadas de português, as (pouquíssimas) que - grosserias à parte - teriam alguma razão de ser? Há, para a solução deste problema, parece-me, uma possibilidade que permite discernir a diferença cultural (em termos de Idealtypus, naturalmente) à margem de qualquer consideração valorativa. A clave metodológica é a seguinte: isolar as piadas de português que não encontram correspondente nos outros tipos dos demais países (o lepero, a loira, os carabinieri etc.). E, reciprocamente, as piadas desses outros tipos de burrice que não podemos aplicar ao português. Sim, porque, em geral, as piadas de tolos são as mesmas no mundo todo, mudam somente os nomes dos tipos. Por exemplo: - Está lá? É da VARIG ? Por favoire, senhorita, eu queria sabeire
o tempo de vôo São Paulo-Lisboa? http://www.prism.uvsq.fr/public/jaraujo/Piadas/purtugues.html Un carabiniere telefona in aeroporto: -"Buongiorno, vorrei sapere quanto impiega l'aereo da Roma a New York" e l'impiegato: -"solo un attimo.........." -"grazie, arrivederci!!!" nardi.sty@server.mercurio.it Mas voltemos às piadas de tolos que não podem ser aplicadas ao português. Um exemplo é o da piada do incêndio (encontrável em diversas línguas): que brasileiro se atreveria a atribuir ao português (seria, antes, muito mais plausível o contrário) esta piada? Incendio devasta biblioteca dei Carabinieri. http://www.aspide.it/freeweb/Etero/freddure.htm Em versão brasileira: Incêndio arrasa a biblioteca (digamos...) do saudoso Vicente Matheus. Deu para salvar os dois livros. De acordo com nosso princípio metodológico, apresentaremos alguns exemplos de piadas de português (essas seriam as autênticas...) que nada tem que ver com tolice em geral e não se podem aplicar a tolos da tipologia de outros países. Um bom indicador são as piadas que ouvimos precedidas da indicação: "Essa aconteceu mesmo...". As piadas (ou episódios narrados como realmente ocorridos: "Um amigo meu voltou de Portugal..."), a seguir, são conhecidos e a formulação (mantendo a ortografia original) procede do site http://www.prism.uvsq.fr/public/jaraujo/Piadas/purtugues.html Essa historia foi contada por um amigo meu, brasileiro, que esteve em
Portugal. Ele disse que certa vez queria ir de carro de Lisboa ate' Cintra. Pegou uma
estrada mas nao sabia se estava no caminho certo porque nao havia sinalizacao. A uma certa
altura, resolve parar para perguntar a um portuga na beira da estrada se aquela era a
estrada certa: Isto nao e' uma piada, e' um caso veridico ocorrido com um amigo meu
quando esteve em Lisboa: Em um bar este amigo pede uma cerveja ao garcom que lhe pergunta:
- Qual voce quer, Brahma, Antartica ou Skol (desculpe mas nao sei as marcas das cervejas
de la')? Passeando por Lisboa, num ultimo dia de visita antes da partida,
resolvemos pegar um metrô. Pegamos o primeiro portuga na rua e perguntamos : Um amigo meu e' oftalmologista (oculista) e foi contratado pra
trabalhar numa clinica em Portugal. La', no primeiro dia de consulta, mandou o portuga ler
o que estava escrito no poster de letras, comecando das menores letras para as maiores. O
portuga nao conseguiu da primeira. Dai ele pede pra ler umas letras maiores, mas o portuga
nada de conseguir. Dai ele passa pras maiores letras no poster ate' perder a paciencia : -
Nao e' possivel que voce nao consegue ler estas letras enormes. Leia, leia ! Um conhecido meu havia viajado para la' e estava parado sobre uma
ponte no rio Tejo (que corre em Lisboa). Parou um purtugues ao lado dele, e comecaram a
levar um dialogo amistoso. Foi quando o brasileiro comentou sobre o tamanho da ponte: Num cafe de Paris, dois turistas purtugueses: - Sabes, Manuel, estou
ha uma semana em Paris e ainda nao fui ao Louvre. O Victor Manuel (portuga) tem uma loja la em Lisboa, na sexta-feira
um brasileiro foi ate' a loja comprar umas lembrancas. Manoel (tinha que ser...) veio tentar a vida no Brasil porque em
Portugal estava muito dificil. Para tal, a unica referencia que ele tinha no Brasil era o
endereco de seu velho amigo Jose (alguem pensou que fosse ser Joaquim????) que ja tinha
vindo alguns anos antes e tinha se dado bem. Pois bem, ao descer do navio, debaixo de um
pe' dagua fenomenal que borrou o papel com o endereco do seu amigo, Manoel se viu perdido
e com uns trocados que davam apenas pra mandar um telegrama pra Portugal. Entrou entao na
agencia dos Correios e escreveu o seguinte para o (agora sim eh ele!!!) Joaquim que ficara
na terra lusitana: Do mesmo site, algumas conhecidas piadas sobre o hábito português de traduzir tudo para sua língua ("Sabe como é self-service em Portugal? Restaurante d'auto-serviço por conta própria sem empregado de mesa"). Naturalmente, ninguém chama o francês ou o espanhol de burro por fazerem o mesmo em suas línguas. O Manuel, piloto da TAP (Transportes Aereos Portugueses) iria inaugurar o vôo da nova aeronave recem adquirida da Boeing. Mas como foi um negocio feito as pressas, a Boeing nao teve tempo de traduzir os letreiros pra o português. Foi entao que o Manuel logo tratou de avisar aos passageiros : - Senhoires e senhoras, onde estiveire escrito "PUSH", nao puxe, empurre. Onde estiveire escrito "PULL", nao pule, puxe. E onde estiveire escrito "EXIT", nao hesite, pule ! (alteramos ligeiramente a redação - nota nossa). Os purtugueses tem a mania de traduzir todas as palavras de outra
lingua para a lingua patria. Na ocasiao do primeiro Grande Premio de F1 em Portugal todos
os patrocinadores tiveram seus outdoors traduzidos: Um brasileiro chegou em Portugal, todo cheio de ginga, achando que
era o espertao. Encontrou um senhor e foi dizendo com pessima educacao:
Nota: (1) Note-se, a propósito, que o brasileiro tem um agudíssimo senso de humor: ágil, cortante, imediato. Para ficarmos principalmente com as piadas das últimas semanas: surge uma gripe nova e logo o lúdico é convocado a nomeá-la: Gripe Zagalo: não tem defesa... (alusão às - mais ou menos injustas -
queixas da torcida no torneio da França e na Copa América). Um time entra em crise, surgem as piadas: A Autolatina lançou o Gol Flu... já vem rebaixado. |