Globalização Cultural -
a Pior das Globalizações

(resumo de palestra que o autor - renomado escritor de livros didáticos
da Ed. Saraiva - tem proferido para professores de 1o e 2o graus de todo o país)

 

Elian Alabi Lucci

 

Em seu livro mais recente, a Era do Acesso, o consagrado autor Jeremy Rifkin (autor também do portentoso O Século da Biotecnologia), demonstra grande preocupação (aliás, generalizada entre os estudiosos das Ciências Sociais) com o que vem acontecendo neste início do século XXI, com o processo de globalização que, nesta sua quarta fase, nos inseriu na Sociedade Pós Industrial. Trata-se da descoberta por parte das empresas transnacionais de como a produção cultural pode gerar lucros numa sociedade que, como diz Domenico De Masi, caminha cada vez mais para o ócio, primeiro por conta do envelhecimento da população e depois com a exclusão do trabalho.

Para explorarem este novo filão, a indústria cultural - diante de um homem cada vez mais vazio de sentido para sua vida, no que tange à busca de valores essenciais -, as multinacionais e os gestores do processo de globalização estão tentando nos inserir na era do acesso ou, também como ela é economicamente chamada, de “economia da experiência”.

Para isto, estas empresas estão todas a caminho da transição da propriedade para o acesso.

Elas estão vendendo seus imóveis, reduzindo seus estoques, alugando seu equipamento e terceirizando suas atividades em uma corrida de vida ou morte para se livrarem de todos os tipos de bens materiais.

Ter muitas coisas está sendo considerado fora de moda neste atual estágio econômico.

No mundo comercial de hoje quase tudo que é necessário é arrendad (leasing).

Ter, guardar, acumular, ainda são naturalmente conceitos prezados mas, agora, diante da velocidade das inovações tecnológicas, muitas vezes estas coisas tornam problemática a noção de propriedade.

Em uma sociedade como a atual, de produção customizada, de inovação e atualizações quase que diárias e de ciclos de vida dos produtos cada vez mais curtos, tudo se torna quase imediatamente desatualizado, daí não valer pena deter a posse de bens.

Como bem coloca Rifkin ter, guardar, acumular, em uma economia onde a mudança em si é a única constante, está fazendo cada vez menos sentido e, em assim sendo, o melhor é o acesso.

Mas o que é acesso?

Até há bem pouco tempo essa palavra só era ouvida ocasionalmente, restringindo-se geralmente a questão de ingresso no espaço geográfico ou físico. Mas, a partir da década de 1990, o Concise Oxford Dictionary inclui esta palavra em sentido humano, demonstrando assim seu novo e crescente uso.

Neste momento de nossas vidas, acessar é um dos termos mais empregados no dia a dia por quase toda a sociedade mundial ou, pelo menos, por grande parte dela, mesmo sabendo-se que há ainda países que nem sequer completaram sua primeira revolução industrial e que, aliás, não são poucos e que, talvez, nem a venham completar já que a exclusão tecnológica é muito mais perversa do que aquela provocada pela era industrial.

O acesso, portanto, passou a ser o bilhete de ingresso para o avanço e para a realização pessoal. Além disso é também uma expressão de grande significado político, uma vez que acessar diz respeito a distinções e divisões, sobre quem deverá ser incluído e quem deverá ser excluído.

É assim que essa palavra está se transformando numa ferramenta conceitual muito potente para se repensar em nova visão de mundo assim como também em uma nova visão econômica.

Esta nova visão econômica a qual já nos referimos como a da “economia da experiência”, está gerando um “comércio de ponta” que já começa a envolver o marketing de um vasto arranjo de experiências culturais ao invés de tão somente os tradicionais bens e serviços industriais.

Como exemplo disso pode-se dizer que o turismo global, parques temáticos, grandes centros de entretenimento, bem-estar, moda e culinária, esportes e jogos profissionais, filmes, música, televisão, além naturalmente da educação, estão se tornando rapidamente o centro de um novo ciclo ou período considerado super capitalista que comercializa o acesso a experiências culturais. Aliás, mais de um quarto da população mundial gasta muito dinheiro neste momento acessando experiências culturais, criando assim um novo mundo em que a própria vida de cada pessoa se torna efetivamente um mercado comercial.

Daí se pode observar que estamos embarcando num período em que um número cada vez maior de experiências humanas é comprado na forma de acesso às diversas redes do ciberespaço, nas quais um número cada vez maior de usuários gasta grande parte do seu dia-a-dia, são controladas por algumas poderosas empresas transnacionais da mídia e que, para aumentarem ainda mais o seu porte, estão promovendo um intenso processo de fusões.

Assim, esta absorção da esfera cultural pela comercial indica uma mudança fundamental nas relações humanas com sérias conseqüências para o futuro da sociedade, isto porque, desde os primórdios de nossa civilização até o momento, a cultura sempre precedeu o mercado e agora é o mercado que quer mercantilizar a cultura. Prova disso é o que se encontra recolhido no texto “A crise da cultura”, de Hanna Arendt, publicado no livro Entre o passado e o futuro onde ela afirma que a arte está no caminho do entretenimento.

Se é entretenimento, é efêmero, pois esta é a própria condição do entretenimento e em sendo assim, a questão da memória, da preservação, do tempo necessário para se construir toda uma cultura vai por água abaixo.

As pessoas criam comunidades, desenvolvem códigos de conduta social, partilham valores e edificam a confiança social na forma de capital social.

Somente quando a confiança social e a troca social são bem desenvolvidas é que as comunidades se engajam no comércio e nas transações comerciais, daí ser muito provável que a grande tarefa da próxima era, a do acesso ou das sensações como querem alguns cientistas sociais, seja restaurar um equilíbrio entre âmbito cultural e âmbito comercial.

Os recursos culturais correm inclusive o risco de conhecer uma excessiva exploração e redução nas mãos do comércio, assim como aconteceu com os recursos naturais, muitos hoje em fase de exaustão de suas reservas devido a era industrial, onde o lucro passou a ser o grande objetivo a ser perseguido.

A era do acesso traz também no seu processo de desenvolvimento um novo tipo de ser humano.

A juventude deste início de um novo século, sente-se muito mais à vontade em dirigir negócios e engajar-se em atividades sociais no mundo maravilhoso do comércio eletrônico e adapta-se facilmente aos vários mundos simulados.

O mundo deles, pode-se dizer, é muito mais teatral do que ideológico.

Da mesma forma que a imprensa e a televisão alteraram a consciência humana, principalmente a partir do século passado, o computador provavelmente terá um efeito semelhante na consciência das pessoas e sobretudo dos jovens neste  e nos próximos séculos.

É cada vez maior o número de jovens que estão crescendo diante de telas de computador e gastando boa parte de seu tempo em salas de bate papo e ambientes simulados, levando os adolescentes a possuírem estruturas de consciência fragmentadas e transitórias, cada uma delas usada para negociar tudo o que encontrarem no mundo virtual ou em rede, a qualquer  momento.

Pais, pedagogos, psicólogos, estão muito preocupados com o fato de que essa atual geração possa começar a viver a realidade como algo um pouco mais do que apenas entretenimento e que lhes venha a faltar uma experiência socializadora que possibilite entender e adaptar-se ao mundo que os rodeia com todas as suas problemáticas.

A defasagem entre gerações está sendo acompanhada também por uma defasagem social e econômica, igualmente profunda.

É grande a parcela da sociedade mundial que ainda é vítima da escassez física e para os pobres ou excluídos - agora tecnológicos e virtuais -, a luta pela sobrevivência continua mais dura ainda, e ter posses é meta cada vez mais distante, maior ainda quando agora o domínio cultural por parte das multinacionais deverá eclipsar mais ainda as fracas identidades culturais de pequenos grupos e algumas poucas nações.

A defasagem, como podemos acompanhar todos os dias pelo noticiário jornalístico e televisivo, entre os que têm posses e os que não têm é enorme, porém entre os conectados e os desconectados é ainda mais acentuada.

Essa separação da sociedade mundial em duas esferas distintas: os que vivem dentro dos portões eletrônicos do ciberespaço e aqueles que vivem do lado de fora dele correspondendo a chamada divisão digital, representa um momento decisivo na História da Civilização.

Quando uma parcela significativa da população já não é mais capaz de se comunicar com outra no tempo e no espaço, a questão do acesso assume um significado político de proporções históricas.

Em conclusão, a grande divisão que se observa cada vez mais, na próxima era, é entre aqueles cujas vidas são conduzidas cada vez mais para o ciberespaço e aqueles que nunca terão acesso a esse novo e poderoso âmbito da existência humana, sendo este quem irá determinar muito das lutas políticas, sociais e econômicas nos próximos anos.