O Papel da Imprensa

Fernando Mauro M. Salerno
(Diretor Geral de "O Valeparaibano"
de São José dos Campos)


A cada momento, deste final de milênio, estamos sendo bombardeados por uma série de informações jornalísticas que nos levam a repensar qual seria, de fato, o papel da imprensa moderna e, até que ponto, ela conserva seu princípio ético de divulgar temas de interesse público ou se, alternativamente, ela vem explorando assuntos interessantes para o público.

Muito tem se falado na distinção existente entre a chamada grande imprensa caracterizada como séria, formadora de opinião e a pequena imprensa, que apela para aspectos popularescos, manipulando os leitores, divulgando informações sensacionalistas. Se o aspecto crítico é característica da primeira, parece correto afirmar que a função apelativa é atributo da segunda.

Se no primeiro caso o texto deve revelar sua referencialidade, fato que lhe confere valor documental, já no segundo, o texto, muitas vezes é enfraquecido, pois a palavra passa a ser mero instrumento, enquanto fotos consideradas extravagantes falam mais alto.

Conferimos assim, à imprensa genuína, a razão precípua de informar com exatidão, formando em seu leitor, o processo gerador de conhecimento consciente. Neste sentido, estamos diante do que Roland Barthes chama de "texto fetiche", palavras que por sua elaboração textual, ganham vida e plasmam mensagens que conduzem ao texto envolvente. Ao levantarmos esta perspectiva, conferimos ao jornalista a possibilidade de engendrar matérias " atraentes " que o tornam um lapidador da palavra.

Em contrapartida, quando se trabalha exclusivamente com fatos bombásticos, o imediatismo faz-se presente e cria o que podemos chamar de jornalismo frívolo, que vive e se sustenta da desgraça e das banalidades que fazem parte do cotidiano.

O leitor é levado a vivenciar o processo catártico, no qual extravasa seu sucesso, ou sua tragédia pessoal. É como se a leitura lhe permitisse assumir um pacto romanesco, no qual ficção e realidade se mesclam, com a pluralidade do caleidoscópio.

Mas surge aqui um questionamento: entre a veiculação dos dois tipos de mensagem, qual a que atinge, realmente, o leitor, não só em termos quantitativos, mas também no que se refere a formação de sua essência sensível?

Não se trata aqui de um dilema entre qualidade x quantidade, mas algo muitíssimo mais amplo que se instaura na sociedade em que vivemos e que nos configura, com nitidez fotográfica, esta mesma sociedade, porque na verdade, é um símbolo de suas necessidades explícitas e também das mais recônditas...

Para analisarmos os aspectos mencionados, partiremos de um exemplo exaustivamente explorado pela mídia sensacionalista, ou não, ocorrido na primeira semana de setembro de 1997, ou melhor, na semana em que o mundo parou...

Todos os olhos se voltaram para a tragédia ocorrida em Paris na fatídica madrugada de 31 de agosto no Túnel de l'Alma. Como uma profecia fúnebre, morria em acidente automobilístico a princesa Diana de Gales e, talvez, de todo o mundo.

Sua morte prematura provocada, quem sabe, pelo assédio dos "paparazzi" gerou o questionamento seguinte: em que medida o interesse pela aparência divulgado pela imprensa alternativa teria, em parte, responsabilidade pela exposição cruel a que " mitos " atuais estão sujeitos?

Segundo o historiador marxista inglês Eric Hobsbawn: "Não há dúvida de que a mídia conduziu Diana até sua morte". Porém, cumpre olhar o reverso da moeda, visto que existem várias versões afirmando que a própria princesa teria interesse em cunhar uma imagem de embaixatriz humanitária e "rainha dos corações", envolvendo a imprensa num jogo de sedução.

Considerações à parte, não se pode deixar de constatar que, se viva, a princesa motivava a mídia, morta, ela preencheu páginas, sem conta, nos periódicos mundiais.

No entanto, para ilustrar ainda melhor nosso questionamento inicial, outro fato, extremamente significativo, ocorreu num processo de simultaneidade ao acima descrito: a morte de madre Teresa de Calcutá.

A cobertura dada ao desaparecimento daquela que colocou toda sua vida a serviço dos empobrecidos, Prêmio Nobel da Paz em 79, não mereceu por parte da imprensa destaque comparável. Afinal, sua imagem despojada de "glamour" e voltada exclusivamente para causas humanitárias, não interessa ao leitor com a mesma intensidade... Ela não faz parte do sonho. É real, duramente real...

A linha divisória entre o interesse público e o interessante para o público é tênue e depende, em parte, do modo pelo qual é explorado sob o ponto de vista jornalístico. Neste sentido, exige grande capacidade de discernimento tanto de quem escreve, quanto de quem lê.

Concluindo, a tarefa jornalística exige a conscientização da extensão das mensagens veiculadas, balizando o alcance da intervenção da imprensa na sociedade. É desafiador conceituar processos de criação, principalmente se invocamos parâmetros fixos. Exemplificando, Mathew Parris, do "Times" de Londres, afirma : "Os jornais de prestígio só esperam os tablóides darem a primeira mordida para avançar sobre a carniça ".

Portanto, um dos grandes desafios da imprensa é buscar com precisão o direito à informação, divulgando assuntos, cujo enfoque particular, sejam significativos para a formação da opinião pública.

É urgente publicar mensagens que, comprometidas com a verdade, apresentem soluções críticas e criativas para uma sociedade que, sedenta de curiosidade, possa vir a se tornar sedenta de conhecimento e mais próxima do Amor.