Estudos Lewisianos nos Estados Unidos

Gabriele Greggersen Bretzke
(doutoranda FEUSP)


A obra do pensador e escritor C. S. Lewis, falecido em 1963, tem despertado crescente interesse em todo o mundo, particularmente nos Estados Unidos (no Brasil, temos a auspiciosa notícia de que as Crônicas de Nárnia vão ser reeditadas, em breve, desta vez pela Martins Fontes). Neste estudo, relatarei algo de minhas experiências como participante num recente evento lewisiano nos EUA (junho-97): o Workshop "Understanding C.S. Lewis" na Bowling Green State University de Ohio e a visita ao Wheaton College de Illinois, por ocasião da "Dorothy L. Sayers Convention" (julho-97).

Suas obras mais famosas, também no Brasil, são Screwtape Letters (Cartas do Coisa Ruim), The Lion the Witch and the Wardrobe (O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa) e Mere Christianity (Cristianismo Autêntico) - como se sabe, C. S. Lewis é também um destacado teólogo.

O Workshop "Understanding C.S. Lewis"

Já em Toledo (a cidade mais próxima a Bowling Green), encontrei o Prof. Bruce Edwards, organizador do workshop e um dos maiores lewisianists da atualidade. O Prof. Edwards é editor de The Taste of Pineapple, uma coletânea que reúne importantes estudos lewisianos.

A primeira seção do Workshop ocorreu no dia 26 de junho. Uma grata surpresa para uma estudiosa brasileira foi a de constatar que havia na sala-de-aula não só renomados professores, mas uma grande quantidade de jovens estudantes, procedentes dos mais diversos estados americanos.

O evento foi dividido em onze seções. A primeira foi dedicada à mind de C.S. Lewis. O próprio Bruce Edwards expôs sua interpretação de que haveria 3 Lewis: o pré-moderno/ o moderno e o pós-moderno. O primeiro, anterior à conversão ao cristianismo em 1929, basicamente um escritor acadêmico, deslumbrado com a visão-de-mundo profana. O segundo, o scholar cristão e um terceiro Lewis, sem dúvida o mais fascinante e surpreendente, o imaginative writer, que, para Edwards, compreende não só o escritor de fairy-tales, mas também, digamos, o autor de Os quatro amores. Pretende, assim, aperfeiçoar a antiga visão de Owen Barfield, o orientador de Lewis em Oxford, que pretendia distinguir o crítico literário, a autor de fiction e o apologeta.

Edwards, excelente professor, teve outra surpreendente contribuição ao propor uma leitura (ou uma re-leitura...) de "Meditation in a toolshed" (ainda inédito no Brasil), convocando os participantes à discussão (inicialmente, em pequenos grupos), do extraordinário potencial lingüístico de analogias lewisianas como "looking at" (ver as coisas como que de fora) e "looking along" (ver a essência das coisas)! (Naturalmente, Lewis, sempre equilibrado, conclui que as duas posições, se levadas a extremo, contêm em si as distorções do materialismo radical ou de um essencialismo "subjetivista").

Para além do impacto popular - no mundo todo e também no Brasil - causado por Shadowlands (Lewis é interpretado por Anthony Hopkins), pudemos assistir a outras produções - tão ou mais significativas, mas que nunca serão sucesso de bilheteria...- como o homônimo pouco conhecido, o Shadowlands da BBC e o extraordinário "The life of C.S. Lewis: Through Joy and Beyond".

Outra importante seção do evento foi a ministrada por Marvin Hinten, que dedicou a sua tese de doutorado às Crônicas de Nárnia, considerado um dos maiores especialistas mundiais nas Crônicas de Nárnia. Para apresentar a sua própria tese (e interpretando os sentimentos dos lewisianistas...), o Dr. Marvin relatou o interessante episódio, que Walter Hooper usa para definir o estilo de Lewis. Certa vez perguntaram a Lewis, se, como a maioria das pessoas, ele usava mapas para orientar-se. Ao que ele respondeu, com sua característica presença de espírito: "I don’t take a map, the map takes me."

Após a discussão da fundamentação teórica de Lewis, Marvin Hinten enumerou características pedagógicas de Lewis, como se sabe, um brilhante conferencista e professor:

- Sempre objetivo e atento para o seu ouvinte (principalmente, quando se dirigia a intelectuais), fazia associações com a vida quotidiana.

- Reconhecia exceções e apresentava pontos contraditórios, situações hipotéticas e variadas. Além disso, valia-se de suas experiências pessoais, criava analogias fulminantes e, sobriamente, nunca ia além do necessário.

- Usava, por assim dizer, as duas asas da verdade: o colorido de um Platão e o rigor de um Aristóteles.

Uma seção curiosa (quase folclórica...) do workshop foi a conferência da Dra. Carolyn Keefe, uma das mais antigas lewisianas. Após sua erudita exposição sobre o tema - tão caro a Lewis - da objetividade dos valores morais e o The Abolition of Men, a Dra. Keefe relembrou seus primeiros "encontros" com Lewis na década de 40: como jovem ouvinte - "apaixonada pela suavidade da voz" que, pelo rádio proferia as Broadcast Talks... Novamente, o conceito de Tao ("the map takes me..." voltou à baila...

Outra grata surpresa ocorreu na seção em que estudantes apresentaram uma versão teatral do The Great Divorce (O Grande Abismo): Lewis e seu potencial dramático.

No último dia, após muitas outras exposições e discussões de obras lewisianas, Marvin Hinten fez uma incisiva análise da vasta bibliografia, hoje existente, sobre as Crônicas de Nárnia. Hinten defendeu sua própria tese: a dualidade das Crônicas (e, de toda a lewisiana...) que lidam, ao mesmo tempo e equilibradamente, com o encanto e com o realismo. Lewis afasta-se tanto do água-com-açúcar dos contos de fada cor de rosa, como da violência gratuita da "nova literatura infantil" (como a veiculada por certos desenhos animados de TV).

Ainda na seção de encerramento, foi destacada a grandeza de espírito de Lewis, sempre buscando o que une as igrejas cristãs, e recusando a estreiteza da tendência ao partidarismo, como o daquela senhora escocesa que fundou uma igreja cujos membros eram somente ela e seu mordomo James. Quando lhe perguntaram se ela estava realmente convencida de que ninguém mais no mundo iria se salvar, ela respondeu sem hesitar: "Bem..., quanto ao James, não estou tão certa...".

O Wade Center e a Dorothy L. Sayers Convention

A universidade de Wheaton é um pouco menor do que a de Bowling Green, mas possui centros de informação interessantes, tais como o Billy Graham Center, com uma biblioteca própria, que conta toda a história dos cristãos nos EUA, usando os mais sofisticados recursos de multimídia.

Naturalmente, meu interesse principal foi o Wade Center, um arrojada biblioteca especializada em Lewis (e autores correlatos como Chesterton, George Mac Donald, Tolkien e Sayers). Encontram-se lá dezenas de manuscritos (e até peças de mobília, como um dos armários das Crônicas de Nárnia...) do próprio Lewis.

Para avaliar o grau de interesse dos estudiosos desses centros, basta dizer que houve conferências (lotadas...) mesmo no dia 4 de julho (em que nada nos EUA funciona...).

A Dorothy L. Sayers Convention também teve interfaces com o pensamento de Lewis. Em sua conferência, a Dra. Barbara Reynolds, a erudita tradutora de Dante, fez um belo discurso sobre um lado desconhecido de Dorothy L. Sayers. De acordo com as muitas biografias de Lewis e de suas próprias cartas, Sayers teria trocado correspondências com Lewis desde 1945 (fui investigar e realmente ele confessa a ela que não era grande escritor de cartas, o que, na verdade, chegou a ser graças à ajuda do irmão e a de Walter Hooper, editor da maioria dos atuais livros de e sobre de Lewis).

Chris Mitchell, em concorrida seção da Convention, apresentou o acervo do Wade Center e, em sua exposição, trouxe novas luzes sobre o polêmico caso entre Sayers e Lewis, a propósito do livro da autora The Men, Born to be King.

A apreciação de Lewis por esta obra fica evidente em sua correspondência. Numa de suas cartas a Sayers, chega a pedir-lhe orações por Joy, então com câncer muito avançado.

Numa outra seção, discutiu-se a afirmação de que Sayers não teria obtido resposta à sugestão de Lewis dedicar um livro ao polêmico tema "casamento", sendo que, na verdade, temos interessantes notas sobre este assunto já antes do casamento de Lewis (em Mere Christianity) e depois (por exemplo em Four Loves e A Grief Observed). Afirmou-se também que uma outra importante obra de Lewis, Miracles, tenha sido sugerida pela amiga Sayers.

Nota final: o centenário de Lewis em 98.

Ao terminar este relato, ensejamos que, também no Brasil possa haver significativo e concreto incremento - em termos editoriais e acadêmicos - dos estudos lewisianos, neste momento em que - em todo o mundo - está havendo um intenso movimento preparatório para as comemorações do centenário de Jack, um dos principais filósofos do século.