Curitiba, quinta-feira, 6 de agosto de 1998 EDUCAÇÃO Linguagem cotidiana limita entendimento da vida Professor avalia que isso ocorre porque as pessoas não têm conhecimento do real sentido das palavras usadas corriqueiramente
A linguagem que as pessoas usam no dia-a-dia, muitas vezes sem saber a origem e o real significado das palavras, ajudam o homem a esquecer a essência da vida. A afirmação é de Luiz Jean Lauand, doutor e mestre em Filosofia pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, que falou ontem para diretores e funcionários da Gazeta do Povo sobre "Os bastidores da linguagem". Segundo o professor Lauand, o homem é, por natureza, um ser que se esquece. As antigas civilizações já sabiam que essa era a característica mais trágica da vida humana. Ele exemplificou que o próprio termo que designa "ser humano" em árabe - insan - significa de fato "o esquecedor". O professor destacou que o esquecimento humano não se restringe às coisas meramente corriqueiras (pagar contas, chegar no horário certo ao trabalho etc.) e sim àquilo que é mais importante na vida humana: a sua própria razão de existir.
Vivência intensa Lauand lembrou que, eventualmente, as pessoas passam por experiências que a tiram da realidade trivial em que vivem e as colocam diante de um mundo mais arnplo. De acordo com ele, existem cinco possibilidades de o homem ter essa vivência intensa: através das artes, da religião, da filosofia, pela morte ou pelo amor. Mas a grande descoberta que essa experiência gera no íntimo do ser humano vai sendo esquecida e, aos poucos, a pessoa volta a se preocupar com aspectos corriqueiros da vida. "Mas a luz não se perdeu, apenas está escondida sob a forma de linguagem aparente", disse Lauand. Segundo ele, as palavras têm um potencial expressivo muito maior do que os homens, mas a tendência humana é justamente o esquecimento do profundo sentido do que se diz.
Artes Lauand ainda destacou que, apesar da natureza do homem levá-lo ao esquecimento, existe algo que pode trazer de volta ao ser humano o conhecimento de sua essência: as artes. "Na verdade, o importante não é conhecer nada de novo, mas lembrar o que se esqueceu", disse ele. O professor ainda confessou qual é o segredo da lembrança: "Você não esquece o que ama." Serviço: Os trabalhos. de Luiz Jean Lauand podem ser acessados na lnternet pelo seguinte endereço: www.hottopos.com
Significado de algumas palavras Poucas pessoas sabem o real significado de várias palavras e expressões que utilizam cotidianamente. Para o professor Luiz Jean Lauand, isso reduz o real sentido do que se fala. A seguir, está descrito o real significado de algumas palavras e expressões corriqueiras: Obrigado: palavra de gratidão que significa literalmente que a pessoa se sente "obrigada" a retribuir o favor feito pelo outro. Parabéns: palavra utilizada inicialmente como uma advertência para quem realizou ou ganhou algo importante. Por exemplo: determinada pessoa ganhou na loteria; quem cumprimenta o ganhador lembra-o que o prêmio deve ser utilizado "para bens". Saber de cor: quem ama algo, não o esquece. Portanto, quem sabe algo de coração, vai lembrar-se disso para sempre. "Saber de cor" provém daí. Meus pêsames: a expressão comumente empregada quando do falecimento de pessoas vem de "pesame". O interlocutor quer, de fato, dizer algo como: "Eu te ajudo a cartegar o peso desta tristeza." Condolências: também muito utifizada em funerais, a palavra literalmente significa "doer-se com". Perdoar: no latim, o prefixo per serve para dar idéia de plenitude - daí, por exemplo, per-feito. Assim, perdoar é a doação máxima que o ser humano pode dar a outro. Meu caro: quando fala-se "meu caro amigo", o interlocutor está se valendo de uma metáfora para dizer que a pessoa tem grande valor. Da idéia de preço e valor, também provém "apreço", "prezado", "menos-prezo" e "des-prezo".
Ética também perde seu sentido O esquecimento das pessoas do real sentido das palavras também foi destacado por Luiz Jean Lauand como fator fundamental para que o homem perdesse a sensibilidade de compreender a ética em seu sentido mais profundo. Segundo Lauand, o termo "ética" deriva do grego "ethos". No sentido profundo, "ethos" quer dizer "morada", ou seja, a ética é a moradia do homem. Para Lauand, assim a ética é o que somos e nos tornamos pelo agir livre e responsável. Mas assim como as outras palavras, a ética também perdeu seu significado através dos tempos. Esse esquecimento, avalia o professor de filosofia, "traz gravíssimas conseqüências sociais e pedagógicas".
Seminário O esquecimento dos fundamentos da ética foi um dos aspectos abordados por Lauand anteontem na sua palestra de abertura do 2o Seminário Internacional de Família, Educação e Ética. O evento, que está reunindo cerca de 300 participantes em Curitiba, termina hoje à noite. Ontem, os palestrantes da conferência foram Ana Maria Araújo Vanegas (doutora em Filosofia) e Bernardo Vanegas (doutor em Direito Civil), que abordaram a importância da família na educação das crianças. Para eles, a família é a verdadeira escola de valores e os pais devem ter participação efetiva na vida acadêmica de seus filhos. Instrutor ou educador Hoje o seminário será encerrado, novamente com a palestra de Ana Maria e de Bernardo Vanegas. O tema de sua exposição será "Professor: instrutor ou educador?" e "Ética das virtudes". A idéia dos dois é que o professor tem mais responsabilidade do que simplesmente instruir os alunos. Nesse contexto, eles (assim como Lauand) consideram que é essencial ter ética na educação. |