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Entrevista

Estudos Árabes, "Hispanidade" e Autonomias

Serafín Fanjul

 

(Madrid, 14-4-98. Entrevista com os professores Jean Lauand, Mario Sproviero e Elian Lucci. Edição e Tradução: Mario Sproviero)

 

JL: Gostaríamos de ter uma apresentação geral de sua formação, pesquisas e obra.

SF: Sou catedrático - há uns dez anos - de literatura árabe no Departamento de Estudos Árabes e Islâmicos da UAM. Estudei em Madrid, na Universidade Complutense; fui diretor do Centro Cultural Hispânico do Cairo (há muitos anos); e trabalhei também em muitas universidades e centros culturais espanhóis... Este é, em resumo, meu currículo passado; mas, naturalmente, para mim, mais interessante é o atual.

Do ponto de vista da pesquisa científica - ou do trabalho intelectual (a palavra "pesquisa" - como a palavra "cientista" -, aplicada a ciências humanas, me dá calafrios...: nenhum de nós descobriu a cura do câncer!...) - eu prefiro - ainda que seja uma palavra um tanto desprezada pela modernidade - qualificar-me, de algum modo, como um humanista.

Quanto aos estudos que realizei, comecei dedicando-me - por muitos anos - à pesquisa das artes populares do folclore árabe e a este tema, dediquei minha dissertação de licenciatura: sobre a poesia de Ahmad Rami, um dos letristas das canções da conhecida cantora egípcia Umm Kulthum.

Minha tese de doutorado versou sobre o mawal egípcio, um gênero de canção popular, em quadras, muito apreciado não só no Egito, como também em todo o mundo árabe, com variações de denominações e formas.

Estive trabalhando neste campo de arte popular e folclore durante anos. Fruto deste trabalho foram três livros: Las canciones populares árabes (1976), El mawal egípcio: expresión literaria popular (1977) e, um livro geral, Literatura popular árabe (1977).

Além disso, publiquei diversos artigos em revistas especializadas e até chegamos a montar um pequeno Museu, que depois tivemos que desativar por falta de apoio oficial. Era uma pequena e simpática coletânea de objetos etnográficos procedentes de Marrocos, Egito, Argélia e outros países árabes.

Depois desta primeira etapa, passei por um período de perplexidade e uma espécie de indefinição, pois não sabia muito bem identificar um campo de trabalho: não era possível trabalhar com folclore árabe, estando aqui em Madrid (ou em outras cidades espanholas onde trabalhei). Percebi a grande dificuldade de dedicar-me à etnografia, sem dispor de apoio para realizar viagens e trabalhos de campo. Assim, reorientei meu trabalho - sem abandonar completamente o anterior - e passei então a dedicar-me ao estudo de Antropologia Geral e Etnografia Geral, incluindo a Espanha, como é lógico.

EL: Então, suas pesquisas não se limitam ao mundo árabe?

PM: Não. Devo esclarecer que, além de doutor em Filosofia e Letras Árabes e Semitas, sou formado em História da América e, por isso, tenho um grande interesse pelo continente americano e, em particular, por Ibero-América: sempre que tenho oportunidade vou à América. Conheço bem a Argentina, o Paraguai (que visitei muitas vezes), o Peru, o México e, principalmente, Cuba. Quanto ao Brasil, infelizmente ainda não houve ocasião: conheço só Foz do Iguaçu e o aeroporto do Rio...

Assim, tive que reorganizar minha pesquisa etnográfica e antropológica e me orientei para os estudos medievais. Dei-me conta - não que seja uma grande descoberta original, mas para mim o foi - de que a literatura árabe medieval é um inesgotável filão de estudos etnográficos, com materiais de todos os tipos. E dediquei-me à literatura de viagens, riquíssima em descrições de costumes, seitas religiosas, comidas, preços, formas arquitetônicas, itinerários etc. Neste empenho, meu primeiro trabalho foi "El viaje de Ibn-Battuta", feito em colaboração com meu amigo e cunhado Federico Arbós.

JL: Seu livro é muito conhecido. É a primeira tradução de Ibn Battuta?

SF: Em espanhol, sim. Há uma tradução francesa da metade do século passado e uma inglesa da metade deste século...

Ainda no campo da literatura medieval, escolhi um autor que escreve de um modo complicado, mas que é uma fonte preciosa: Al-Jahiz. E traduzi para o espanhol - e ainda há tão poucas traduções da literatura medieval árabe entre nós - El libro de los avaros, que apresenta não só passagens cômicas, mas também muito material antropológico.

Dada a escassez de traduções, tem havido algum incremento nesse trabalho: eu mesmo estou me dedicando à tradução de obras clássicas, como as Maqamat de Al-Hamadhani. Embora seja uma obra complicada e rebuscada (de um super-estilismo literário...), traz significativas informações culturais.

Há poucos anos, encarregaram-me da tradução de uma obra importantíssima. Seu autor é um hispano-árabe que faz uma descrição da África. Era um granadino, que na infância emigrou ao Marrocos; foi, depois, capturado por piratas italianos e foi escravo do Papa, que logo o batizou e o emancipou. E ele abandonou o nome árabe e adotou um nome italiano: Giovanni Leone (o nome do Papa). Compôs uma descrição geral da África, baseada em suas viagens e vivências. O original é italiano (1552) e foi imediatamente traduzida ao latim, francês e vários outros idiomas...

EL: ...E também ao castelhano?

SF: Não, como sempre. A tradução castelhana ocorreu com mais de quatro séculos de atraso. Em 1940, houve uma tradução - parcialíssima e fraca - dos dois primeiros capítulos, editada pelo "Instituto General Franco" - uma dessas instituições militarizadas do protetorado espanhol em Marrocos.

A obra de Leão Africano foi, durante três séculos, a única base dos conhecimentos europeus sobre a África (todos a citam e a copiam). Essa tradução pareceu-me um empreendimento muito importante, além do mais porque era parte de um projeto mais amplo: o de demarcar o inventário de Al-Andalus. Foi lançado, junto com discos e outras coisas, em Sierra Nevada, em 1995, por ocasião de um campeonato de esqui (o que não me parece mal: que se financiem, assim, objetos culturais, que, afinal, é o que resta do evento: quem vai se lembrar do festival de esqui?).

EL: O livro é belíssimo. As gravuras são da época?

SF: Muitas sim, outras não. Essas gravuras procedem de vários museus, dentre eles o Museo de Marina.

Isto quanto aos livros. Claro que há também muitos artigos. Devo também mencionar que ministrei muitos cursos e conferências em países árabes onde morei - como Egito, Marrocos, Argélia... - e também na América.

EL: Poderia contar-nos de suas experiências na América?

SF: Como dizia, vou com freqüência à América e, principalmente, a Cuba, onde tenho bons amigos na universidade de La Habana, no Instituto de Lingüística y Literatura e no Centro de Estudios de África y Medio Oriente.

JL: E neste momento, em que projeto está trabalhando?

SF: Estou preparando um livro que será um tanto polêmico. Se as editoras não mudarem o título, será nada mais e nada menos que: Al-Andalus contra España. O objetivo é tentar reequilibrar o enfoque que os espanhóis têm de Al-Andalus.

Como sabem, houve uma época em que - por motivos ideológicos e conveniências políticas - marginalizava-se sistematicamente qualquer referência ao hispano-árabe. O resultado foi que a grande cultura espanhola fez-se de um ponto de vista de oposição ao Islam e aos árabes. É um fato; quer queiramos, quer não.

Desse modo, produziu-se um pano de fundo cultural no imaginário coletivo e nos intelectuais espanhóis. Esse lastro durou praticamente até o século XX. Depois da morte do General Franco, houve um reordenamento de pontos de vista e um reflorescimento da consideração do legado árabe.

Passou-se de um extremo a outro, que também falsifica as realidades históricas. Por isso, penso que é oportuno apresentar um outro ponto de vista, bem fundamentado, que não significa um retorno à Espanha de El Cid, de Menéndez Pidal, da cruz e da espada etc., mas, simplesmente, de pôr as coisas em seu devido lugar.

Não importaria o que as pessoas pensassem no plano histórico, se os erros históricos não se projetassem no plano político e na vida quotidiana. É o que ocorre, hoje, na Andaluzia: reinventar uma história excessivamente pró-árabe, sem base histórica. Isso me parece perigoso e nem sequer beneficia os árabes. A criação de imagens equivocadas agudiza conflitos culturais em um país que já os têm de sobra. Esses conflitos são utilizados politicamente por interesses de oligarquias locais, induzindo as pessoas a acreditar em falsidades. Um exemplo concreto: não me parece sério que os habitantes de Granada, Sevilha ou Cádiz, que, em sua absoluta maioria, têm origem no Norte, venham dizer que são descendentes dos árabes. É simplesmente ridículo. Não só porque tenham sobrenomes castelhanos - Gutiérrez, Martínez, López - é que culturalmente não têm essa base árabe.

Claro que não se pode negar a influência árabe, mas é um grande exagero dizer que a Andaluzia é acentuadamente árabe.

É uma questão polêmica e que precisa ser muito matizada. Por isso, penso que meu livro não será bem recebido na Andaluzia, sobretudo pelos políticos.

MS: Levando este problema para um âmbito mais geral, vivemos um momento em que - junto com a globalização - acentuam-se na Europa as divisões e os regionalismos. Como isto ocorre na Espanha?

SF: É um problema de psicologia de massas: quando se tende à unificação por parte de grandes corporações econômicas e políticas, logo surgem grupos locais que procuram afirmar sua identidade... É, portanto, uma tentativa de reafirmar-se a partir da "identidade menor", esquecendo-se da "identidade maior", que era dada pelos estados nacionais: estes faziam com que um andaluz e um basco se sentissem partícipes de uma mesma coletividade e de um projeto comum. Não vou dizer que o particularismo, em si, seja bom ou mau; o que desaprovo são suas formas excessivas.

Não vejo diferenças tão grandes. O tal "fator diferencial", tão reafirmado pelos catalães, é, no fundo, uma justificativa para reivindicar orçamentos maiores que os outros espanhóis.

Com os bascos, ocorre o mesmo: pagam menos impostos ao governo central, porque usam boina ou tocam o chistu (flauta basca). O que não entendo é a correlação; não entendo essa argumentação. Parece-me que são pretextos, usam a "cultura". Claro que ninguém pretende negar que o País Basco tenha uma cultura diferenciada, ao menos em parte. Nem toda a população é de origem basca e há muita miscigenação... Também na Galícia, na Catalunha, em Valência etc. há culturas diferenciadas... Agora, isso justifica a criação de novas entidades políticas? Claro que não!

Aqui, quero destacar outro aspecto, também bastante significativo, bem exemplificado no caso da Iugoslávia. A posição unânime de todos os meios de comunicação europeus e americanos foi a de defender a tolerância religiosa, étnica etc. - valores que ninguém pode negar.... Porém, esta lógica nunca deveria ter levado - a partir do reconhecimento de uma diferença cultural - a propugnar pela criação imediata de um novo estado! É uma contradição terrível, da qual nunca se fala: em vez de integrar, procura-se separar. Assim, os defensores da tolerância, ante as comunidades muçulmanas, sérvias e croatas em vez de um convite à convivência, tratam de separá-los, criando um novo Estado!

E é precisamente isto o que está ocorrendo no País Basco! Fala-se em tolerância e convivência, mas o que se quer é uma fronteira e uma alfândega! Não digo que todos os bascos pensem assim; refiro-me aos círculos nacionalistas.

O caso catalão é semelhante: os nacionalistas querem uma fronteira no rio Ebro. Não querem que os andaluzes aprendam catalão (o que lhes possibilitaria o acesso a cargos médios e superiores em Catalunha...). O argumento que se está usando no País Basco - e principalmente na Catalunha - é o de que para se trabalhar na Catalunha - claro que não como servente de pedreiro... - deve-se saber catalão. Assim para ser médico, tabelião etc. é necessário saber catalão. Ora, uma pessoa de Badajoz não sabe catalão e se não se lhe ensina, nunca poderá concorrer a um emprego na Catalunha... Agora, um catalão vai a Madrid e a Astúrias e concorre normalmente aos melhores empregos. Aí é que está! Um exemplo pessoal: minha filha Samira estudou medicina em Cuba, com ótimas notas. Recentemente, participou do exame MIR (médico interno residente) e foi aprovada com direito a exercer sua profissão em qualquer lugar, menos na Catalunha. No mesmo exame - aí está o absurdo -, seus colegas catalães não têm impedimentos para trabalhar em León, Andaluzia, Múrcia, Madrid...

MS: Está bem colocada a questão da globalização/particularização na Europa. No caso específico da Andaluzia, o substrato árabe é usado politicamente?

SF: Vamos tratar, então, da Andaluzia. A partir do século XIII, há uma repovoação de Andaluzia com cristãos do Norte, como ocorreu em Portugal. Então, os árabes misturam-se ou saem: no século XVII, este processo está consumado. Restam elementos árabes no léxico, em alguns costumes culinários, na arquitetura (que é o que dá impacto visual...) etc.

Ora, os viajantes românticos do século XIX - franceses, ingleses... - vinham procurando coisas pitorescas, "sabor local"... E o "sabor local" tem que ser árabe. Outro dia, quase morri de rir ao ouvir um comentário sobre uma senhora totalmente basca, que era "de uma beleza muçulmana autêntica". Como quando Merimé fala da "arquitetura árabe" da "Lonja de Contratación" de Valência, que é um edifício gótico do século XV!! Imagine na Andaluzia como funciona a indústria do pitoresco...!

Junte-se a isto a teoria de Américo Castro, de que a Espanha é um país mudéjar...: o que pode estar parcialmente certo; todo o problema é estabelecer a proporção: principalmente no plano ideológico.

Com nossa democracia, veio a moda de inventar Autonomias, para as quais se necessita de uma base. E como na Andaluzia não há uma burguesia local independentista, nem uma língua diferente, a única saída - para o oportunismo dos políticos - era recorrer à geografia e à história. Certamente, Andaluzia é a região da Espanha mais próxima do Marrocos e foi uma parte de Andaluzia o último reduto de Al-Andalus, mas isso, a meu ver, não constitui base histórica suficiente, porque depois aconteceram muitas outras coisas (outro povoamento, outra forma de organizar a vida etc.).

Essa história do nacionalismo andaluz é cópia do nacionalismo basco e catalão (embora tenha nascido nos anos trinta, mas era, então, uma coisa de Blas Infante e "cuatro señoritos" de Sevilha que queriam equiparar-se aos bascos e catalães), é uma piada...

No fundo, não é que adorem os árabes nem que queiram ser árabes nem se reconverter ao Islam..., mas, pura e simplesmente, precisam de um ponto de apoio para diferenciar-se politicamente e, no final das contas, pagar menos impostos, como os bascos... Este é o fundo da questão para os que dirigem o movimento (não para os que vão na onda...), exatamente como acontece no País Basco...

Os separatistas bascos, evidentemente, são favorecidos pelos assassinatos da ETA, mas já anteriormente a ameaça permanente de separatismo - tal como na Catalunha - serviu para obter enormes vantagens econômicas que os outros nunca tiveram. E que, além do mais, cria-se uma condição de vitimismo permanente - "Somos vítimas do governo central!" - que me faz lembrar aquele melodramalhão mexicano: "Os ricos também choram!": precisamente as regiões mais ricas da Espanha - País Basco e Catalunha - estão sempre lamentando-se por estarem sendo prejudicados e perseguidos...

Depois de se beneficiarem, a seu tempo, dos investimentos, das alfândegas espanholas, da proteção econômica do estado central, da descapitalização de outras regiões..., quando se instala a unidade européia, dizem: "nós não somos Espanha!", "agora não precisamos da Espanha", "vamos discutir diretamente com Bruxelas"... Beneficiaram-se por mais de um século e meio.

No século XIX faz-se um grande pacto na Espanha, quando se dividem e se diversificam as regiões: País Basco e Catalunha destinam-se à mineração, industria e comércio; Madrid é a capital; o resto, agricultura e pecuária.

Com a política alfandegária, com os investimentos do Estado centralista, o dinheiro que faltou em Badajoz, Andaluzia ou León, foi à Catalunha e ao País Basco. E agora dizem: "não precisamos mais da Espanha". Isto não é reprovável só do ponto de vista moral: é uma atitude absolutamente inadmíssivel!

Voltando ao caso da Andaluzia e dos árabes - e precisamente por isso estou trabalhando nesse livro -, está se criando no plano ideológico um problema realmente grave, pois lá não há um sentimento nacionalista ou anti-espanhol. Mas pode ser que, por força de repetições, se chegue à criação de um conflito. Publiquei, há muitos anos, um artigo em "El País", artigo que foi muito mal recebido em Andaluzia: "Andalucía Árabe?". Começava citando um verso de Machado: "Aquí y allá los ecos moros de las chumberas" ("Aqui e lá os ecos mouros das figueiras-da-índia"). Este verso atesta o fato de que, sim, há muitas chumberas na Espanha e no Marrocos. O absurdo é que a chumbera não é uma planta de origem africana, mas, com toda a certeza, americana e não tem nada que ver com Al-Andalus! O caso chamou-me a atenção para falsificações desse calibre...

O ponto de vista deve ser bem esclarecido. Não quero negar Al-Andalus - seria jogar pedras contra meu próprio telhado -, não vou negar que houve aqui uma arquitetura, uma literatura, uma história árabe: uma cultura árabe. Árabe e não hispano-árabe. Houve um exagero em sentido contrário: para mostrar uma continuidade cultural na Espanha - entre a Espanha romana e a do século XVI - diz-se que Al-Andalus é hispano-árabe; mas, em minha opinião, é simplesmente árabe (não cem por cento árabe porque isso não existe: no Iraque, há minorias cristãs; na Síria, permanece algo do aramaico e influências persas; no Egito, influências coptas; para não falar do Norte da África...).

Não se deve entender as coisas de modo tão estreito: ou é branco ou é preto; ou é espanhol ou é árabe: "isto é espanhol desde as grutas de Altamira, desde os iberos, Viriato era espanhol...". O caso Viriato aborrece os portugueses: evidentemente, dizer que Viriato era espanhol, ou português não tem pés nem cabeça... Falando com José Saramago, com quem tenho certa amizade, divertimo-nos muito com o Viriato: é preciso achar um mito fundante da nacionalidade...

Na escola, ensinavam-nos que Viriato era um pastor lusitano que lutou contra os romanos: não era claro que fosse português, mas também não se afirmava que fosse espanhol: era lusitano. O essencial era estabelecer mitos fundantes da nacionalidade espanhola. E quanto mais antigo, melhor. E conseguimos chegar até o séc. II A.C. Considero que essas falsificações, essas idealizações não são boas: são instrumentalizáveis e fomentam a incultura.

Espero que meu livro tenha alguma utilidade.

LJ: Ocorre o mesmo com alguma manifestação artística?

SF: Sim, estudo, por exemplo, o caso do flamengo, considerado - sem nenhuma base lógica ou documental - como música árabe. O que é certo é que o flamengo é muito recente. Muitas peças de vestuário que se consideram tradicionais não são tão antigas: a mantilla é do séc. XVIII; o mantón de manila, do XIX; o traje de baturro aragonês é do XVIII...

LJ: ...E imediatamente são classificados como árabes...

SF: Claro, qualquer coisa que se considera antiga é árabe, dos moros e se não se sabe a origem: aí então é certamente árabe...

MS: E essas manipulações atentam contra a integração?

SF: Claro, aí é que está o problema. Se a maioria basca declaradamente deseja ser independente, pois que o seja. Mas, independentes de verdade. Que não fiquem nesta situação ambígua: com pretexto de que tocam chistu, pagam menos impostos e cobram mais. Por exemplo, a polícia da Catalunha - como se trata de uma autonomia, com um fato diferencial... - recebe salários maiores do que os de seus colegas do resto da Espanha... E os rombos orçamentários são cobertos pelo governo central... De fato, não querem a independência...

"Fator diferencial", quem não tem? Vocês, no Brasil, um país enorme, certamente têm diferenças, mas estas justificam alguma independência ou a exploração de uns pelos outros?

MS: No Brasil, ainda que haja diferenças, seria mais difícil criar um mito - digamos, os Bandeirantes - do que o dos árabes em Espanha?

LJ: Há, porém, certas tendências separatistas no sul do Brasil.

SF: Tenho a impressão de que também na América Latina se estão fomentando tendências separatistas por parte do poder hegemônico mundial.

Quando se provoca num Canadá o fenômeno de Quebec, a pergunta é: a quem isto beneficia? Certamente não só aos habitantes de Quebec... E se o Brasil se divide, quem se beneficiará?

Há um problema na América Latina que parece bastante grave. Um problema em que se mistura uma questão ética e de justiça com uma questão política: a questão indigenista. Sim, houve uma injustiça histórica, uma enorme injustiça social sofrida pelos indígenas, juntamente com outras populações não indígenas. Então, fomenta-se - temo que por parte dos Estados Unidos - movimentos indigenistas como forma de ruptura das unidades nacionais. E atacam pelo lado cultural e pelo lado religioso: as seitas protestantes. Interessa - para a cabeça que dirige todos esses movimentos - uma atomização geral. Não interessa para os Estados Unidos um Brasil forte. Não interessa para os Estados Unidos um México forte. Interessa-lhes que o México se fragmente em quinze países do tamanho de Honduras...

EL: Se o País Basco se separa será um país medíocre...

SF: Sim, um país medíocre nas mãos da Inglaterra ou França. O separatismo basco tem já um século e sempre foi favorecido pelos ingleses.

MS: A Inglaterra é mestra nesta política...

SF: Claro. Um último detalhe... Quando - há cerca de quinze anos - se constituiu a polícia basca, os instrutores foram ingleses: não quiseram instrutores espanhóis.

MS: É realmente uma questão grave...

SF: Sem dúvida!