Inútil e Indispensável
(Do orig.: "Unbrauchbar und Unentberlich" in Lesebuch, München, Kösel)

 

Josef Pieper
(trad.: L. Jean Lauand)

É conhecido o prazer com que Sócrates - freqüentemente e de formas muitas vezes exageradas - gostava de ostentar o quão desajustado é o filósofo: ele mal sabe onde se localiza o fórum, não tem a menor idéia das disputas partidárias dos que almejam o poder, ignora completamente as questões relativas à ascendência nobre ou plebéia e mais - ironicamente referindo-se a si mesmo: "ele não sabe sequer que ignora tais coisas". O riso da criada trácia que zomba de Tales por ter caído num poço, enquanto, caminhando, contemplava o céu, está reservado para todos os que se dedicam à filosofia em qualquer época.

Mas, não é o caso de ficarmos aqui repetindo o que todo mundo sabe. Além do mais, o próprio Sócrates não fala do filósofo como único objeto de riso. Também ele tem sua vez de rir quando, por exemplo, ouve "discursos pomposos" ou quando alguém louva o tirano. É então o filósofo quem ri, e, nesse caso, "a sério", com fundamento na realidade.

Contudo, não é tão importante saber quem ri de quem e com mais ou menos razão. Mais importante é, parece-me, indagar que significado poderia caber à filosofia na vida da sociedade humana.

Quando falo aqui em "filosofia", diga-se de passagem, não estou, é evidente, referindo-me a um determinado grupo de pessoas, nem a um grêmio de "especialistas", cuja função social estaria em discussão. Sócrates afirmava que reconhecer a estirpe dos verdadeiros filósofos não é, de modo algum, tarefa fácil, mas "quase tão difícil como a dos deuses". E recordemos suas palavras mais amargas: os maiores detratores da filosofia são aqueles que se autodenominam filósofos. Não estamos indagando, portanto, sobre a função de determinado grupo ou instituição, mas sobre o valor, para a comunidade humana, do filosofar em si mesmo, onde quer que ele se realize.

O platônico Aristóteles expressa sua visão da filosofia na passagem da Metafísica em que afirma serem todas as ciências mais necessárias do que ela, embora nenhuma a supere em importância: necessariores omnes, nulla dignior. Ora, a "dignidade" da filosofia e a devida importância que possui no seio da comunidade humana deriva de que só ela pode produzir uma indispensável inquietação, formulada na seguinte questão: Em que consiste - uma vez que, com notável esforço de inteligência e trabalho, já tenhamos obtido tudo que é "necessário", a satisfação de todas as necessidades vitais, a plenitude de recursos para manter a vida (em todos os sentidos) e a seguridade do viver -, em que consiste propriamente a vida (essa vida assim possibilitada), a vida verdadeiramente humana?

Formular esta inquietante pergunta - em meio a todas as perfeições que o homem alcançou para si, no mundo -, e sustentar vigorosamente esta pergunta por um pensamento rigoroso e insubornável - esta é que é precisamente a função da filosofia e sua mais específica contribuição para o bem comum. Ainda que ela, por si mesma, não tenha capacidade de dar resposta cabal...