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"Eu não sei o que se
entende por liberdade"

 

Josef Pieper
(trad. de Horst Witmaack)

 

Quando se perde a convicção de que é o conhecimento da verdade o que propriamente liberta o espírito, quando esta certeza é esquecida, pode, talvez, ocorrer que o conceito de "liberdade" se torne inacessível e problemático para a inteligência e, até mesmo, incompreensível: simplesmente não mais se saberia o que significa liberdade.

Com perplexidade, lê-se nos derradeiros apontamentos de André Gide: "Há milhares de pessoas dispostas a entregar sua vida para promover melhores condições de existência: mais justiça, uma distribuição mais adequada dos bens desta terra; mal me atrevo a acrescentar: mais liberdade - porque eu não sei exatamente o que se entende por isto".

Já se entrevê, neste momento, que o conceito de "liberdade da ciência" alimenta-se de raízes talvez inesperadamente profundas e que uma agressão tão radical como a que se dá hoje, impõe, a quem queira defendê-lo, uma reflexão sobre este fundamento.

Há, neste sentido, uma memorável sentença que, de forma veemente, designa pelo seu nome este fundamento, a saber, a forma suprema da liberdade do sujeito que conhece.

A sentença é memorável, antes de mais nada, em razão do homem que a formulou e da situação especial em que foi expressa, ou melhor, escrita.

O homem é uma figura marcante do Ocidente, um romano que realizou seus estudos em Atenas e que, da corte de um rei germânico, procura transmitir a herança de sabedoria dos antigos para a nova época: a nascente Idade Média. Este homem é Boécio.

Sua situação, porém, é a de um prisioneiro. Boécio, encarcerado - à espera da execução da sentença de morte - tem, no entanto, uma certeza: a de sua mais profunda e indestrutível liberdade.

E diz: "Necessariamente a alma humana é maximamente livre quando se mantém na contemplação do espírito divino".


"Eu não sei o que se entende por liberdade", "Ich weiss nicht, was man unter 'Freiheit' versteht" é o texto 38 - capítulo de abertura da seção "Die Freiheit der philosophischen theoria und ihre Gegenspieler" - do Lesebuch, antologia organizada pelo próprio Josef Pieper, publicada pela Kösel, München, 1981. Originalmente, encontra-se em Buchstabier-Übungen. Aufsätze - Reden - Notizen, München, Kösel, 1980.