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Brasília, segunda-feira,
16 de outubro de 2000
Opinião
Sangue e futuro: em favor da paz
Roseli Fischmann

Vivemos dias terríveis. O acirramento sangrento do conflito no Oriente Médio tem deixado a todos perplexos e com profundos sentimentos de impotência. Quem se encontra longe, geograficamente, de cenário tão brutal tende a analisar os fatos do frio ponto de vista do espectador. As perguntas que podem ser levantadas a cada acontecimento são inúmeras, proporcionais à complexidade da situação. Muitas vezes operam-se julgamentos dos lados envolvidos, como se análises aleatórias dessem conta do drama.
Contudo, a análise fria denuncia a tranqüilidade de quem está distante: nada a perder. Na Guerra do Golfo pudemos assistir à frieza dos comentários da mídia que falava em ‘‘precisão cirúrgica’’ dos ataques, transmissões famosas por se assemelharem a videogames, quando estavam em jogo vidas humanas. Contudo, logo percebeu-se o erro, pois todos têm a perder. No tabuleiro do destino mundial, são lances em que se joga o próprio futuro da humanidade.
Sede da origem das três religiões que têm Abrahão por patriarca — o judaísmo, o cristianismo e o islamismo —, ao mesmo tempo em que ponte com o mundo oriental, todo conflito que eclode no Oriente Médio repercute, porque é o coração da humanidade, em nossa era, que ali está, onde cada dia é tenso, e a paz, fugidia a cada passo. Como coração, o que ali se passa espalha-se para o planeta de forma inevitável, como comprovam os atentados quase imediatamente ocorridos em outros locais.
Desenvolvemos um trabalho há dez anos (www.hottopos.com/convenit2, Breve Histórico do Instituto Plural), cuja força reside na articulação de diferentes comunidades, praticando diálogo e apoio mútuo, demonstrando que sempre que se percebe e se pratica a pluralidade, e não a bipolaridade, é que se avança.
Em respeito aos muitos anos de fraterno e solidário trabalho, do qual a paz no Oriente Médio foi ponto original, busquei ouvir a opinião do professor Mohamed Habib, responsável pela Coordenadoria de Relações Internacionais da Unicamp, ambientalista e pacifista histórico, nascido no Egito e brasileiro há quase trinta anos. Desolado, minutos antes de ir à mesquita, lembrava que o efetivo início do processo de paz no Oriente Médio começara com os acordos de Camp David, de 1978, com Menachem Begin, Jimmy Carter e Annuar Sadat, brutalmente assassinado em 1981. Falava de sua decepção com os grandes líderes mundiais, que levam vinte anos para alinhavar uma paz que é ameaçada fatalmente em poucos dias — e a cuja ameaça não conseguem reagir. Afirmava que, no momento em que ‘‘uma pessoa sente que não poderá constituir família, pensar um futuro, que, enfim, para ela a vida se iguala à morte, faz qualquer coisa; as pessoas precisam sentir que a vida vale a pena’’. E que os líderes mundiais precisam acordar para suas responsabilidades nesse processo.
É de fato importante que a opinião pública internacional esteja atenta ao fato de que precisa respeitar os sentimentos dos povos envolvidos no conflito, que nada ali é simples e o sofrimento, brutal. Trata-se de processo onde a cooperação internacional tem a possibilidade de serenar os ânimos e garantir condições a ambos para que possa haver negociação direta entre Israel e a Autoridade Palestina, único caminho.
O processo de paz iniciado com o Acordo de Oslo, em 1993, assinado em Washington, tem sido construído com cautela das partes envolvidas, cooperação de muitos países e líderes. Teve também suas vítimas brutais, como Yitzhak Rabin. Poucos dias de intenso conflito parecem ameaçar todo o esforço construído com base em compromissos e concessões de ambas as partes, articulado em um processo gradual. Temerariamente, a Autoridade Palestina liberta os que estavam presos por terrorismo. O governo de Israel busca unir trabalhistas e a direita. O movimento de reaglutinação indiferenciada de forças internas, em cada um dos lados, sinaliza a disposição para o conflito, ou, antes, o medo alavancador da violência, que elimina as divergências internas na união contra o ‘‘inimigo comum’’.
A disposição para o conflito é mais antiga e mais conhecida do que a prática de tolerância. Não é preciso esforço para ressurgir. Contudo, a necessidade imprescindível da paz está na consciência de ambos. Fazer com que a consciência se transforme em disposição renovada para a construção da paz somente será possível se a ação internacional se mobilizar sem mais demora, permitindo romper a bipolaridade. As negociações são bilaterais, mas o poder de sustentação envolvido há de ser multipolar, de Estados, sociedades e indivíduos, pelo destino humano.
A terrível imagem vinda de Ramallah, de um homem palestino exibindo, na janela, suas mãos banhadas no sangue dos jovens soldados israelenses massacrados, para uma multidão enfurecida, talvez seja o melhor símbolo do que nos espera, se nada fizermos em favor da paz. Antes de ser israelense ou palestino, soldado ou civil, trata-se de seres humanos com direito à vida, com direito a sonhar e a construir o futuro.
Derramamento de sangue vem do ódio e o realimenta. Mas sangue é sobretudo vida fluindo, é fazer planos e vislumbrar tempos com justiça e liberdade para todos, bases da paz. Muito sangue já foi derramado. Em vez de alimentar o conflito, que possa, em honra das muitas vítimas do qual verteu, fertilizar o solo sagrado com serenidade e sabedoria, onde é possível construir a paz.


Roseli Fischmann é professora de pós-graduação na USP e na Universidade Presbiteriana Mackenzie, coordenadora do Instituto Plural e membro do Júri Internacional do Prêmio Unesco de Educação para a Paz

 
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