Os Erros Nossos de Cada Dia

 

 

Hélio Marques
(Repórter de A Gazeta
do Povo
, de Curitiba)

Ao entrar eufórico pela Redação, carregando anotações que lhe dizem que amanhã os leitores terão uma bela reportagem, o repórter realmente pode ter nas mãos dados para transformar sua matéria precisa em um Prêmio Esso. Mas se as informações, na maioria das vezes mal rabiscadas nos blocos, não forem traduzidas - e interpretadas - de maneira correta, pode-se estar iniciando um festival de besteiras, que crescerá à medida que o conhecimento do repórter sobre o tema for restrito. E tudo acabará resultando, no mínimo, em prejuízo, às vezes irreparáveis e indevidos, às pessoas que concederam a entrevista.

Os erros publicados diariamente pelos jornais são muitos e isso acontece porque nós, jornalistas, erramos demais. É certo que alguns mais, outros menos e alguns quase nada, mas de alguma forma erramos. Não quero aqui fazer críticas a colegas da profissão, mas apenas levantar um tema que ainda é um dos que me atormentam. Não gosto de ler uma informação errada no jornal. Muito menos se ela foi escrita por mim. E isso já aconteceu. Já errei muitas vezes e não cabe aqui buscar justificativas, se pela pressão do fechamento ou por um outro motivo qualquer. Para o leitor, o que vale, assim como no jogodo-bicho, é o que está escrito. E não há "Erramos" que conserte.

Mas me sinto melhor agora, depois de alguns anos de estrada, de saber que erro menos. Pelo menos acho que sim, pois a leitura, em voz alta, das minhas próprias matérias quando elas já estão estampadas no jornal, me dão essa sensação. Não me refiro a erros de digitação, que se existirem só servirão para complicar ainda mais a situação, mas a dois tipos de incorreção: as de informação e as de omissão.

De informação por passar dados incorretos e de omissão por deixar de dar um dado importante, que na pressa ficou para trás sem ser utilizado. Recentemente, numa das aulas do Master para Jornalismo, fizemos análise da matéria sobre a aprovação da lei do aborto, garantindo que ele poderia ser praticado em hospitais públicos de todo o país. Analisamos vários dos ditos grandes jornais nacionais e verificamos que todos haviam errado. Para o leitor que não se aprofundasse no texto, ou lesse apenas títulos, gravatas, olhos e legendas, a informação passada era a de que o aborto estava legalizado no Brasil. Mas não era isso. A lei em questão havia sido apenas aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e se referia apenas a poder realizar o aborto em hospitais públicos e obedecendo a alguns critérios. Mas o assunto foi vendido, por praticamente todos os jornais, de uma outra forma.

Até que ponto temos culpa nisso, numa informação errada passada ao público? Podemos, realmente, fazer isso? Não, claro que não, pois se a nossa missão é bem informar, não podemos agredir o leitor com uma notícia infundada, sem sentido, tratada com cuidado duvidoso por causa da pressão do relógio.

Os casos de erros na informação se espalham a gosto. Não que tudo que façamos esteja errado. Longe de mim querer dizer isso, mas que é preciso mais cuidado, não tenho dúvidas. O repórter da Geral é, dentre todos os jornalistas de uma Redação, o que provavelmente tem maiores chances de errar. O motivo é o de estar na linha de frente da cobertura do jornal, quando o aspecto são as generalidades que se cobre. Ele passa a ser um especialista de coisa nenhuma.

Eu, que rotineiramente cubro Educação, já ouvi de muitos colegas que chegam para uma coletiva sobre um tema qualquer desse assunto, o testemunho de que saíram da Redação sem nunca terem ouvido falar do tema a ser abordado na coletiva. Como que este profissional irá questionar o entrevistado se não conhece o assunto? E, pior que isso, como irá redigir seu texto se provavelmente sairá de lá com muitas dúvidas? Com certeza irá dar um nó na cabeça do leitor que entende do assunto - e está esperando ser melhor informado pelo jornal - já que a matéria será, com certeza, um "samba do crioulo doido".

Fora o estigma de arrogantes que carregamos, ainda nos julgamos os donos da bola e, mesmo que solicitados pelos entrevistados, na maioria das vezes não costumamos passar nossos textos para serem lidos previamente por eles. Mas seria uma boa saída, pois se em muitos casos não dominamos o assunto, por que não deixar o entrevistado ler a reportagem antes de ser publicada, afinal de contas é o nome dele que estará lá, escancarado para todos os leitores. Por nossa causa ele pode passar por um idiota, basta escrevermos algo que foi mal interpretado.

Alguns colegas se sentem constrangidos passando seus textos para os entrevistados, afinal de contas são profissionais, estudaram para isso, estão há vários anos escrevendo e não se submeteriam a isso.

Eu mesmo já neguei isso a alguns entrevistados. Mas também passei vários de meus textos para serem lidos. Alguns voltavam sem alteração alguma. Outros nem tanto, mas pelo menos tinha certeza de que no dia seguinte eu, os leitores e o entrevistado, estaríamos satisfeitos com o que seria publicado.

O corre-corre diário muitas vezes não permite que isso seja feito. E não defendo também que isso deva ser uma regra. Longe de mim querer algo semelhante. Apenas para ilustrar vou dar um exemplo. Certa vez fui fazer uma matéria com uma juíza sobre dívidas das empresas com o INSS. Vinha fazendo várias reportagens sobre o assunto e quando ela me pediu para ler o texto, disse que não faria isso, pois tinha certeza de ter entendido tudo. Nem me dei ao trabalho de mentir dizendo que mandaria o texto e, se fosse cobrado por ela depois, diria que não deu tempo, já que a matéria era para o dia seguinte.

Quando cheguei à Redação, uma meia hora depois de deixar o gabinete dela, meu editor já sabia da resposta que dei à juíza. Ela, provavelmente se considerando insultada pelo não recebido, ligou para o jornal. O editor apenas me perguntou o que havia se passado e expliquei. Ele se limitou a ouvir o meu relato. No dia seguinte, com a matéria publicada, a juíza me liga. Disse que estava tudo certo, mas que num primeiro momento duvidou da minha compreensão do assunto.

Em outras ocasiões, quando tinha algumas dúvidas, não pestanejei em remeter o texto. E hoje, mesmo que os entrevistados não peçam, faço até questão de enviar a matéria. Quando isso não é possível, ligo e leio alguns trechos que acredito não estarem muito claros. E deixo a Redação com a certeza de que não estarei traindo meus princípios e nem passando informações incorretas.

Fico, às vezes, surpreso com alguns colegas que vêm comentar comigo, felizes da vida, que o entrevistado dele ligou para elogiar uma matéria. Ora, é certo que isso massageia o ego, mas não deveria ser o normal? Não deveríamos escrever matérias dignas de serem elogiadas todos os dias? Afinal de contas somos pagos para escrever bem e fazer com que o jornal para o qual trabalhamos seja o preferido dos leitores por vários aspectos, dentre eles o de informar melhor que o concorrente.

Numa outra aula do Master a discussão era se tínhamos consciência da força das informações que publicamos. Do poder que elas teriam de ajudar as pessoas ou de destruí-las. Não houve consenso. Pessoalmente acredito que não temos. Mas sabemos que podemos fazer as duas coisas. É apenas uma questão de saber utilizar as informações que temos ao alcance das mãos. De preferência, sem errar.