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Nota editorial: entrelinhas

 

 

É com particular orgulho que apresento esta edição de Convenit, por duas razões.
Em primeiro lugar, porque este Nº 14 marca o início de uma nova e importante parceria na história da revista: a de dois grupos de pesquisa do Ppgcr da Umesp e, consequentemente, a inclusão do notável filósofo, Dr. Rui Josgrilberg em nossa direção editorial.
Já este número traz sugestivas contribuições de pós-doutorandos da Umesp.
A contribuição internacional (também ela ligada aos estudos de religião), é o estudo de Marisol Herrera "La Biblia en El Gran Teatro del Mundo de Calderón de la Barca".
Encarreguei-me, particularmente, da segunda parte, o dossiê "Professores da escola pública e alfabetização", junto a colegas da Emfm Vereador Antonio Sampaio e do curso Pnaic.
O diferencial desse dossiê é dar voz precisamente aos protagonistas da árdua tarefa de militar no ensino público. Há muitas pesquisas sobre o tema: acadêmicos que, a partir de teorias, prescrevem como devem ser tais e tais aspectos desse ensino; Pesquisas de campo que buscam compreender a realidade das escolas; normativas do governo. Etc. Essas investigações podem ser mais ou menos interessantes, mais ou menos úteis, etc.
O que procurei neste volume foi extrair dos próprios atores da linha de frente do ensino fundamental suas experiências, paradigmáticas, que (infelizmente) não costumam ser apresentadas em eventos das Secretarias de Educação ou em publicações científicas. O que é uma pena, pois trata-se de material muito rico, elaborado no árduo âmbito da escola pública e movido fundamentalmente pelo fator "vocação", que, como ensina o grande filósofo espanhol Julián Marías, é: "lo que no se puede dejar de hacer".
Digo por experiência própria de alguém que, por anos, valeu-se de etnografia para entender as escolas do Japão. Por mais que um pesquisador alheio à escola pública, se envolva e participe em suas investigações, sempre há um limite que não será facilmento transposto: a revelação das experiências mais profundas, pois, como bem sabem os antropólogos: "o xamã não revela seus conhecimentos mais profundos".
Os que trabalham em escolas públicas sabem que, mesmo tendo o seu cargo garantido por concurso, o espaço onde atuam é uma arena de vários interesses, principalmente políticos. Sabem, que a qualquer momento, a sua prática pode ser diluída ou anulada pelo burocrata de plantão ou por uma nova gestão. Ou ao explicitar a sua prática, ela pode ser desfigurada para fins ideológicos ou até usurpada por estudioso interessado apenas em alavancar sua carreira acadêmica. Os professores, normalmente, são informantes muito colaboradores, entretanto, muitas informações são inatingíveis às pesquisas. Por isso a grande dificuldade e tempo de um trabalho de campo sério no âmbito escolar público.
Também os "xamãs", professores do ensino fundamental, não revelam seus segredos, a menos que... A menos que eles estejam diante de um aprendiz, no caso não já seu aluno, mas o interlocutor que busca realmente aprender de um "mestre": como o caso da estagiária, das alunas da faculdade de Pedagogia, ou da entrevista de uma colega de anos, como aqui apresentados.
Mesmo de posse dessa reveladora metodologia, é necessário atenção para as entrelinhas, pois é nelas que se esconde a alma desses educadores...

 

 

 

 

 

Chie Hirose
fevereiro de 2014