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A Busca de Pérolas de L. F. Barros

 

Oferecemos, a seguir, uma pequena amostra de Vinte e Seis Pérolas e Outras Fantasias de nosso colaborador L. F. Barros, que a editora Imago acaba de lançar. Lê-se na Apresentação: "Aparentemente tão diferente dos livros anteriores do autor, Vinte e Seis Pérolas representa nova contribuição de L. F. Barros às mesmas causas que vem defendendo há anos: o combate ao estigma que cerca os portadores de doenças mentais e a demonstração do valor terapêutico da escrita. (...) Apresentando-nos outras vertentes de seus escritos, de natureza artística desta vez, o autor reafirma sua condição de escritor de forma independente de sua produção de caráter memorialista em relação à loucura". Em suas "fantasias", L. F. Barros, uma e outra vez demonstra sua convicção fundamental: "perder pérolas não é o pior; o mais grave é deixar de procurá-las". (Coord. Edit.)

 

 

 

Lavoisier

 

     Nada se cria, tudo se transforma. Livre pensar é repensar, como quase dizia o Millor. Aliás, ele deve ter dito isto também; eu é que me lembro de ele dizer com mais freqüência que livre pensar é só pensar. Daí intelectuais que levam muito a sério os humoristas, mas também não é pra tanto, cartesianamente cogitaram: "Penso, logo sou um livre-pensador". Pela lei de Lavoisier transformaram-se e hoje nem mais pensam, nem mais são livres.

 

 

A Virtuosa

 

     ...Então aqui ela chegou depois de muito caminhar, tropeçando na virtude e atolando na boa vontade.

     Por que o inferno está cheio das boas intenções, eu não sei. Sei apenas que boa intenção foi também o que aqui me trouxe.

     E tendo aqui chegado, encontrei-me com ela, tropeçada na virtude.

 

 

Vinte e Seis Pérolas

 

     Nada vale o preço que não se tem para pagar. E como são valiosas as coisas que a vida nos quis dar.

     São como pérolas. Devemos guardá-las em saquinhos de couro, com correias na boca, daqueles que quando se fecha nem os duendes são capazes de bisbilhotar.

     Quando eu era menino, um tocador de realejo, um dia, ao pedir para o papagaio me dar a sorte, disfarçado no gesto mas atento no olhar, passou-me por baixo do braço vinte e sete pérolas num saquinho de couro destes, fechado na boca por um barbante de seda da China.

     Eu não sabia o que eram pérolas; pensei apenas que fossem bolas pequeninas e num dia de muitos folguedos acabei por perdê-las entre minhas bagunças.

     Uma preta que me velou a infância, vendo minhas pérolas ao léu e o saquinho entreaberto, guardou-as todas de novo e as pôs sob meu travesseiro.

     À noite enquanto eu dormia, meu anjo da guarda as pegou e levou-as para a floresta, onde as deu a um duende que enterrou as pérolas embaixo de uma mangueira.

     E assim foi que entrei na vida sem saber que tinha pérolas e mesmo esquecido das vinte e sete bolinhas brancas que um dia o tocador de realejo me deu.

     Daí o mar se fez tempestade, meu barco afundou e como náufrago cheguei à praia onde um rio deságua vindo da serraria.

     Ali me acudiu um caiçara que costura redes enquanto a ressaca não passa. Vendo-me largado na areia, levou-me no ombro à sua casa de pau-a-pique onde me deu sopa de peixe com banana verde cozida.

     Quando recuperei minha força, ele me disse, após consultar a índia velha que mora no morro:

     - Para se curar, meu filho, você precisa de uma pérola ou duas, destas antigas que o mar não mais as faz.

     - Não sei o que são pérolas, meu pai.

     Então ele me disse:

     - Você nunca encontrou, quando pequeno, um tocador de realejos? Ele não lhe passou nada por baixo do braço, disfarçado no gesto mas atento no olhar?

     - Eram apenas bolinhas brancas.

     - Pois estas são suas pérolas.

     - Eu as perdi, meu pai, não sabe?, quando ainda criança.

     - Então procure a preta de sua infância pois só ela poderá levá-lo até elas.

     Daí eu fui. Voltei para a cidade machucado e procurei minha preta - hoje já velha ela e eu tão menino, ainda quase.

     Ela me esperava de braços abertos, e sem me dizer nada, levou-me até a beira de uma grande mata, onde, na entrada, estavam quatro duendes com um carneirinho no colo.

     Soltaram o carneiro.

     Ele levou-me até o pé de uma grande mangueira e ali me fez cavar: encontrei um saquinho de couro, fechado por um barbante da China. Na pressa de minha mocidade, corri a pegar meu tesouro e, com as mãos ávidas de quem não sabe, perdi as pérolas na relva e elas se espalharam pelo mundo todo.

     É por isso que sempre ando cuidadoso como ninguém, olhando a raiz das plantas, onde o mato nasce, caçando bolinhas brancas onde quer que eu me encontre.

     Na beira da praia, hoje, encontrei a primeira delas. É uma pérola pequenina com uma rosados-ventos cravada no meio: depois de tanto buscar, veio a mim o meu destino e já sei para onde navegar.

     Fazendo bem as contas, preciso continuar atento. Ainda tenho vinte e seis pérolas a reencontrar.

 

   

Pó de Serragem

 

     Cansado de lutar contra os paralelepípedos lisos, hoje subo minhas ladeiras espalhando serragem no antecedente de meu pisar e desço as rampas íngremes despetalando rosas rumo ao labirinto.

     Meus labirintos não têm Minotauros, estão povoados de forma simpática por Ariadnes perfumadas com as essências da terra. Neles estou ao resguardo da aritmética cotidiana das donas de casa e dos chefes de família e me preocupa somente o paladar dos manjares.

     Os licores são destilados das lágrimas de alegria e os remédios são manipulados em alquimias que os bruxos tecem sobre o suor das mãos ansiosas das ninfetas em seu primeiro encontro de amor.

     A saída dos corredores em caracol são perceptíveis apenas aos que resistem ao canto mágico das sereias e a volta só é possível aos que sabem amar um bêbado de rua e apiedar-se da arrogância insana dos poderosos.

     As ladeiras lisas de paralelepípedos molhados pelas lágrimas do céu só podem ser trafegadas em segurança pelos que conhecem os infernos.

     Para isso servem os que foram resgatados da loucura: para dar leite aos gatinhos abandonados nas ruas e espargir serragem no caminho dos que sobem as ladeiras, despetalando flores para aqueles que estão descendo assustados pela primeira vez.

 

 

Proclamação de Melodonte

(Para ler em voz alta)

 

     Armanios suivante norus, problenos matricos code minotos armanio suinte. Quoboru monfídios pale minoquo, suivantes morum. Quofrobes mamentos more noborum, placetos fure nontrosse matiri ubes.

     Matrique montrafe nosbofe fobefe. Menanto sebote, carios terrufo moscofe trobefe. Alentro muicone onturo moscofi seutrave amentri, quisquede menofo ostronci, mescodio suivaro ondonti. Muisquede pescoce ondico, casdefre menodio obítro quesquod minoro ustrefe.

     Melofio stronei pinquedro osdonti menute, ermefe mostro qued menoti pindestro pequodi senute.

     Ostronei ergofe minoti, erquefo bosquete metrofi, armenio arcadio betofe esmoque futreque metofe. Orbonei esque felefo nifetome ernofi mistrefo, busquedo ornofi selone matreco montrofe megoni.

     Ermetrio pendelo quetrofi, osto nopo toloco dei: Menuti osmone ferlatio mesgoni lestrego mestara nei: Ortopo lei memonte ferquedo. Andreco menuti ferlei matropi mergafio felara.

     Seduti promofe ergone estrapo erfei oslene mequefro nufurti mefoli osneto negati osle: Antelui metofone.

     Arquefio mefone oslei, matroco trufino bernei. Netupi melaro magrefi quefaro moni bone tre. Metrofo orlento merfei, lentaro nequefro orlei.

     Mostrobi memuro ondico fe ne le trocaito minori ostrofe. Fobode menonto obíquo ontrove meluto osquodi.

     Fentube enelure comio; ostrobe negafio milonde. Flebano ontifo negabe legito legore osnofi.

     Ortodei menofe bosgote; quesquode pindestro!